Não lhe resistimos nos dias de festa e é o que mais nos apetece quando a tristeza aperta. Branco, light, amarelo ou mascavado, o açúcar é um produto que sabe bem, acalma e dá prazer mas que, quando consumido regularmente e em excesso, nos deixa gordinhos e, pior, gravemente doentes.
Já foi apreciado como especiaria, consumido como medicamento, e usado como adoçante e nenhum mal teria vindo ao mundo se tivesse continuado a ser consumido raramente e com moderação, como sucedeu durante milhares de anos.
Por ser um bem raro, encontrado apenas na fruta, em algumas plantas, raízes e no mel, o organismo habituou-se a armazená-lo, sob a forma de glicose, para ter energia de reserva em períodos de carência alimentar. Mas um dia tudo mudou.
A primeira grande alteração ocorreu há dez mil anos, com o surgimento da agricultura, e a outra veio na sequência da Revolução Industrial, quando o homem pôs de lado as farinhas e os grãos integrais (hidratos de carbono complexos, ou seja, açúcares de absorção lenta e ricos em fibra, vitaminas e minerais) e passou a consumir cereais refinados (hidratos de carbono simples, isto é, açúcares que o organismo transforma rapidamente em glicose).
Mas o pior foi o que sucedeu a partir da segunda metade do século passado, quando o açúcar – a sacarose, mas também a frutose e outros glícidos – começou a ser usado como aditivo na indústria alimentar, dando origem a um aumento da obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão, doenças cardíacas e fígado gordo de causa não alcoólica.
O açúcar não é apenas o pó branco e granulado com que adoçamos o chá ou o café – a sacarose –, mas também o xarope de milho com alto teor de frutose, o adoçante mais usado pela indústria alimentar desde os anos setenta do século passado e que é adicionado à grande maioria dos alimentos processados – às guloseimas (bolos, bolachas, bombons, chupas, pastilhas, etc.), mas também aos cereais de pequeno-almoço, refrigerantes, iogurtes, compotas, douradinhos, lasanhas, salsichas, almôndegas, molhos, sobremesas e por aí fora – que são cada vez mais precocemente consumidos.
Aliás, o "culto" do açúcar tem início logo nos primeiros dias de vida, quando as mães mergulham as chupetas no açucareiro para acalmar os bebés e evitar que chorem. E continua ao longo da infância sendo estimulado pelos pais que oferecem doces e rebuçados aos seus filhos, como recompensas ou prémios. Da televisão, que nos bombardeia a toda a hora com anúncios sedutores para induzir ao consumo de doces e junk food que nos pode matar, nem se fala!
Porém os cientistas estão cada vez mais atentos e de alguns anos para cá conseguiram despertar o público para o problema, que se agrava a olhos vistos.
Sugar: The Bitter Truth (Açúcar: A Verdade Amarga) e The Toxic Truth about Sugar (A Verdade Tóxica sobre o Açúcar) são trabalhos do endocrinologista pediátrico americano Robert Lustig, professor na Universidade da Califórnia, em São Francisco, onde o açúcar é apelidado de "toxina", "veneno" e "demónio".
Lustig afirma, categórico, que o açúcar é tóxico, induz dependência e deve ser visto como um verdadeiro problema de saúde pública, razão pela qual pede a intervenção das autoridades da saúde, e defende um controlo sobre a venda – idêntico ao do álcool, que é proibido a menores de 18 anos – e propõe que os governos taxem os alimentos que contenham açúcar adicionado, independentemente do tipo.
Tipos de açúcares
Sabe o que é, e donde provém, o açúcar? Pode parecer óbvio, mas não é assim tão evidente. O açúcar é geralmente criado como resultado do processamento de um dos dois tipos de plantas: a beterraba ou a cana-de-açúcar. Estas plantas são colhidas, processadas e refinadas para se parecerem com o açúcar branco que conhecemos.
Mas é importante entender que o açúcar não é apenas o do açucareiro, aquele que conseguimos ver, e que é uma substância sem qualquer valor nutricional – fornece calorias vazias, e é de absorção rápida. Está presente em grande quantidade em vários alimentos que comemos (pão, iogurtes, bolos, massas), e também nas bebidas que ingerimos (refrigerantes, leite achocolatado, sumos empacotados). Por mais incrível que pareça, tudo contém açúcar!
O termo "açúcares" é geralmente usado para classificar todos os hidratos de carbono simples, mono- e dissacarideos. Neles se englobam a glicose, frutose, galactose, sacarose, maltose e lactose. Na verdade, os três últimos são dímeros constituídos por subunidades dos três primeiros e necessitam de um passo enzimático, a digestão, antes de serem absorvidos no intestino delgado.
