TUBERCULOSE A AMEAÇA MILENAR
DOENÇAS E TRATAMENTOS
Tupam Editores
A cada minuto, morrem três pessoas com tuberculose e outras 17 adoecem em todo o mundo. Por afetar maioritariamente países em desenvolvimento, a doença não surge como uma prioridade na agenda de saúde global e não recebe a atenção suficiente.
Em Portugal, cada vez menos os clínicos suspeitam da tuberculose, embora a doença ainda não esteja erradicada, e continue associada a um forte estigma social.
Chamada antigamente de "peste cinzenta", mas conhecida também por tísica pulmonar ou "doença do peito", a tuberculose (TB) é uma das doenças infecciosas documentadas desde mais longa data e que continua a afligir a humanindade.
Permanece um problema de saúde que afeta milhares de pessoas todos os anos e mantém-se a segunda maior causa de morte por doença infecciosa, a seguir ao vírus da imunodeficiência humana (VIH).
A nível mundial estima-se que, em 2013, tenham ocorrido 8,9 milhões de casos incidentes de TB no mundo, correspondendo a 1266 casos por 100 mil habitantes.
Além disso, a tuberculose foi responsável por 1,5 milhões de mortes. O maior número de casos ocorre em cenários de escassez de recursos económicos, predominantemente na Ásia (56 por cento) e África (29 por cento).
Segundo a OMS 4 por cento dos casos de TB em 2013 ocorreram na Região Europeia da OMS, tendo sido a Europa Oriental a zona mais particularmente afetada pela epidemia de tuberculose.
Em Portugal, a TB tem vindo a diminuir de forma consistente. Segundo dados da DGS, em 2012 foram identificados 2480 casos de TB no país, entre casos novos e retratamentos, sendo que 1901 são de nacionalidade portuguesa e 385 estrangeiros residentes. A incidência de TB atingiu 21,6/100 mil habitantes. Estes dados evidenciam uma diminuição de 6,1 por cento relativamente à taxa de incidência registada em 2011 (23/100 mil habitantes).
Os dados de 2014 revelaram que, pela primeira vez desde que há registos, Portugal ficou abaixo da barreira, tida como "linha vermelha", dos 20 novos casos por 100 mil habitantes.
O país era, até ao momento, o único da Europa Ocidental com níveis de incidência de TB superiores a este valor, que corresponde ao limiar de baixa incidência definido internacionalmente.
Segundo a DGS foram notificados 1940 novos casos de tuberculose em 2014, o que corresponde a uma redução da taxa de incidência dos 21,1 novos casos por 100 mil habitantes registados em 2013 para os 18,7 casos. No entanto, as diretivas mais recentes da OMS apontam para uma redução do limiar de baixa incidência para metade, o que coloca Portugal novamente como um país de incidência intermédia.
A distribuição nacional da doença é muito assimétrica e prevalece maioritariamente nos grandes centros urbanos, ao nível dos distritos do Porto e Lisboa, que continuam a ter incidências superiores à média nacional.
A doença surge associada a vários fatores de risco, como é o caso da infeção por VIH, do alcoolismo e toxicodependência, de situações de imunossupressão ou malnutrição e de doenças como a diabetes e o cancro. No entanto, na maioria dos casos, não há nenhum fator de risco conhecido, significando que esta continua a ser transmitida na comunidade, o que enfatiza a necessidade de não a esquecer ou desvalorizar.
É importante que, tanto a população, como os clínicos "continuem a suspeitar da tuberculose".
Declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma emergência mundial, a tuberculose é uma doença contagiosa causada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, também designado como bacilo tuberculoso ou bacilo de Koch – em homenagem a Robert Koch que em 1882 o descobriu e classificou.
A bactéria que origina a doença terá tido a sua origem há cerca de 50 mil anos, tendo evoluído a partir de outras bactérias do género Mycobacterium, e terá adquirido patogenicidade há cerca de 20 mil anos, na África Oriental.
A Mycobacterium tuberculosis é uma bactéria aeróbia de crescimento lento, que se divide a cada 16 a 20 horas; é gram-positiva, de pequenas dimensões, álcool-ácido-resistente, em forma de bastonete, e consegue sobreviver em ambientes secos durante muito tempo. Contudo, para se multiplicar precisa do corpo de um hospedeiro.
Na grande maioria dos casos a TB manifesta-se no pulmão, até porque o contacto do bacilo com o organismo é feito por via inalatória. No entanto outros órgãos podem ser afetados – gânglios, meninges, pericárdio, ossos, rins, pele, intestinos, entre outros. Estas manifestações são extra-pulmonares e, regra geral, não são contagiantes.
A tuberculose transmite-se, então, de pessoa para pessoa por via aérea sendo, por isso, contagiosas as pessoas com tuberculose pulmonar ou laríngea.
Cada vez que um destes doentes tosse, fala, ri, canta ou espirra, liberta pequenas gotículas que transportam o bacilo de Koch. Estas gotículas são invisíveis a olho nu e podem ficar em suspensão no ar ambiente durante várias horas, particularmente se o doente estiver em local não ventilado.
A probabilidade de se ser infetado com o bacilo de Koch, depende do número de gotículas infecciosas no ar, do tempo e local de exposição e da suscetibilidade do indivíduo exposto nesse ambiente.
