DEMÊNCIA
DOENÇAS E TRATAMENTOS
Tupam Editores
A demência constitui a expressão clínica de várias entidades patológicas. No entanto, quando se fala em demência, a maioria das pessoas pensa na Doença de Alzheimer (DA). E, ainda que esta seja a forma mais comum, existem outras formas de demência com causas e evolução bem distintas.
Antes de mais, é importante definir o conceito. O termo demência deriva da palavra de origem latina demens, formada pelo prefixo de (sem) e pelo radical mens (mente). Na sua expressão mais característica, e também mais frequente, os doentes com demência, além das alterações de memória, apresentam também uma deterioração de múltiplas funções cognitivas – desorientação pessoal, espacial e temporal, afasia, apraxia, acalculia, dificuldades no desenho, dificuldades no planeamento e execução de tarefas complexas – que refletem uma desorganização funcional extensa.
A idade é o principal fator de risco para a demência. Mas apesar de a maioria das pessoas com demência ser idosa, é importante salientar que nem todos os idosos desenvolvem demência e que esta não faz parte do processo de envelhecimento natural. Pode surgir em qualquer pessoa, embora seja mais frequente a partir dos 65 anos e, em algumas situações, em indivíduos com idades compreendidas entre os 40 e os 60 anos.
Existem registos egípcios, gregos e romanos que demonstram que já na antiguidade se constatava que o envelhecimento poderia vir acompanhado de problemas de memória. No entanto, o termo adquiriu conotação médica apenas no início do século XVIII e o uso referia-se, de forma geral, a um estado de deficit intelectual, independente da causa.
O fundador da psiquiatria moderna, Philippe Pinel, foi o primeiro a fornecer uma descrição detalhada da demência, já no final do século XVIII. Com Pinel, e o seu discípulo Jean-Étienne Esquirol, a demência senil começou a ser diferenciada das outras, tendo sido estabelecida como uma forma definida de doença mental.
Alois Alzheimer descreveu uma forma pré-senil de demência e demonstrou que, por atingir também indivíduos de meia idade, não era apenas parte natural do processo de envelhecimento e degeneração, mas antes uma doença específica.
Contudo, o primeiro a nomear e utilizar o termo doença de Alzheimer não foi Alzheimer mas Emil Kraepelin, em 1910, na oitava edição do seu livro Handbook of Psychiatry.
A doença passou, então, por um período de esquecimento que durou aproximadamente até à década de 60, em que era pouco falada no meio científico. O interesse na velhice como objeto de estudo ainda era pequeno, produto de um preconceito generalizado em relação a essa faixa etária e, além disso, não existiam muitos recursos conhecidos disponíveis para o tratamento dos pacientes.
A partir do final da década de 70 as novas descobertas científicas sobre a demência, somadas ao envelhecimento populacional e ao consequente aumento da sua prevalência, causaram um despertar de interesse sobre o tema por parte da sua população e dos media, de tal forma que têm vindo a ser criados e difundidos na sociedade novos significados sobre a demência.
O panorama do envelhecimento populacional a nível mundial revela números preocupantes no que diz respeito à prevalência de demência. Estudos realizados na última década apontavam para cerca de 35,6 milhões de pessoas em todo mundo com demência em 2010 e cerca de 115,4 milhões para 2050; mas estudos levados a cabo mais recentemente (Alzheimer’s Disease International, 2010) estimam em 135 milhões o número de doentes em 2050.
Apesar da inexistência de estudos epidemiológicos a nível nacional, a estimativa atual ronda as 153 mil pessoas com demência e 90 mil com doença de Alzheimer em Portugal (Alzheimer Portugal, 2015). Um estudo realizado no norte do país concluiu que a prevalência da demência na população seria de 2,7 por cento, sendo que 38,7 por cento dos casos apresentavam DA (que representa 80 por cento dos casos de demência).
