DIETA MEDITERRÂNICA

DIETA MEDITERRÂNICA

DIETA E NUTRIÇÃO

  Tupam Editores

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Tudo começou em meados do século passado quando, com grande surpresa, os norte-americanos chegaram à conclusão de que os pobres e malnutridos povos do Sul da Europa eram, afinal, mais saudáveis e imunes a doenças do que os cidadãos das chamadas "sociedades de bem-estar".

Uma simples dieta à base de alimentos sazonais ricos em fibras, como pão, frutas e legumes, quantidades reduzidas de carnes vermelhas, e o azeite como principal gordura era o segredo! Houve logo quem a identificasse como a dieta dos pobres. Não exclusivamente da bacia mediterrânica, mas aí centrada, e que por uma questão de metodologia de estudo e simplificação linguística acabou por ficar mundialmente conhecida e famosa como Dieta Mediterrânica (DM).

A responsabilidade pode atribuir-se a um médico e investigador americano, Ancel Keys, que com a sua equipa percorreu os países do Mediterrâneo e estudou e caracterizou o seu estilo de alimentação, tendo concluído que era responsável por uma menor prevalência de doenças e maior longevidade das suas populações, quando comparada com os hábitos alimentares dos EUA e da generalidade dos países então mais desenvolvidos.

Importa referir que o conceito de DM não se circunscreve apenas às costas do mare nostrum, mas antes designa um estilo de alimentação baseado no consumo de azeite, pão, produtos de temporada, como frutas e legumes frescos, peixe e carnes em quantidades moderadas, e pastas à base de sémola. E nem sempre todos estes produtos necessitam de estar presentes, e as quantidades e associações variam também de região para região e de acordo com a época do ano.

Ao conceito junta-se ainda um profundo respeito pelo tempo: de colheita, de cozedura ou trabalho culinário; e ainda para as refeições, ou seja, um ritmo de trabalho e consumo que caracterizam também um específico modo de vida e de relacionamento social, que são parte integrante e indissociável de todo o processo.

Do latim mar medi terraneum, "o mar no meio das terras", a DM levada à letra é um modo de viver, próprio das pessoas que vivem perto do mar, no meio das terras.

Para compreender a DM, é pois necessário refletir sobre o facto de durante séculos, Fenícios, Gregos, Romanos, Árabes e todos os outros povos desta região, terem usufruído de um mar interior navegável, capaz de permitir a partilha de saberes, utensílios, genes, plantas e animais, que influenciaram decisivamente o nosso modo de pensar e maneira de viver.

Evolução histórica dos hábitos alimentares no mediterrâneo

O modelo alimentar mediterrânico é assim produto da sua geografia e da sua história. Se por um lado as características geográficas da Bacia do Mediterrâneo condicionaram ao longo do tempo a utilização dos solos, as culturas e consequentemente a alimentação, por outro, a identidade mediterrânica é o resultado do contributo de gentes diversas, que deram origem a uma enorme rede de relações humanas, tendo como denominador comum o mesmo Mar Mediterrâneo. À sua volta trocaram-se mercadorias, produtos, técnicas e ideias, das quais o padrão alimentar comum é apenas uma das facetas.

No que diz respeito à evolução histórica, podem identificar-se quatro períodos principais que influenciaram fortemente os hábitos alimentares do mediterrâneo: o período a.C., o Império Romano, o domínio Árabe e o período dos Descobrimentos.

No período a.C., grandes civilizações e intensas trocas comerciais misturaram muitas pessoas, permitindo a propagação dos produtos alimentares do mediterrâneo: Fenícios, Gregos e Egípcios tiveram um importante papel contribuindo para a adoção de um modelo alimentar, pela criação de redes mercantis para a troca de produtos, tendo por base o Mar Mediterrâneo. Estes povos difundiram ainda o cultivo da oliveira, figueira, videira e amendoeira e trouxeram para o Ocidente pimenta e especiarias da Ásia, por via terrestre. As diversas e sucessivas colonizações introduziram também nos países do Mediterrâneo o trigo, cevada e aveia assim como o gado ovino, caprino e bovino.

