CHOCOLATE, O MANJAR DOS DEUSES

CHOCOLATE, O MANJAR DOS DEUSES

DIETA E NUTRIÇÃO

  Tupam Editores

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É unânime que toda a gente adora chocolate! Quem é que consegue resistir ao delicioso sabor daquele que é o doce mais consumido em todo o mundo? Chocolate negro, chocolate de leite, chocolate branco, chocolate com frutos secos, chocolate combinado com frutas, chocolate à colherada, bolo de chocolate, gelado de chocolate, bolachas de chocolate, chocolate com caramelo, amêndoas de chocolate, ovos de chocolate, chocolate em pó, chocolate quente… E podíamos continuar aqui a listar toda a imensa diversidade de chocolate, uma das iguarias gulosas mais apreciadas por miúdos, e graúdos.

A paixão pelo chocolate atravessou séculos, remontando as suas raízes há mais de três mil anos.

O povo Olmeca, que constituiu uma das primeiras civilizações mesoamericanas e que vivia nas regiões tropicais do centro-sul do atual México, foi o responsável pelo início do cultivo da planta – o cacaueiro – que mais tarde viria dar origem ao chocolate. Os relatos dão conta de que por volta de 1500 a.C. os membros desta civilização já consumiam regularmente chocolate.

Posteriormente, Maias e Astecas, povos da mesma região, desenvolvem o costume de beber chocolate – designação proveniente da palavra original dos astecas: Xocoalt.

De acordo com a história, o cacaueiro era chamado Cacahualt, que significava o "Sagrado", e os astecas acreditavam que esta planta era de origem divina. O seu cultivo era de tal importância que exigia ser acompanhado de solenes cerimónias religiosas, facto que, provavelmente, influenciou o botânico sueco Carlos Lineus a denominar a planta Theobroma cacao, chamando-a assim de "manjar dos deuses". De tão valorizadas que eram, as sementes de cacau tornaram-se moeda corrente na época, sendo usadas como meio de troca.

A chegada do cacau à Europa ocorreu aquando da quarta viagem de Cristóvão Colombo ao Novo Mundo, no decurso de 1502. No entanto, as sementes de cacau que foram oferecidas ao rei Fernando II passaram despercebidas no meio do fausto de tantas outras riquezas.

As primeiras sementes foram utilizadas pelos espanhóis para produzir uma bebida, passando a partir daí a monopolizar o comércio do cacau, devido ao segredo da sua preparação. No séc. XVII o segredo chegou de Itália, o que anulou o exclusivo espanhol.

À medida que o cacau foi ganhando importância económica com a expansão do consumo de chocolate, várias tentativas foram feitas para a implantação do seu cultivo em outras regiões com condições climáticas semelhantes ao seu habitat natural, tendo sido feitas as primeiras plantações em África por volta de 1822, na ilha de Príncipe, numa época em que a economia de S. Tomé e Príncipe assentava na monocultura do cafeeiro-arábica.

A transição do chocolate-bebida para a tablete começou pela tentativa de encontrar uma bebida mais leve, dado que o original era rico em gordura e de difícil digestão.

Com o avanço da tecnologia e depois de estudos científicos, foram desenvolvidos outros tipos de chocolate como por exemplo o chocolate de leite que se ficou a dever aos suíços Henri Nestlé e Daniel Peter. Porém, o chocolate, tal como é hoje, deve-se também à intervenção de outros dois suíços – Rudolphe Lindt e Jean Tobler, que inventaram respetivamente os processos de conchagem (conching) e temperagem, de que a seguir se falará.

Da colheita do fruto à produção do "manjar"

As três principais zonas de cultivo da árvore do cacau, vulgo cacaueiro, são África, América Central e Sul, e Sudeste da Ásia.

Árvore frágil e estreita, o cacaueiro é uma planta da família Sterculiaceae, e do género Theobroma, que pode atingir 15 metros de altura, embora habitualmente seja podada a uma altura máxima de 8 metros.

O tronco e os ramos são cobertos com flores cor-de-rosa ou brancas durante todo o ano, sendo os primeiros frutos colhidos normalmente cinco anos após a plantação em dois períodos distintos (de novembro a fevereiro ou de abril a agosto). A colheita, no entanto, pode iniciar-se a partir do 2º ano, praticamente durante todo o ano.

