As gorduras são más? A primeira resposta que nos ocorre é provavelmente: "Sim, as gorduras são más, pois são causadoras de doenças cardiovasculares, de obesidade…". Mas não é bem assim. A verdade é que as gorduras (ou lípidos) são nutrientes fundamentais da dieta humana.
É muito frequente ouvir-se quase diariamente, nos nossos programas favoritos, nas revistas, ou na internet, algo sobre uma gordura miraculosa que todos conhecemos por ómega-3. Mas será que temos realmente noção dos benefícios que os ácidos gordos ómega-3 trazem para a saúde? De facto, a sua importância é tal, que levou à criação de uma efeméride.
O Dia Internacional do Ómega-3, celebrado pela primeira vez no dia 3 de Março de 2010, foi idealizado por Carol Locke, fundadora do Omega Natural Science and Center for Creating Health e por William Butler, neurocirurgião pediátrico na Harvard Medical School. O propósito da celebração, que se assinala anualmente desde essa altura, é destacar os benefícios do ómega-3 na nossa alimentação e estimular o seu consumo por parte da população.
Até ao início do século XX os ácidos gordos eram vistos exclusivamente como uma forma eficaz de armazenar energia, podendo ser sintetizados pelo organismo a partir de proteínas e hidratos de carbono. Desde então, várias evidências mostraram que uma dieta pobre em ácidos gordos estava associada a síndromes que podiam levar à morte.
Criou-se então o conceito de ácidos gordos essenciais – ácidos gordos imprescindíveis ao organismo, que não podem por este ser sintetizados e que, portanto, devem ser obtidos através da alimentação ou suplementação. Trata-se do ácido linoleico (LA), um ácido gordo ómega 6, e do ácido alfa-linolénico (ALA), um ácido gordo Ómega 3 – ambos gorduras predominantemente polinsaturadas.
Ainda que tanto o Ómega 3 como o ómega 6 sejam importantes na nossa dieta, fala-se com mais frequência no Ómega 3. Deve haver um equilíbrio na ingestão destas duas gorduras, mas no entanto, a dieta tipicamente ocidental contém mais quantidades de ómega 6 do que Ómega 3, o que reforça a ideia da necessidade de aumentar a ingestão desta última.
Existem três ácidos gordos ómega-3 importantes: o ALA (ácido alfa-linolénico) – um ácido gordo de cadeia curta (18 carbonos), encontrado numa ampla variedade de alimentos; o EPA (ácido eicosapentanoico) – um ácido gordo de cadeia longa (20 carbonos), encontrado sobretudo em peixe; e o DHA (ácido docosahexanoico) – um ácido gordo de cadeia longa (22 carbonos), encontrado sobretudo em peixe e algas.
O interesse pelos ácidos gordos Ómega 3 resultou do estudo do paradoxo da baixa mortalidade dos esquimós da Gronelândia por enfarte cardíaco quando comparados com a mesma taxa na Europa, apesar da alimentação rica em gorduras de ambos os povos. Na década de 70 os cientistas descobriram que a solução desse mistério estava nos seus hábitos alimentares: enquanto a gordura ingerida pelos esquimós provém dos peixes (maioritariamente do salmão do Mar do Norte), rica em ácidos gordos polinsaturados EPA e DHA, a alimentação nos países europeus é demasiadamente rica em ácidos gordos saturados e carente nos referidos ácidos gordos polinsaturados, o que representa um fator de risco aumentado nas doenças cardiovasculares.
Mas não são apenas os peixes, e particularmente o salmão, as únicas fontes de Ómega 3 disponíveis.
As fontes naturais e os suplementos de Ómega 3
O ácido linolénico é de origem vegetal e está presente nos vegetais de folha escura como brócolos, couves, rúcula e espinafres. O EPA e DHA podem ser sintetizados pelo homem a partir do linolénico, mas com baixo rendimento, pelo que é desejável que a alimentação os forneça em quantidade adequada.
O EPA e o DHA são fornecidos em grande quantidade pela gordura dos peixes, sobretudo de água fria. Os peixes convertem o ácido linolénico (presente nas algas em quantidade apreciável) em EPA e DHA que se acumulam na gordura daqueles animais, o que faz com que sejam dos melhores fornecedores de Ómega 3. O óleo de fígado de peixe é um grande provedor deste tipo de ácido gordo. São também bons fornecedores, entre outros, o marisco, o atum, arenque, o salmão, a enguia, a cavala, o sável, o chicharro, o congro e a sardinha.
Os frutos oleaginosos, como as nozes, avelãs e as amêndoas, o feijão, o abacate, a papaia, a soja, o gérmen de trigo, e as sementes de linhaça, chia e sálvia, sem esquecer os óleos de girassol, soja e milho, também são ricos em Ómega 3. Além disso, são cada vez mais comuns no mercado os produtos enriquecidos com Ómega 3, como por exemplo, ovos, laticínios infantis, manteiga, pães e cereais enriquecidos.
A dose diária recomendada de Ómega 3 é de 250 mg para os adultos; 450 mg na gravidez e amamentação, e de 100 mg para as crianças. O consumo de peixe 3 a 4 vezes por semana já é suficiente para suprir as necessidades semanais.