O Império Romano, em linha com a sua ideologia universalista, tentou uniformizar os usos e costumes locais do vasto território conquistado, incluindo a dieta alimentar. Os produtos principais da alimentação Mediterrânica foram antes de mais os da alimentação romana. Os cereais, vinho, o azeite, os legumes secos ou verdes, frutos frescos e secos, mel, entre outros.

Estes eram complementados por leite, queijo, carnes de animais domesticados, caça e peixe em grande quantidade. Durante este período apareceram as ânforas, que serviam para o transporte de vinho, azeite, peixes em salmoura ou garum ou mesmo cereais.

Estas formas de acondicionamento e conserva dos alimentos, aliadas à construção de estradas e estabelecimento de rotas marítimas, proporcionaram uma maior homogeneidade na alimentação em todo o império. Foi também introduzida uma maior variedade de cereais, novas alfaias agrícolas e melhorias na captação e condução de águas, o que permitiu o aproveitamento intensivo dos bons solos das planície e vales.

Também as Cruzadas influenciaram a alimentação na medida em que proporcionaram o contacto com a cultura árabe. Os cruzados regressados do Médio Oriente introduziram e divulgaram alimentos que lá conheceram e se habituaram a consumir, como o arroz, cana-de açúcar e algumas especiarias e ervas, como a pimenta, noz-moscada, cravo-da-índia, canela, gengibre, coentros, mostarda, e o açafrão.

Com a expansão marítima impulsionada por Portugueses e Espanhóis, a partir do século XVI, alguns produtos, introduzidos por estes dois países, tornaram-se centrais na área do Mediterrâneo, nomeadamente o milho, a batata, o tomate, o pimento, a abóbora e o chocolate. No entanto, alguns destes só foram adotados para alimentação humana em épocas de fome, como o milho e a batata, anteriormente utilizados como ração para os animais.

As especiarias procedentes da Ásia, já conhecidas mas raras na Europa, tornaram-se muito mais comuns na alimentação, pelo estabelecimento de rotas comerciais marítimas.

Já no século XVIII, a corte francesa estabeleceu as bases da cozinha moderna, que pode ter influenciado os hábitos alimentares da aristocracia europeia, o que no entanto não ofuscou a cozinha popular e regional, portuguesa, espanhola, italiana, grega ou árabe, todas de raiz comum e adaptadas aos terrenos e produções próprias e sábias no seu aproveitamento.

Um novo período de grandes e importantes transformações iniciou-se com a Revolução Industrial, em meados do século XIX, com repercussões em todo o mundo, embora com maiores efeitos nos países mais ricos.

A mecanização da produção agrícola alterou profundamente os mercados nacionais e internacionais. Novas técnicas de processamento, conservação e armazenamento dos alimentos, foram e continuam a ser constantemente desenvolvidas, o mesmo acontecendo com os meios de transporte, em termos de alcance, rapidez e capacidade.

Os centros urbanos começaram a concentrar cada vez mais população, enquanto os meios rurais eram esvaziados devido à migração e emigração. Ao mesmo tempo aumentou significativamente o número de mulheres a trabalhar fora de casa e a estrutura familiar típica, sofreu transformação.

Todas estas mudanças proporcionaram uma cada vez maior uniformização dos hábitos alimentares. A abundância e a globalização alimentar é hoje uma realidade e é possível em praticamente todo o mundo o acesso aos mesmos alimentos.

O aumento do poder de compra originou a expansão das cadeias de fast food e o consequente incremento de consumo deste tipo de alimentos, ricos em gorduras e em carne, tão distantes dos hábitos alimentares característicos das regiões do Mediterrâneo.