Sustentados por pedúnculos lenhosos, os frutos apresentam coloração variada: alguns transitam de verde (juventude) a amarelo (maturidade), enquanto outros passam de roxo a laranja, durante a maturação. O índice de frutos, ou seja, o total de frutos necessários à obtenção de 1 kg de cacau comercial, situa-se, em geral, entre as 15 e as 31 unidades.

São vários os processos que vão desde a colheita do cacau até à produção propriamente dita do chocolate.

Para começar, a colheita deve ser feita somente dos frutos maduros. Com o amadurecimento dá-se uma contração da polpa e as sementes ficam quase livres, presas ao cordão central. A fase seguinte é a quebra, feita manualmente, onde são separadas as sementes e a polpa. As sementes são depois armazenadas em locais secos e frescos para posteriormente serem limpas e classificadas de acordo com a forma, germinação e eventuais defeitos.

Na fermentação o objetivo é livrar a semente de mucilagem e destruir o embrião para evitar a germinação da semente. Seguidamente as sementes são sujeitas à secagem, que pode ser feita de forma natural ou artificial. A natural tem uma duração de dez dias e é efetuada ao sol – as sementes devem ser mexidas regularmente para as manter arejadas e impedir a formação de bolores, obtendo-se um cacau de melhor qualidade. Já a secagem artificial dura cerca de quarenta horas a uma temperatura entre os 34-40°C e é executada em cilindros de rotação mecânica, mas a qualidade do cacau é inferior.

Depois vem a quimiofermentação, a fase em que ocorre a formação de aminoácidos e peptídeos, devido à ação das enzimas existentes nas sementes, o que contribui para o aroma e a qualidade do cacau.

A torrefação é um processo que pode demorar entre cinco a cento e vinte minutos com a temperatura a variar entre 120 a 150°C. Na torrefação deve verificar-se agitação constante para que as sementes sejam torradas uniformemente. Durante esta etapa de aquecimento, ocorrem algumas mudanças importantes como a diminuição dos ácidos voláteis indesejáveis (como o ácido acético), a inativação das enzimas que podem degradar a massa de cacau, o desenvolvimento do aroma, a cor típica do chocolate e a perda de água.

De seguida é feita a moagem, em que as sementes são levadas a um triturador, sendo o resultado deste processo a massa e a manteiga de cacau. Na etapa seguinte ocorre a mistura de vários ingredientes, tais como a massa e manteiga de cacau provenientes da moagem (em diferentes proporções), sendo também adicionado açúcar, leite em pó, emulsionantes e gordura.

Na refinação a mistura é esmagada em cilindros e peneirada, transformando-se em partículas de pequena dimensão de 15 a 20 microns.

Na fase de conching o objetivo é diminuir a concentração de ácido, que pode ser efetuada por via húmida, ou seca. Em ambas o processo dura entre 12-96 horas. Após esta fase, o chocolate é bombeado para tanques térmicos de mistura onde são adicionados os aditivos legalmente permitidos (aromatizantes naturais ou artificiais, antioxidantes, conservantes) e outros ingredientes (amêndoas, avelãs, nozes, passas, rum, frutas, minerais, fibras). No tanque principal, o chocolate fica a arejar até à sua posterior moldagem.

A seguir vem a temperagem, um processo de controlo de temperatura da massa de cacau – aquece e arrefece de forma uniforme (controlo sob agitação) até à temperatura de cristalização.

No enchimento, o chocolate é colocado em moldes passando posteriormente por um túnel de refrigeração, com uma temperatura que varia entre 10-12°C. Na saída do túnel o chocolate é facilmente retirado dos seus moldes, em tabletes ou outras formas, faltando só embalar e armazenar. A posteriori, é feita a embalagem, sendo esta precedida da refrigeração das respetivas embalagens do chocolate.

Como nos advertem as embalagens, o chocolate deve manter-se sempre num local seco e fresco para que, aquando do consumo, todas as propriedades e benefícios se mantenham inalterados.

