A MORTE

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  Tupam Editores

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A morte é o termo da vida devido à impossibilidade orgânica de manter o equilíbrio e conservação dos elementos fisiológicos e do metabolismo do corpo, processo designado por homeostase.

Trata-se do final de um organismo vivo que se havia desenvolvido a partir do seu nascimento.

Ao longo do tempo, o conceito de morte foi sofrendo alterações profundas. Se, enquanto evento, outrora se considerava que a morte ocorria imediatamente após a paragem do coração do ser vivo e este deixava de respirar, com o avanço da ciência, a morte passou a ser vista como um processo que, a partir de um dado momento, se torna irreversível.

Tulipas

Como escrever sobre a morte se esta não é objeto de conhecimento, se o sujeito que a vive não a pode pensar? Apenas se conhece a nossa morte através da morte do outro. Não se tem o conhecimento da morte que se tem da vida, esta vivemo-la na primeira pessoa todos os dias, aquela apenas a “conhecemos” na terceira pessoa, com a morte de alguém.

A verdade é que o homem começa a morrer logo que nasce: inúmeras células começam a perecer deixando espaço para novas. Todos os seres morrem para abrir caminho aos novos, dando continuidade à história, que é constituída de ciclos: vida e morte. A morte é apenas um dos estágios da vida, completando-a.

Sentida diariamente no quotidiano através dos sinais que a representam – um carro funerário, os cemitérios, a sirene de uma ambulância, os noticiários e os seus relatos de tragédias mortais –, a morte é uma realidade insondável e inquietante para o homem, o que lhe provoca pânico. Aparentemente a morte é uma viagem num só sentido. Como ninguém regressa para contar como é, permanece na ignorância, dando origem a imensas e nebulosas fantasias e esperança escatológica.

A palavra morrer, cuja origem deriva do termo latino morrere, significa cessar de viver, falecer, morrer, expirar, perecer. Do ponto de vista médico, a morte é o abandono do mundo vivo, correspondendo à paragem do conjunto de processos bioenergéticos e das funções que os apoiam; é o encerramento de todas as funções vitais, não importando a sua causa. De forma inevitável a partir desse momento, o indivíduo deixa de realizar as funções de respiração, circulação, entre outras, que são condições base para a manutenção da vida.

Certo, porém, é que independentemente da definição o termo morte está associado a corte, fim, término, interrupção, cessação da vida. E esta ideia é muito clara para todos os seres humanos – os únicos a terem consciência de sua própria morte. É normal ouvir-se dizer que a morte é a única certeza que temos e que para morrer basta estar vivo.

Mas, apesar de toda esta consciencialização acerca da sua inevitabilidade, a morte não se torna menos angustiante para o indivíduo. O ser humano tem medo do desconhecido e a morte, apesar de todas as definições usuais é, acima de tudo, uma “experiência” pessoal obrigatória.

Definir o conceito de morte não é fácil, pois este é muito diversificado. Uma análise cuidada por parte de vários estudiosos a diversas sociedades, culturas e tribos no oriente e no ocidente permitiu constatar a existência de diferentes conceções de vida e de morte, diferentes rituais fúnebres, e diferentes atitudes em relação à morte.

O medo da morte

Desde os primórdios da Civilização, a morte é considerada um aspeto que fascina e, ao mesmo tempo, aterroriza a Humanidade. A morte e os supostos eventos que lhe sucedem são, historicamente, uma inesgotável fonte de temores, angústias e ansiedade para os seres humanos.

A morte traz consigo muitos atributos e associações, como dor, rutura, interrupção, desconhecimento, tristeza, impotência, sofrimento, negação, solidão, saudade, ansiedade, medo… Designa o fim absoluto de qualquer ser vivo. Numa posição antagónica, a morte coexiste com a vida, o que não a impede de ser angustiante, e de incutir medo.

Anjo

O medo define-se como uma resposta emocional, comportamental e fisiológica perante uma ameaça externa que é reconhecida de forma consciente. Perante a morte, o medo é o estado psicológico inerente mais experimentado.

A ansiedade é outra das experiências emocionais desagradáveis, com causas pouco evidentes, e que é normalmente acompanhada por alterações fisiológicas e comportamentais muito semelhantes às causadas pelo medo. A morte revela-se a maior ansiedade do ser humano.

O morrer é universal e atinge todos, estando a idealização da morte acompanhada do medo de morrer pela interrupção, pela solidão inerente, pela separação dos entes queridos, pelo desconhecido, medo pelo “julgamento” dos atos em vida e pelo que poderá acontecer aos que ficam.