Como já mencionado, são fatores de risco para a demência, a idade avançada (normalmente acima dos 65 anos), um historial familiar de demências, embora muitas pessoas com relatos familiares positivos para demência não desenvolvam a doença, enquanto outras, sem historial, a possam desenvolver, e pessoas com síndrome de Down, que a podem desenvolver mais cedo que as demais.
Entre as diversas situações que podem causar demência estão as doenças que causam degeneração das células nervosas do cérebro, doenças que afetam os vasos sanguíneos, o uso de substâncias tóxicas como o álcool ou drogas, deficiências nutricionais, infeções, certos tipos de hidrocefalia, traumas cerebrais, agudos ou crónicos, etc. São ainda fatores favorecedores das demências, entre outros, a aterosclerose, a hipertensão arterial, o colesterol elevado, a depressão, a diabetes mellitus e o tabagismo.
As pessoas com demência diferem nos padrões de problemas que apresentam e na velocidade com que as suas capacidades se deterioram. As suas capacidades podem sofrer alterações de um dia para o outro ou mesmo ao longo do dia. Uma coisa é certa, vão sofrer uma deterioração, que em alguns casos é rápida, ocorrendo em poucos meses, e noutros é mais lenta, acontecendo ao longo de vários anos.
As características da demência são, geralmente, classificadas em três estágios ou fases, porém, algumas pessoas não apresentam todas as características ou passam por todas as fases.
A primeira fase, ou demência inicial, só é evidente através de uma análise retrospetiva. Na altura pode ter sido impercetível, ou achar-se que era devida à velhice, ou ao excesso de trabalho. A Demência inicia-se, geralmente, de forma muito gradual e é frequentemente impossível identificar o momento exato em que começou.
A pessoa pode aparentar maior apatia, ter menor vivacidade; perder o interesse por passatempos e atividades; apresentar relutância em fazer coisas novas; ser incapaz de adaptar-se à mudança; demorar mais tempo na compreensão de ideias complexas e na realização de trabalhos de rotina; tomar más decisões; tornar-se mais egocêntrica e menos preocupada com os outros e com os sentimentos destes; tornar-se mais esquecida dos detalhes de acontecimentos recentes; ter dificuldade em lidar com dinheiro, entre outros.
Na demência moderada os problemas são mais evidentes e incapacitantes.
O doente esquece-se facilmente de acontecimentos recentes. E embora a memória do passado distante seja geralmente melhor, alguns detalhes podem ser esquecidos ou confundidos; fica confuso em relação ao tempo e ao espaço; perde-se, se estiver afastado de ambientes familiares; pode deambular pelas ruas, possivelmente durante a noite e, às vezes, perder-se; esquece-se de nomes da família ou amigos, ou pode confundir um familiar com outro; pode comportar-se inadequadamente, por exemplo, ir de pijama para a rua; ver ou ouvir coisas que não existem; esquecer-se de panelas e cafeteiras no fogão ou deixar o gás ligado; negligenciar a higiene ou a alimentação; tornar-se muito repetitivo, entre outros.
Na terceira e última fase – a demência avançada –, a pessoa fica gravemente incapacitada necessitando de cuidado total. Pode ser incapaz de se lembrar de situações ocorridas poucos minutos antes, por exemplo, esquecer-se que acabou de comer; perder a capacidade de compreensão ou de utilizar a linguagem; ficar incontinente; não reconhecer amigos e família; precisar de ajuda para se alimentar, lavar-se, tomar banho, arranjar-se e vestir-se; ser incapaz de reconhecer objetos que fazem parte do seu quotidiano; ficar perturbada durante a noite; ficar inquieta procurando, por exemplo, um parente falecido há muito tempo; ficar agressiva, especialmente quando se sente ameaçada; ter dificuldade em andar e ficar dependente de uma cadeira de rodas para se deslocar; ter movimentos incontrolados.
A imobilidade tornar-se-á permanente e nas semanas ou meses finais, muito provavelmente o doente ficará acamado. É, no entanto, importante relembrar que embora à medida que a doença progride muitas capacidades se vão perdendo, algumas conseguem manter-se, e o doente ainda preserva a sensação do toque e a audição, bem como a capacidade de responder à emoção.