A glicose, frutose e galactose são captados pelos enterócitos (células do epitélio intestinal) através de transportadores específicos. Quanto à galactose, é captada pelos mesmos transportadores que a glicose, os SGLT, num processo ativo e dependente de energia. Já no enterócito, a galactose é praticamente toda convertida em glicose e é nesta forma que acaba por entrar na circulação.
A frutose é absorvida do intestino pelos GLUT5 num processo de difusão facilitada. Um aspeto curioso acerca da absorção da frutose é que este açúcar tem a capacidade de aumentar a sua própria absorção. Ou seja, a exposição prévia a níveis elevados de frutose aumenta a sua absorção numa dose seguinte. Isto é particularmente importante porque a sua captação é linear mas incompleta, e doses muito elevadas no seu estado puro, cristalino, causam diarreia. No entanto, quem tem por hábito consumi-la adquire uma capacidade absortiva bastante superior.
Os fabricantes de produtos alimentares adicionam muitos destes açúcares aos alimentos durante o processo de produção, desempenhando funções importantes, em virtude das suas propriedades adoçantes (sabor), e do seu papel a nível de textura, estrutura e consistência. Outra das funções dos açúcares é a conservação de geleias e compotas, contribuição para a fermentação de leveduras, assim como para a cor e sabor dos alimentos cozinhados.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a recomendação diária para o consumo de açúcar é de apenas 5 por cento do valor calórico total ingerido no dia. Mas os dados do INE, em 2012, revelaram algo mais assustador. Cada português ingere diariamente o equivalente a 16 pacotes de açúcar daqueles com que se adoça o café, ou o equivalente a 23 colheres de chá de açúcar. Isto significa que cada um de nós ingere 96,3 gramas de açúcar por dia, 2,9 kg por mês, e 34,7 kg por ano.
E o cenário tem vindo a piorar. Muitas patologias ditas de adulto, que antigamente surgiam aos 40 anos, se agravavam aos 60 e tinham consequências mesmo palpáveis aos 80, manifestam-se cada vez mais precocemente e com consequências mais graves. As crianças estão mais obesas, os adolescentes têm hipertensão, colesterol elevado e diabetes tipo 2. A questão é: a quem atribuir a responsabilidade?
Açúcar: um doce veneno que convida a muitas doenças
Segundo a OMS, a cada ano que passa as doenças não transmissíveis matam 36 milhões de pessoas e destas nove milhões têm menos de 60 anos. Só as doenças cardiovasculares são responsáveis pela morte de 17,3 milhões, seguidas do cancro (7,6 milhões), das doenças respiratórias (4,2 milhões) e da diabetes (1,3 milhões).
Portugal não é exceção. No nosso país, a OMS estima que as doenças não transmissíveis sejam responsáveis por 86 por cento da mortalidade total, sendo as doenças cardiovasculares (37 por cento), o cancro (26 por cento) e a diabetes (cinco por cento) as que mais matam.
A quantidade de açúcar que as crianças ingerem, diariamente, é assustadora. Tudo o que é processado e embalado num pacote tem açúcar. Basta olhar para o rótulo. Hoje em dia, o seu maior inimigo é o açúcar.
Pode mesmo dizer-se que o açúcar, em termos neurológicos, e de neurotransmissores, de prazer e da precocidade com que é introduzido, tem consequências mais nefastas do que o tabaco. A frutose, a dextrose, todos os açúcares criam dependência. Entra-se no domínio dos recetores cerebrais, no domínio do prazer, da compensação, do conforto.
O açúcar aumenta os níveis de hormonas como a dopamina e a serotonina, o que causa uma momentânea sensação de bem estar, mas com a liberação da insulina, esse estado de excitação passa rapidamente, e a pessoa sente vontade de ingerir mais açúcar.
Se as pessoas se habituarem a consumir açúcar e a ter prazer pelo açúcar, há modificações epigenéticas – genes que são acionados e que fazem com que se passe a ter mais tendência para o açúcar. E a mesma dose não surte o mesmo efeito a longo prazo, o que faz com que se aumente a dose de açúcar. Torna-se viciante!
São cada vez mais os que afirmam que o açúcar é tóxico, e que para além de destruir a homeostase do organismo (manutenção das condições estáveis para as células), o consumo excessivo deste "não alimento" pode causar várias outras consequências graves.
Segundo os cientistas o aumento de doenças crónicas não transmissíveis, como as doenças cardíacas, diabetes de tipo 2 e cancro, está relacionado com a dieta ocidental, principalmente comida de baixo custo e altamente transformada.
Afirmam ainda que a obesidade não é a causa daquelas doenças, mas, em vez disso, um sinal de disfunção metabólica, e que é o consumo excessivo de açúcar que origina todos os fatores de risco associados à síndrome metabólica, incluindo hipertensão, dislipidemias, resistência insulínica, diabetes e o processo de envelhecimento.