A ingestão recomendada de Ómega 3 varia de país para país, entre 0,5 a 2 por cento do valor energético: a ingestão de ALA deve situar-se entre 0,6-1,2 por cento da energia, ou 1-2 g/dia. Um estudo sobre o consumo alimentar de diferentes tipos de gorduras mostrou que o nível atual de consumo de ALA varia entre 0,6 g/dia (França/Grécia) e 2,5 g/dia (Islândia) nos homens, e entre 0,5 g/dia (França) e 2,1 g/dia (Dinamarca) nas mulheres. Em grande parte dos casos os consumos são muito reduzidos, e, aumentar a ingestão de alimentos ricos em Ómega 3 seria benéfico na maioria das dietas.
Contudo, esse alimentos não devem ser consumidos fritos, pois a fritura e as altas temperaturas destroem as propriedades do Ómega 3, inutilizando-o. O ideal é cozinhar só com azeite, a baixas temperaturas, dando preferência aos cozidos e grelhados.
A frenética correria do dia-a-dia torna difícil, por vezes, reunir nas nossas refeições fontes importantes dos vários nutrientes, inclusive de Ómega 3. Quando não se encontrar este nutriente essencial, ou se for vegetariano, pode recorrer-se a suplementos de Ómega 3, mas sempre sob orientação de um médico ou nutricionista.
No que toca aos suplementos, a qualidade do produto é crítica! O fator mais importante na qualidade do suplemento de ómega-3 é o nível de peróxidos na altura de encapsulação. Os seus efeitos benéficos associados aos de ómega-3, particularmente a nível do perfil lipídico, não se verificam com produtos peroxidados e de fraca qualidade. Assim, uma embalagem de ómega-3 deve ser sempre guardada no frigorífico, e longe da exposição à luz. Entre cápsulas e líquido, deve optar-se pelas cápsulas gelatinosas escuras. A partir do momento em que se abre o frasco de um produto de ómega-3 líquido, a entrada do oxigénio inicia de imediato a degradação oxidativa dos ácidos gordos.
Apesar de ser do conhecimento geral que o Ómega 3 é benéfico para a saúde, o principal impedimento para o seu consumo em suplementos ou incorporado em alimentos sempre foi o seu sabor residual. Em consequência da sua elevada instabilidade pode ocorrer oxidação, e o produto alimentício pode apresentar não só odor, como forte sabor a peixe.
Esse desafio técnico foi superado nos últimos anos pela técnica de microencapsulação. Com a microencapsulação (onde o Ómega 3 é acondicionado na forma de pó) previne-se a oxidação, e aumenta-se a sua vida útil. Esses avanços tecnológicos têm permitido a introdução de Ómega 3 em vários novos produtos já mencionados anteriormente, como pães, ovos, macarrão, leite e iogurtes.
Existem cada vez mais suplementos com Ómega 3. O alerta da comunidade científica para os benefícios deste nutriente fez disparar a variedade de produtos disponíveis.
Mas atenção, não se devem tomar suplementos "às cegas". A simples informação "rico em óleo de peixe" ou "rico em Ómega 3" não diz absolutamente nada, e não se vai perceber se as doses são as adequadas às necessidades individuais. Aprender a ler e decifrar os rótulos de um suplemento nutricional com Ómega 3 é uma condição essencial para poder usufruir-se de todas as vantagens nutricionais associadas ao seu consumo.
Os benefícios da ingestão
Os ácidos gordos ómega-3 são essenciais para o funcionamento de dois órgãos importantíssimos: o coração e o cérebro. De entre os benefícios do consumo de Ómega 3 para o coração pode-se destacar a diminuição das taxas de triglicéridos e colesterol total no sangue; a redução da pressão arterial de indivíduos com hipertensão ligeira; e a alteração da estrutura da membrana das células sanguíneas, tornando o sangue mais fluido. Assim, o EPA diminui as atividades das plaquetas sanguíneas, evitando coágulos de sangue, que podem levar a um derrame ou enfarte, e o DHA ajuda a evitar arritmias cardíacas, estabilizando a atividade elétrica no coração.
Quanto ao cérebro, sabe-se que mais de 20 por cento é constituído por substâncias gordurosas que desempenham funções importantes. A saúde do cérebro depende da quantidade de gordura ingerida e, principalmente, do tipo de gordura consumida, ou seja, a performance mental exige um tipo específico de gordura, sendo o Ómega 3 a gordura ideal.
O Ómega 3 é um ácido gordo estrutural da matéria cinzenta do cérebro, que promove a comunicação entre as células nervosas, além de ajudar na construção das baínhas de mielina ao redor das fibras nervosas, permitindo assim uma melhor neurotransmissão química, o que, consequentemente, auxilia na monitorização do humor e da memória.
Se o cérebro deixar de receber Ómega 3 tenta adaptar-se a essa deficiência, acaba por ficar "preguiçoso", passando as respostas a ser mais lentas. A repetição desse comportamento faz com que o cérebro passe a encarar esse novo estado como um novo padrão de funcionamento.