Tipos de chocolate, seus benefícios e malefícios

Quando se trata de assumir as propriedades nutritivas do cacau – a matéria-prima que serve de base ao chocolate –, existe consenso entre os nutricionistas. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda mesmo o consumo de chocolate, principalmente aos praticantes de desporto. É necessário, no entanto, ter cuidados e não exagerar pois, por se tratar de um alimento altamente energético, o seu consumo excessivo aumenta o risco de obesidade.

Além de mais, o chocolate não é todo igual e, por essa razão, os benefícios para a saúde podem variar consoante o tipo. O chocolate é, em geral, uma mistura de pasta de cacau em pó, manteiga de cacau e açúcar. De acordo com as proporções utilizadas, obtêm-se diferentes qualidades, texturas e aromas. Oficialmente existem três tipos de chocolate: chocolate amargo, chocolate de leite e chocolate branco.

No chocolate amargo a quantidade de sólidos de cacau – que é a fração seca de todas as substâncias de cacau – varia entre 30 e 70 por cento ou mais. Quanto maior o teor de cacau, mais amargo o chocolate, e mais saudável.

O chocolate de leite contém os mesmos ingredientes que o chocolate amargo, no entanto, é-lhe adicionado leite em pó para lhe dar uma cor castanha mais clara, textura mais cremosa e mais agradável sabor.

Já o chocolate branco, que até parece inofensivo, deve a sua cor creme à mistura entre manteiga de cacau, açúcar, leite e gorduras saturadas, apresentando características nutricionais quase nulas.

Não foi à toa que apelidaram o cacau de "alimento dos deuses". Os seus grãos estão carregados com poderosos antioxidantes, importantes minerais e vitaminas. Para se ter uma ideia, o cacau contém mais antioxidantes, polifenois, catequinas e epicatequinas que o vinho tinto, morango, romã e chá verde, juntos.

O cacau é um dos alimentos que mais magnésio possui. Este mineral é essencial para o funcionamento saudável do coração. Muitos distúrbios cardíacos estão relacionados com um nível insuficiente de magnésio no músculo cardíaco. Além de magnésio, o cacau também está repleto de flavonoides, apresentando uma concentração especialmente generosa de flavonoides do subtipo flavanol (epicatequina, catequina, e procianidinas), que tem sido apontado como o componente que mais efeito tem na saúde vascular.

Depois da década de 90 foram realizados diversos ensaios clínicos para investigar o papel do cacau/chocolate sobre a saúde dos nossos vasos tendo-se comprovado que o consumo de chocolate com altas doses de flavonoides promove vários efeitos benéficos ao organismo, como: aumento dos níveis de óxido nítrico, considerado um dos principais combustíveis para a saúde dos vasos sanguíneos; redução da agregação das plaquetas, ação que é idêntica à da aspirina; aumento dos níveis do HDL (o bom colesterol), entre outras ações antioxidantes; redução de marcadores de inflamação, e aqui é importante relembrar que aterosclerose é igual a inflamação; redução da resistência à insulina, facilitando a sua ação nas células; aumento do fluxo sanguíneo periférico (nos membros) e nas artérias do coração; redução da pressão arterial; aumento do fluxo sanguíneo cerebral e/ou atividade neuronal durante uma tarefa cognitiva. E os efeitos chegam também à pele, com aumento da sua microcirculação sanguínea e maior nível de fotoproteção.

Este poderoso alimento também protege a visão, e possui efeitos antidepressivos. Contém quantidades significativas de triptófano, um aminoácido essencial que colabora na produção de serotonina e melatonina, dois neurotransmissores que funcionam como "escudo de defesa contra o stress", e desempenham um papel importante na regulação do humor.

Controlar o desejo por comida é outro dos benefícios que não se pode deixar de mencionar. Os dois nutrientes – teobromina e anandamida – aceleram o metabolismo e reduzem a "fome emocional".

De lamentar que o chocolate comercial com o qual estamos familiarizados possua quantidades mínimas destas substâncias altamente benéficas para a saúde.

Geralmente este tipo de chocolate é composto por 8 por cento de proteínas, 60 por cento de hidratos de carbono, e 30 por cento de gorduras. Este teor de gordura é altíssimo, muito mais elevado do que a maioria dos alimentos apresenta. Por ser tão gordo torna-se um perigo para as pessoas propensas à acne, pois propicia inflamações na pele, que originam as espinhas.