O sofrimento prolongado, fraqueza, dependência e perda de controlo, assim como as seculares ameaças do inferno e a visão assustadora de um Deus punitivo, propagadas pela religião e pela cultura ocidental, são também causa de medos. Todos os motivos para ter medo têm influência nas atitudes perante a morte.

É necessário distinguir medo de morrer de medo da morte. A maioria das pessoas tem, em alguma medida, medo de morrer mas, para além de saudável, este sentimento é uma ferramenta de sobrevivência e de preservação da vida: é ele, por exemplo, que impede atitudes arriscadas, como atravessar a rua sem olhar, conduzir a velocidades alucinantes, ou não usar equipamentos de segurança nos desportos radicais.

Este medo natural é, então, um mecanismo de proteção. Quando se torna exagerado, passa a ser um medo patológico, fóbico, designado por Necrofobia, que carece de tratamento especializado. O medo de morrer é portanto necessário, bom e útil, dentro de um limite razoável.

Já o medo da morte é inadequado. É um medo quase sempre aprendido no interior da cultura em que se vive. Considerando os valores e a forma de vivenciar a vida e a morte, constata-se que os indivíduos reagem de diferentes formas perante a morte e o medo de morrer, uma vez que a cultura é um elemento de extrema importância em que se destaca a perceção do indivíduo acerca do ambiente que o rodeia.

Aspetos históricos, culturais e religiosos da Morte

A morte representa o final de um ciclo, estando a sua simbologia habitualmente associada a elementos negativos, como a escuridão e a noite. É destruidora da existência (desmaterialização), e carrega o mistério de nos transportar para mundos desconhecidos, para o inferno (sombrio), para o céu (paraíso), ou outros locais designados pelas diferentes crenças e mitologias.

Em várias culturas a morte é também representada por figuras mitológicas. Na iconografia ocidental ela é geralmente representada como o Ceifeiro ou Ceifador, uma figura esquelética vestida com um manto negro e capuz segurando a sua foice (objeto de entrada para o outro mundo, o dos espíritos e dos mortos), utilizada para ceifar as almas das pessoas, e que simboliza o fim da vida na terra.

A morte tem, sem dúvida, um papel de grande relevância em todas as sociedades e culturas. Para os indivíduos conseguirem construir intelectual e afetivamente as suas identidades, têm necessidade de um mito do fim, assim como de um mito da sua origem. O homem é o único ser consciente da sua mortalidade, e é por esta consciência que se distingue dos outros seres vivos e a sua vida adquire o que tem de mais fundamental. A existência da cultura, ou seja, de um património coletivo de saberes, normas, regras, só tem sentido porque as antigas gerações morrem e porque é necessário transmiti-la continuamente às novas gerações. Morrer e renascer faz parte do processo de transformação.

A maneira como uma sociedade se posiciona perante a morte e o morto tem um papel decisivo na constituição e manutenção da sua própria identidade coletiva e, consequentemente, na formação de uma tradição cultural comum.

Este facto pode ser constatado, por exemplo, na sociedade Mesopotâmica que sepultava os seus mortos com tanto zelo que junto ao corpo eram colocados vários pertences que marcavam a identidade pessoal e familiar do falecido (roupas, objetos de uso pessoal e até mesmo a comida favorita), uma garantia de que nada lhe faltaria na travessia do mundo da vida para o mundo da morte, implantado no subterrâneo terrestre. Percebe-se que a representação de morte que os mesopotâmios conservavam era a de passagem.

Os gregos por outro lado, tinham como característica cultural nos seus ritos funerários a prática de cremação dos corpos, com o intuito de os marcar com uma nova condição existencial, a condição social de mortos. Havia, no entanto, dois tipos: os mortos comuns anónimos, que eram cremados e enterrados coletivamente em valas, pois eram simples mortais; e os heróis falecidos, que eram levados à pira crematória, reservada para os grandes heróis, na cerimónia da bela morte, uma vez que nas representações dos gregos esse tipo de morte imortalizava o morto.

Os hindus, tal como os gregos, também incineravam os seus mortos embora o sentido fosse completamente diferente. Estes cremavam o corpo, que assim era despojado da sua identidade e personalidade mas, uma vez consumido pelo fogo, as suas cinzas eram lançadas ao vento ou aos rios. A morte consistia numa passagem para outro lado da existência; era o fundir-se com o absoluto, o acesso ao Eterno, ao Nirvana, ou seja, à paz originária.

Já para a civilização cristã e para boa parte dos judeus (os que crêem na ressurreição) a morte era vista como passagem para outra dimensão, a transposição ao eterno sofrimento e expiação (inferno), ou o acesso ao eterno gozo, reservado aos bem-aventurados (o paraíso).