Mas os perigos para o organismo não se ficam por aqui. Para além do conhecido risco para aumentar o número de cáries, acidificar a saliva e provocar doença periodontal das gengivas, o consumo excessivo de açúcar pode desativar o sistema imunológico, prejudicando as defesas contra doenças infeciosas;
É o inimigo Número 1 do intestino – provoca disbiose intestinal (fermentação, e mau funcionamento intestinal), ou seja, destroi as bactérias benéficas, aumentando a população de parasitas intestinais, especialmente a Candida Albicans;
Pode provocar doenças autoimunes como a artrite, asma e esclerose múltipla e outras condições como alergias alimentares, enfisema, aterosclerose, aumenta o risco de poliomielite, da Doença de Alzheimer, e a sua ingestão é mais alta em doentes com Parkinson;
Desorganiza as relações entre os sais minerais no organismo: provoca deficiência de cromo e cobre e interfere na absorção de magnésio e calcio, o que acarreta maior risco para a osteoporose;
Afeta os órgãos, pois o excesso transforma-se em gordura, predispondo à obesidade e ao depósito de gorduras. Pode aumentar o tamanho do fígado e dos rins. No fígado ao fazer com que as células do órgão se dividam e aumentem o nível de gordura (esteatose hepática), e nos rins pode contribuir para a formação de cálculos renais;
O consumo elevado por adolescentes grávidas pode levar a uma redução substancial da duração da gravidez e está associado à duplicação do risco de ter um bebé pequeno demais para a idade gestacional. Em bebés prematuros pode afetar o volume de dióxido de carbono que produzem;
Durante a infância pode provocar um aumento rápido de adrenalina, de hiperactividade, ansiedade, irritabilidade, de dificuldade de concentração e reduzir a capacidade de aprendizagem, além de piorar a sintomatologia em crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperactividade (TDAH);
Além de sintomas como cansaço, sonolência e queda de energia, pode provocar dores de cabeça e enxaqueca, desiquilíbrios hormonais, como aumentar o nível de estrogénio no homem, exacerbar a TPM e reduzir o nível da hormona do crescimento;
Uma dieta rica em açúcar aumenta os radicais livre e o stress oxidativo, provoca o envelhecimento prematuro, perda de elasticidade e funcionamento dos tecidos, pode piorar a visão, e provocar cataratas e miopia;
Existem já algumas evidências de que o excesso de açúcar pode provocar cancro. Isso porque o excesso de insulina promove o crescimento tumoral. As células de muitos tipos de cancro dependem de insulina para crescerem e se multiplicarem, assim, quanto mais insulina circular no sangue, mais facilmente o cancro se desenvolve. Segundo os cientistas, muitas células pré-cancerosas jamais se transformariam em malignas se não tivessem insulina ao seu dispor.
E estes são apenas alguns dos malefícios deste doce veneno que consumimos diariamente e que nem sempre está visível, tornando mais difícil controlar a sua ingestão. Porém, como em tudo na vida, existe um lado mau e um lado bom!
O lado bom do açúcar
Apesar de o açúcar, na nossa mente, estar associado à obesidade e à diabetes, ele também é imprescindível ao organismo. O açúcar é a forma mais rápida de fornecer glicose ao organismo. E esse componente é essencial para o bom funcionamento do cérebro, da retina e dos rins.
A deficiência de glicose, condição conhecida por hipoglicemia, dá origem a dor de cabeça e os olhos entram em vertigem.
A glicose ainda auxilia na proliferação das Bifidobactérias e dos Lactobacillus sp. Essas bactérias compõem a flora intestinal e contribuem para a eliminação de bactérias nocivas como a Escherichia coli e o Clostridium. Além disso, o açúcar é uma importante fonte de calcio, fósforo, ferro, cloro, potássio, sódio, magnésio e de vitaminas do complexo B.
Isto não significa, contudo, que os doces tenham de fazer parte do cardápio diário. Até porque o açúcar está presente também nos frutos e em fontes salgadas, como as massas, pães e bolachas. O ideal seria que não se consumissem doces e se fizesse uso do açúcar dos outros alimentos. A moderação aqui é crucial.
A solução para evitar consumir açúcar em excesso seria escolher produtos sem rótulo, sem lista de ingredientes: aqueles que vieram da terra, do mar ou do rio. É importante diminuir a adição de açúcar aos poucos para acostumar o paladar.
Pela sua saúde, e daqueles que ama, reeduque-se para conhecer o verdadeiro gosto dos alimentos e, com o tempo, começará a apreciá-los e a sentir-se mais saudável.
Não deixe que o doce de hoje, se torne o amargo amanhã!
A vacinação continua a ser o melhor meio de proteção contra o vírus, com uma proteção mais eficaz contra doenças mais graves, embora o seu efeito protetor diminua com o passar do tempo.