Mas o verdadeiro perigo do chocolate está no exagero. Comer chocolate em exagero traz complicações a curto e a longo prazo. Dos problemas imediatos, saliente-se a agitação, insónias, azia e diarreia. Já os efeitos colaterais tardios são um pouco mais severos: ganho de peso acelerado (basta ter em mente que uma barra de 150g possui 800 calorias) e favorecimento da formação de cálculos renais. Exceder a quantia diária de apenas 30g elimina as propriedades positivas do doce, provocando acúmulo de gordura do corpo.

Ao aumentar a libertação de dopamina – hormona da felicidade, que dá a sensação de relaxamento e bem-estar – no cérebro, faz com que as pessoas "dependam" do chocolate para obter essa sensação. Assim, acabam por fazer do chocolate um escape para desviar a atenção dos seus problemas, o que não é nada positivo. Além de negligenciar situações pendentes, este tipo de relação com o doce rapidamente leva ao consumo em excesso. O truque está em consumi-lo com "conta, peso e medida" para que se torne num aliado da saúde, em vez de a prejudicar.

Hoje em dia, o consumo de pelo menos cinco porções de frutas e vegetais é uma recomendação médica universal e inequívoca. Pode ser que cheguemos ao ponto de haver também uma recomendação mínima diária de flavanoides, sendo o chocolate um grande candidato para compor o cardápio. Nesse caso, não seria muito sacrifício de nossa parte unir o útil ao agradável.

O chocolate em Portugal e no mundo

A ciência gosta tanto de chocolate como nós e não se cansa de estudar, testar e inventar. Em 2009 surgiu o Le Whif, um tipo de chocolate inalável. Em quatro sabores e livres de calorias – manga, menta, framboesa e chocolate simples –, o Le Whif apresenta-se numa embalagem semelhante a um maço de cigarros. Segundo o seu inventor, o professor David A. Edwards da Universidade de Harvard, o Le Whif obtém o sabor do chocolate transformando-o num pó que pode ser inalado, ou seja, é "comer através da respiração".

Não é necessária uma forma, nem um dia especial, para se comer chocolate; no entanto, existe pelo menos um dia no ano em que se pode comer esta iguaria sem qualquer constrangimento – é no Dia Mundial do Chocolate, em que se "degusta" a 7 de julho. A sua origem não é muito clara, mas acredita-se que o dia 7 de julho de 2016 assinale os 466 anos da introdução do chocolate na Europa.

De facto, a nível mundial, os europeus são, em média, quem mais chocolate consome (quase metade da produção mundial), com a Suíça em claro destaque ao deter um consumo de 11,5 Kg per capita. Liechtenstein (10,4 Kg), Luxemburgo (10,3 Kg), Reino Unido (9,8 Kg), Bélgica (8,6 Kg), Noruega (7,8 Kg), Alemanha (7,7 Kg), Irlanda (7,7 Kg), Islândia (7,6 Kg) e Áustria (6,3 Kg) são os outros países que lideram o "Top 10" dos países que mais chocolate consomem.

Neste ranking, Portugal aparece muito distante, com apenas 1,5 Kg por pessoa (metade do valor apresentado em Espanha ou Itália). Segundo a Associação dos Industriais de Chocolate os hábitos de consumo e a elevada taxa de IVA (23 por cento) são os responsáveis pelo baixo consumo de chocolate dos portugueses. Em termos de consumo entre géneros, a diferença é muito pequena. Um estudo recente revelou que 91 por cento das mulheres inquiridas revelava consumir chocolate, contra 87 por cento de homens.

Não restam dúvidas de que o chocolate é um produto comummente consumido, cuja produção tem aumentado nos últimos anos, o que não é de estranhar por possuir uma carga emocional e psicológica muito forte. Os tipos preferidos de chocolate variam em cada país, e os diferentes sabores e usos refletem a história da indústria dos diferentes lugares.

Certo é que, independentemente da sua história, origens ou dados estatísticos, ninguém lhe fica indiferente e, sejamos francos, qualquer desculpa é boa para comer um chocolate!

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
17 de Novembro de 2023

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