O resultado são problemas de memória, alterações de humor e dificuldades de aprendizagem. Estudos recentes mostram que o consumo regular de Ómega 3 ajuda a melhorar a concentração; a memória; a aumentar a motivação; a melhorar as habilidades motoras; a aumentar a velocidade de reação; a neutralizar o stress e a prevenir doenças degenerativas cerebrais.
Além do coração e do cérebro, há vários benefícios específicos associados ao consumo de EPA e DHA. Um deles é na maternidade, reduzindo o risco de depressão pós-parto e mudanças de humor, além de melhorar a saúde durante e após a gravidez. O DHA providencia isolamento crítico para o desenvolvimento do sistema nervoso nas crianças, e auxilia no seu desenvolvimento visual e cognitivo. Além disso, o leite materno é rico nos três ácidos gordos e a maioria das fórmulas infantis contêm DHA e ARA (ácido araquidónico) mais semelhantes ao leite materno.
A ingestão de EPA e DHA também reduz os sintomas de dislexia, Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperactividade (TDAH) e outros sintomas de aprendizagem, comportamento e coordenação desordenada em crianças. Nos adultos, os benefícios incluem a redução do risco de depressão, esquizofrenia, hipertensão e doenças inflamatórias, como artrite reumatoide, doença inflamatória do intestino e asma, ataque cardíaco e outras doenças cardiovasculares. Outros benefícios incluem redução do risco de demência, deterioração mental e degeneração macular relacionada com a idade (DMRI).
Esta ampla variedade de benefícios baseia-se em estudos focados principalmente em alguns problemas de saúde, como desordens inflamatórias (inclusive artrite, doença autoimune, psoríase e eczema), depressão, cancro, lúpus e asma.
Alguns estudos associaram também a ingestão do Ómega 3 a uma menor incidência de diabetes tipo 2 e a diminuição da concentração de glicose. Devido à sua ação anti-inflamatória o Ómega 3 também ajuda a combater a obesidade. Afinal, a obesidade é um processo inflamatório e age de maneira a interferir na forma como o cérebro percebe a presença de comida no corpo. O Ómega 3 consegue modular a expressão dos neurotransmissores que controlam a fome e reduz a presença de proteínas responsáveis por aumentarem o apetite.
Se quanto aos benefícios do consumo não existem dúvidas, já a quantidade diária recomendada de Ómega 3 é polémica. Apesar de a Sociedade Americana do Coração sugerir até 4 gramas por dia, é justamente esta porção que em alguns estudos leva a complicações de saúde; assim, os especialistas defendem uma porção de até um grama por dia.
Os riscos do excesso
Ainda que o consumo excessivo seja raro, pode ocorrer, especialmente se o consumidor usar suplementos de óleos de peixe e adicionalmente consumir com regularidade alimentos enriquecidos em Ómega 3 disponíveis no mercado.
O excesso de Ómega 3 no organismo pode causar uma série de problemas. Apesar de ser um potente anti-inflamatório, em grandes quantidades pode favorecer um processo pró-inflamatório que chega a induzir a resistência à insulina, retardar a coagulação sanguínea, causando hemorragias e hematomas, enfraquecer o sistema imunológico e, nos casos de pessoas obesas, pode piorar o quadro.
Além disso, o ácido gordo em grandes quantidades pode induzir a esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença das células nervosas do cérebro e da medula espinal que controlam o movimento voluntário dos músculos. As pessoas com a doença sentem a perda gradual de forças e coordenação muscular, que finalmente piora, impossibilitando a realização de tarefas rotineiras como subir escadas, levantar-se ou engolir.
Em gestantes, alguns estudos demonstraram que o excesso do Ómega 3 pode levar a uma resposta neurológica anormal do feto.
O excesso de Ómega 3 no organismo tende a conduzir à peroxidação lipídica das membranas. Para além do processo favorecer o stress oxidativo, está associado ao início de doenças inflamatórias como a aterosclerose, que em estados avançados contribui para a ocorrência de enfarte e AVC isquémico.
Um estudo recente sugeriu ainda a relação entre quantidades muito altas de Ómega 3 no organismo e o aparecimento de tumores malignos. Publicado no Journal of the National Cancer Institute, o estudo relaciona o excesso de Ómega 3 a uma maior incidência de cancro da próstata. Porém, esta relação ainda não está totalmente clara, e não deve ser estabelecida com base em apenas um estudo.
Nos últimos anos, têm sido desenvolvidos muitos estudos com o objetivo de analisar o impacto dos ácidos gordos na saúde. Os cientistas alertam, contudo, que a maior parte das investigações não é conclusiva e que, antes de fazer qualquer alteração na dieta, as pessoas devem consultar um médico ou nutricionista – o único capacitado para adequar as doses de Ómega 3 às necessidades e dieta de cada paciente.
Até para que um alimento, ou suplemento, que era suposto aportar benefícios ao organismo não produza, em vez disso, malefícios…
A vacinação continua a ser o melhor meio de proteção contra o vírus, com uma proteção mais eficaz contra doenças mais graves, embora o seu efeito protetor diminua com o passar do tempo.