A origem do conceito e os pilares da dieta mediterrânica

O conceito de dieta mediterrânica foi elaborado pelo Dr. Ancel Keys que em 1986, publicou o resultado da sua investigação no Seven Countries Study (considerado por muitos como o mais importante trabalho epidemiológico realizado até hoje), onde demonstrou que havia uma estreita relação entre o consumo de gorduras e a mortalidade por doença coronária que era mais frequente quanto mais elevado fosse o consumo de gorduras. A exceção verificou-se apenas nos povos da bacia do Mediterrâneo, que apesar de consumirem elevados teores de gordura, sofriam relativamente pouco de enfartes do miocárdio. Esta exceção, segundo Keys, devia-se ao tipo de gordura consumida na região, que era sobretudo gordura insaturada (azeite).

O conceito de Keys foi aprofundado e alargado, tendo-se percebido que além da composição do cabaz de alimentos, é igualmente importante a frequência da sua ingestão. Foi assim que nasceu o conceito de Pirâmide dos alimentos que relaciona estes dois aspetos.

Mais tarde, na base da pirâmide foi colocado o exercício e a necessidade da sua prática diária. Um padrão alimentar – uma dieta – tinha evoluído para um estilo de vida que o integrava, mas que era muito mais do que isso – era a "diaita" ou estilo de vida.

A DM traduz um estilo de vida, e não apenas um padrão alimentar, que combina ingredientes da agricultura local, receitas e formas de cozinhar próprias de cada lugar, refeições partilhadas, celebrações e tradições, que, juntamente com a prática de exercício físico diário, favorecida pelo clima ameno, completam um estilo de vida que a ciência moderna nos convida a adotar em benefício da nossa saúde.

São vários os resultados de estudos que sugerem que este padrão diário de alimentação está associado a uma maior longevidade em geral e à proteção face a doenças como o cancro, diabetes tipo 2, hipertensão arterial, doença cardiovascular, obesidade e doenças neurodegenerativas como a doença de Parkinson ou de Alzheimer.

A nova pirâmide da DM apresenta na sua base os alimentos que devem ser consumidos em maior quantidade na alimentação diária, e nas camadas superiores, os que devem ser consumidos com moderação, reservando-se para ocasiões festivas e excecionais. Além disso, contém indicações de carácter cultural e social, intimamente ligadas ao estilo de vida do Mediterrâneo, e reflete o número de porções aconselhado para a população adulta saudável, devendo ser adaptado às necessidades específicas de crianças, mulheres grávidas e outras condições de saúde.

A DM assenta em vários conceitos fundamentais:

Atividade física: a prática regular de actividade física moderada (pelo menos 30 minutos por dia) fornece grandes benefícios à saúde, como a regulação do gasto energético e a manutenção do peso corporal saudável;

Descanso adequado: descansar corretamente também faz parte de um estilo de vida saudável e equilibrado;

Convivência: além do aspeto nutricional, a comida tem conotação social e cultural. Cozinhar e conviver à mesa na companhia de familiares e amigos fomentam o bem-estar;

Utilização do azeite como principal gordura de adição: o azeite é rico em vitamina E, betacarotenos e é um tipo de gordura vegetal monoinsaturada que lhe confere propriedades protetoras das doenças cardiovasculares;

Consumo de alimentos vegetais em abundância: frutas, verduras, legumes e frutos secos. As verduras, hortaliças e frutas são a principal fonte de vitaminas, minerais e fibra da DM e ao mesmo tempo fornecem uma grande quantidade de água. Graças ao elevado conteúdo de antioxidantes e fibra podem contribuir, entre outras, para a prevenção de algumas doenças cardiovasculares e alguns tipos de cancro;

O pão e outros alimentos à base de cereais devem ser consumidos diariamente: o consumo diário de pão e outros alimentos à base de cereais, como massas, arroz e produtos integrais, é imprescindível devido à sua composição rica em hidratos de carbono.

Fornecem uma parte importante da energia necessária para as atividades diárias e, por outro lado, os produtos integrais proporcionam mais fibra, minerais e vitaminas.