Para os cristãos a morte era um estágio intermediário, um sono profundo do qual acordariam no dia da ressurreição, quando as almas voltassem a habitar os corpos. É por essa razão que os cristãos desde há muito enterram os corpos dos defuntos com grande escrúpulo.

A sociedade ocidental mergulha as suas raízes na civilização grega, no judaísmo e no cristianismo, culturas e religiões que muito a influenciaram. Na Idade Média é possível identificar mudanças significativas em relação ao culto da morte e ao morrer, em dois momentos distintos: na primeira Idade Média ou alta Idade Média (do século V até ao XII) e na segunda Idade Média ou baixa Idade Média (do século XII até ao XV).

Na primeira Idade Média a morte era “domesticada”, “familiar”, ou seja, havia uma certa intimidade entre o morrer e o quotidiano da sociedade, a tal ponto que este ato era encarado como algo natural.

Na segunda Idade Média ocorreram mudanças significativas nas representações da morte no Ocidente. A partir do século XII, ao invés da certeza passa a reinar a incerteza, uma vez que na altura competia à Igreja intermediar o acesso da alma ao paraíso e o julgamento final deixava de ser visto como evento que ocorreria nos Tempos Finais e passa a ser visto como um evento que aconteceria imediatamente após a morte e resultaria na descida ao inferno (ao sofrimento eterno) ou na ascensão aos céus (a alegria eterna), e isso dependeria da conduta do moribundo em vida.

Na baixa idade Média já não é permitido perder o controle e chorar os mortos. O corpo do morto, antes tão familiar, passa a tornar-se insuportável e assim, durante séculos passa a estar ocultado numa caixa sob um monumento, onde não é visível.

Cemiterio

Na Idade Moderna, a partir do século XVIII, a atitude do homem perante a morte altera-se mais uma vez, passando a ser romantizada. O homem desta época passa a ter complacência com a ideia da morte e o ato de morrer passa a ser também um momento de rutura, durante o qual o homem era arrancado da sua vida quotidiana e lançado num mundo irracional, violento e cruel. A partir do século XIX ocorre um exagerado fenómeno de ressignificação do luto, em que os sobreviventes aceitam a morte do próximo mais dificilmente do que antes. A morte temida não é a sua, mas a do próximo, a do outro.

Entretanto, a partir da segunda metade do século XX, ocorre uma mudança brusca, e a morte deixa de ser familiar, passando a ser um objeto interdito. Um fator material importante que impulsionou esta transformação foi a transferência do local da morte. Já não se morre no domicílio, no seio dos familiares, mas sozinho no hospital.

O velório também deixa de ser realizado na casa da família, onde antes o corpo ficava exposto e era visitado pelos parentes, pois a presença do morto em casa é cada vez menos tolerada, quer por questões de higiene ou por falta de condições psicológicas para vivenciar a situação.

É perfeitamente percetível que, na cultura ocidental, a partir da segunda metade do século XX, a morte passa a ser interdita, embaraçosa, um “tabu”, algo a que o homem pós-moderno tenta fugir, a fim de não lidar com ela, passando progressivamente a ocupar o lugar do antigo tabu sexual.

A busca pela imortalidade

Uma das maiores ambições do homem é a imortalidade, já que a morte não é encarada como parte da vida mas sim como algo lhe é antagónico. O ser humano não se satisfaz com a simples existência. Perante a consciência do fim da vida, a ideia de morte desperta a necessidade de não deixar morrer as memórias da sua existência, de se rever nas gerações futuras.

Não suporta a sua finitude e luta, de forma obsessiva, e constantemente, para ludibriar a morte. O que antes fora papel das religiões, na era moderna tornou-se função da própria ciência, que se transformou num instrumento investido contra a morte. Tenta-se colocar o poder do conhecimento e da ciência no lugar de Deus para nos libertar da mortalidade.

O avanço da medicina faz com que a morte, não podendo ser suprimida, seja protelada, criando-se uma falsa ideia da omnipotência e vitória. A duração da morte passa a ser um acordo entre médicos e familiares, deixando de ser um processo natural. Independentemente de a incidência de algumas doenças ser maior, o aumento da esperança de vida relegou a morte para segundo plano. Já não se pensa a morte, já não se prepara a morte, porque a morte, graças aos avanços clínicos e tecnológicos, é algo cada vez mais distante.

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São admiráveis todos os esforços que fazemos para adiar a morte, ignorá-la e viver afastando de nós tudo o que nos possa lembrar a sua proximidade. Afinal, não queremos recordar o que na realidade somos: seres profundamente débeis, vulneráveis e, definitivamente… mortais!

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