Como se pode constatar, os sinais iniciais de demência são muito subtis e vagos, podendo não ser imediatamente óbvios. Neste caso, e como em todas as doenças, um diagnóstico precoce é de extrema importância pois, para além de ser possível tratar e curar uma demência reversível, possibilita o acesso atempado a apoio, informação e medicação (caso esta esteja disponível), para as formas irreversíveis de demência.
As síndromes demenciais podem classificar-se em demências potencialmente reversíveis (não-degenerativas) e irreversíveis (degenerativas).
As demências reversíveis são incomuns na prática clínica, apresentando uma frequência de 0 a 23 por cento. São consideradas importantes do ponto de vista diagnóstico, uma vez que o tratamento pode suprimir a deterioração intelectual.
Dentre as causas potencialmente reversíveis incluem-se a demência induzida por medicamentos (por exemplo analgésicos, sedativos, ansiolíticos, antipsicóticos, anticolinérgicos e esteroides); disfunções metabólicas, endócrinas (demência relacionada ao hipo/hipertiroidismo) e hidroeletrolíticas; infeções e inflamações, como meningite, Doença de Lyme, sarcoidose; deficiências nutricionais (deficiência de B12); distúrbios psiquiátricos, como por exemplo, declínio cognitivo relacionado à depressão (pseudodemência); demências relacionadas a neoplasias do Sistema Nervoso Central; e condições neurológicas como a hidrocefalia de pressão normal (HPN), que se caracteriza pela tríade clássica (também chamada tríade de Hakim) demência, ataxia e incontinência urinária.
Para além destas, também a epilepsia, drogas e toxinas, abuso de álcool e a apneia do sono são causas de demência potencialmente reversível.
Quanto às demências irreversíveis, estas caracterizam-se por serem mais frequentes e apresentarem um curso progressivo.
A forma mais frequente é a Doença de Alzheimer (DA), constituindo cerca de 50 a 70 por cento de todos os casos. É uma doença progressiva, degenerativa e que afeta o cérebro. À medida que as células cerebrais vão sofrendo uma redução de tamanho e número, formam-se tranças neurofibrilhares no seu interior e placas senis no espaço exterior existente entre elas.
Esta situação impossibilita a comunicação no interior do cérebro e danifica as conexões existentes entre as células cerebrais. Estas acabam por morrer, o que se traduz na incapacidade de recordar ou assimilar a informação.
Demência Vascular é o termo utilizado para descrever o tipo de demência associado aos problemas da circulação do sangue para o cérebro e constitui o segundo tipo mais comum de Demência. Existem vários tipos de Demência Vascular, mas as duas formas mais comuns são a Demência por multienfartes cerebrais e Doença de Binswanger. A primeira é causada por vários pequenos enfartes cerebrais, também conhecidos por acidentes isquémicos transitórios e é provavelmente a forma mais comum de Demência Vascular. A segunda, também denominada por demência vascular subcortical, está associada às alterações cerebrais relacionadas com os enfartes e é causada por hipertensão arterial, estreitamento das artérias e por uma circulação sanguínea deficitária.
A Demência de Corpos de Lewy é uma demência causada pela degeneração e morte das células cerebrais. O nome deriva da presença de estruturas esféricas anormais, denominadas por corpos de Lewy, que se desenvolvem dentro das células cerebrais e que se pensa poderem contribuir para a sua morte. As pessoas com Demência de Corpos de Lewy podem ter alucinações visuais, rigidez ou tremores (parkinsonismo) e a sua condição tende a oscilar rapidamente, de hora a hora ou de dia para dia. Este tipo de demência pode ocorrer, por vezes, simultaneamente com a Doença de Alzheimer e/ou com a Demência Vascular.