Consumir diariamente quantidades baixas a moderadas de produtos lácteos: o consumo de leites fermentados, como o iogurte, está associado a uma série de benefícios para a saúde porque contêm microrganismos vivos capazes de melhorar o equilíbrio e a microflora intestinal. Por outro lado, os produtos lácteos são excelentes fontes de proteínas de alto valor biológico, minerais (como cálcio e fósforo) e vitaminas;

A carne vermelha deve ser consumida com moderação: as carnes contêm proteínas, ferro e gordura animal em quantidades variáveis. O consumo excessivo de gorduras animais não é benéfico para a saúde, pelo que devem ser consumidas em quantidades pequenas, e sempre que possível, magras e como ingredientes de pratos à base de verduras e cereais;

Consumir peixe em abundância: recomenda-se o consumo de peixe azul, no mínimo uma a duas vezes por semana, uma vez que a sua gordura, apesar de origem animal, tem propriedades muito parecidas às gorduras de origem vegetal que possuem propriedades protetoras contra doenças cardiovasculares;

Consumir ovos com moderação: são ricos em proteínas de muito boa qualidade, gorduras e muitas vitaminas e minerais, o que faz destes um alimento muito completo. O consumo de ovos três ou quatro vezes por semana é uma boa alternativa à carne e ao peixe.

A água é a bebida por excelência do mediterrâneo. Para além de fazer parte da composição de quase todos os alimentos, a água é fundamental na nossa dieta, sendo recomendável o consumo de pelo menos seis copos médios diários.

O vinho, bebida tradicional na DM, pode ter efeitos benéficos para a saúde, mas deverá ser consumido, com moderação, às refeições, e no contexto de uma dieta equilibrada.

Mas não é só na ingestão de vinho que deve haver moderação. Na DM, classificada pela UNESCO como Património Imaterial da Humanidade, as porções a ingerir também devem basear-se na moderação. Aliás, o estilo de vida sedentário que caracteriza as sociedades atuais impõe um aporte energético moderado e cuidado.

Dieta mediterrânica – Património Imaterial da Humanidade

Há 3 mil anos, percebeu-se como o pão, o vinho e o azeite eram fundamentais, ao permitirem superar os períodos de fome. Por isso mesmo, foram alimentos sacralizados pelo cristianismo, o judaísmo e o islamismo. Constituem a base da DM e com eles se faz uma refeição.

Mas a DM é muito mais do que estes simples alimentos. É um estilo de vida milenar, um modelo cultural resultante da sabedoria ancestral, transmitida de geração em geração, que abrange técnicas e práticas produtivas e extrativas, nomeadamente, de agricultura e pescas, formas de preparação, confeção e consumo dos alimentos, festividades e convivialidades, tradições orais e expressões artísticas.

Este padrão alimentar é visto como o mais saudável e sustentável no mundo, sendo fundamental no campo da saúde pública e nutrição de forma global, mas em especial nas zonas mediterrânicas. Esta herança cultural deve ser preservada e promovida em diferentes áreas: cultura e turismo, saúde pública, agricultura, política e desenvolvimento económico.

O reconhecimento da Dieta Mediterrânica em Portugal, Espanha, Marrocos, Itália, Grécia, Chipre e Croácia, pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade, desde 4 de Dezembro de 2013 só veio reforçar, juntamente com a evidência científica já existente, que se trata de um modelo cultural, histórico e de saúde.

A DM constitui uma ferramenta de educação alimentar não só para a comunidade científica mas também, e principalmente, para o público em geral.

Assim, se a saúde é a sua prioridade e quer manter um estilo de vida saudável comece já hoje a aplicar os ensinamentos da Dieta Mediterrânica: escolha produtos da época, coma mais frutas, legumes e prefira o peixe à carne, opte por cereais integrais ou semi-integrais, beba muita água, mexa-se mais e conviva com os amigos e família. Vai ver que vale a pena!

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