Demência frontotemporal (DFT) é o nome dado a um grupo demências em que existe a degeneração de um ou de ambos os lobos cerebrais frontal ou temporais. Neste grupo estão incluídas a Demência fronto-temporal, Afasia Progressiva não-fluente, Demência semântica e Doença de Pick. Cerca de 50 por cento das pessoas com DFT tem história familiar da doença. As pessoas que herdam este tipo de demência apresentam frequentemente uma mutação no gene da proteína tau, no cromossoma 17, o que leva à produção de uma proteína tau anormal. Não se conhecem outros fatores de risco.
Infelizmente a maioria das causas de demência não pode ser prevenida, mas podem tomar-se algumas medidas para reduzir o risco, ou atrasar a evolução de algumas demências. Essas medidas incluem estudar e compor música, escrever poesias, estudar uma língua estrangeira, praticar desporto, pintura, teatro, dança, bordados, artesanato, entre outras atividades que envolvam a mente. Estas fazem toda a diferença ao longo da vida e ajudam a prevenir o desenvolvimento de deficits de atenção, memória e de demências. Além, é claro, de um equilíbrio na alimentação, sono e atividade física.
Com o envelhecimento da população a demência passou a ser um problema sério de saúde pública.
Em Portugal estão atualmente disponíveis vários fármacos para as pessoas com demência, divididos em duas categorias: a terapêutica colinérgica (os medicamentos inibidores da colinesterase como o donepezil, rivastigmina ou a galantamina), e a Memantina.
A memantina é a primeira de uma nova classe de fármacos e atua de forma muito diferente dos inibidores de acetilcolinesterase, atualmente aprovados para o tratamento das demências. Esta atua num neurotransmissor denominado glutamato que está presente em concentrações elevadas nas pessoas com DA. A memantina bloqueia o glutamato e evita a entrada excessiva de cálcio nas células nervosas, o que iria causar danos nestas.
A demência causa, frequentemente, vários sintomas comportamentais e psicológicos que podem provocar muita angústia, como por exemplo: depressão; ansiedade; insónia; alucinações; manias de perseguição; identificação incorreta de parentes ou lugares; agitação; e comportamento agressivo pelo que, muitas vezes, é necessário recorrer a outro tipo de medicamentos para aliviar estes sintomas.
São eles os antipsicóticos, também conhecidos como neurolépticos ou tranquilizantes maiores. Hoje em dia a opção recai na risperidona, na olanzapina e em antidepressivos como a sertralina, citalopram ou venlafaxina.
Mas, para além da terapêutica farmacológica – o tratamento médico convencional –, hoje em dia recorre-se a outras terapias complementares validadas cientificamente, denominadas por tratamento integrativo.
A associação de uma dieta funcional e exercícios físicos – que melhoram a plasticidade do cérebro, reduzindo as perdas cognitivas – também demonstrou ser protetivo para o desenvolvimento da demência assim como para diminuição do curso progressivo da patologia.
Constatou-se que os doentes com demência tendem a ter uma alimentação mais pobre em macronutrientes, cálcio, ferro, zinco, vitamina K, vitamina A e ácidos gordos, o que pode acentuar o curso degenerativo da doença. Aspeto que justifica a administração de suplementos alimentares (multivitaminas, vitamina E, ácido alfa lipoico, ómega-3 e coenzima Q-10) para essa população.
Uma vida com compromissos e ativa revelou melhorar as perdas cognitivas em demências mais moderadas. O tabagismo também pode vulnerabilizar as pessoas para a demência, assim, torna-se evidente que uma mudança do estilo de vida é um fator fundamental para minimizar o curso das perdas evidenciadas na demência.
A busca de um tratamento que amenize o sofrimento do paciente, cuidar dele e da sua família, torna-se por vezes um árduo caminho. Isto não desencoraja a equipa multidisciplinar (médico, psicólogo, terapeuta ocupacional, musicoterapeuta, fisioterapeuta, entre outros) que deve acompanhar a pessoa e ensiná-la a conviver dignamente com a doença.
O objetivo final deste tipo de tratamento é propiciar uma melhoria na manutenção do desempenho cognitivo e da autonomia do doente de forma a melhorar a sua qualidade de vida e a do seu cuidador.
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Tupam Editores
Última revisão:
28 de Novembro de 2024
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