Assim, a infeção pelo M. tuberculosis ocorre quando uma determinada quantidade de bacilos do respetivo organismo é dispersa no ambiente por um doente portador de TB ativa, entrando em contacto com os alvéolos pulmonares de um novo hospedeiro. É nos alvéolos pulmonares que o organismo será rapidamente fagocitado por macrófagos alveolares, que na maioria dos casos neutralizarão as micobactérias invasoras através da resposta imunitária inata.
Se os bacilos resistirem a esta primeira linha de defesa, irão iniciar a sua replicação ativa em macrófagos, difundindo-se para células vizinhas, incluindo as do epitélio e do endotélio, crescendo exponencialmente, sendo atingida em poucas semanas uma contagem bacteriana elevada.
Durante estes primeiros passos da infeção, o M. tuberculosis pode-se difundir para outros órgãos através do sistema linfático e por disseminação hematogénica, podendo assim afetar outras células. Em seguida, assim que a resposta adaptativa imune é desencadeada, ocorre migração de neutrófilos, linfócitos e outras células do sistema imunitário para o local da infeção primária, dando eventualmente origem a um infiltrado celular com a estrutura de um granuloma.
Esta lesão primária foi designada por complexo de Ghon; nela, os bacilos persistem num estado de latência, metabolicamente inativos, durante anos, décadas, ou na maior parte dos casos, durante a totalidade da vida do hospedeiro. No entanto, quando, durante a infeção latente, por razões desconhecidas, os bacilos iniciam a replicação no interior desta lesão primária, ocorre a ativação da doença.
A tuberculose tem habitualmente uma apresentação clínica insidiosa, que se vai instalando sem que o doente se aperceba ou valorize os sintomas. Esta situação vai surgindo ao longo de dias, semanas ou mesmo meses.
Sendo a TB uma doença progressiva, os sintomas evoluem ao longo dos vários estádios. Inicialmente, durante a infeção, os indivíduos com tuberculose poderão ter febre, ou febrícula (37,5° C) de predomínio ao fim do dia, dor no peito e falta de ar (dispneia).
Nos estádios iniciais da TB primária ativa, o sistema imune não consegue controlar a infeção, a inflamação nas zonas infetadas aumenta e os pacientes apresentam sintomas inespecíficos como fadiga, falta de apetite, perda de peso ou febre. Nesta fase há o desenvolvimento de tosse não produtiva.
Posteriormente, nos estádios mais tardios da TB, a tosse torna-se produtiva, com o aumento da inflamação e necrose tecidular, e poderá conter sangue (hemoptise). A perda de peso progressiva, em particular de massa muscular, provoca cansaço.
A inflamação do parênquima pulmonar poderá provocar dor de peito e o aumento do volume intersticial provoca a redução da capacidade de difusão do pulmão, provocando falta de ar (dispneia) anemia, sibilo respiratório e perda de peso.
Este tipo de sintomatologia leva, geralmente, os doentes a procurar um médico que, depois de falar com o doente, irá investigar adequadamente requisitando os exames necessários para o efeito.
O diagnóstico da TB é sustentado pela história clínica e exame objetivo, seguido de radiografia do tórax e, quando a clínica o justificar, a realização de exame bacteriológico da expetoração.
Na história clínica são importantes os seguintes dados: ter tido contacto com uma pessoa com TB pulmonar bacillífera; apresentar sinais e sintomas sugestivos de TB pulmonar; ter história de tratamento anterior para TB; apresentar fatores de risco para o desenvolvimento da TB, como diabetes mellitus, infeção por VIH, cancro, etilismo, tabagismo, entre outros.
O diagnóstico definitivo da doença é bacteriológico, exigindo a identificação do agente (Mycobacterium tuberculosis) nos tecidos ou líquidos biológicos (expetoração, secreções brônquicas, suco gástrico, líquidos pleural, ascítico, pericárdico, pús, urina, sangue ou fezes) atingidos pela doença.
Em caso de suspeita clínica de TB, cada produto biológico colhido é analisado ao microscópio, sendo efetuado um exame bacteriológico direto, com a coloração de Ziehl-Nielsen, que permite a deteção imediata de micobactérias. Esta acaba por ser a técnica mais utilizada e de rápida, económica e fácil execução para o diagnóstico de TB.
O exame da cultura, realizado em meio de Lowenstein, é o método padrão de identificação do Mycobacterium tuberculosis.
Aumenta a rentabilidade do exame direto, mas tem a desvantagem da morosidade do resultado (duas a seis semanas), devido ao crescimento lento das micobactérias. O exame cultural permite ainda o estudo da sensibilidade aos antibacilares.
Precisamente para diminuir os inconvenientes da cultura clássica em meio sólido de Lowenstein, foram desenvolvidos outros métodos que permitem resultados mais rápidos como, por exemplo, o meio líquido de Bactec® (radiométrico). Este meio permite que o tempo necessário para o isolamente e identificação de micobactérias seja reduzido para duas semanas, e a partir daí pode ser realizado o teste de sensibilidade aos antibacilares.
Mais recentemente foram desenvolvidas técnicas de biologia molecular – técnicas de PCR (Polymerase Chain Reaction) – que permitem identificar a sequência do material genético (ADN/ARN) tornando possível o diagnóstico em 24 horas. Não permite, no entanto, a obtenção do perfil de sensibilidade aos antibacilares.
Para obter o diagnóstico é, por vezes, necessário recorrer à realização de biopsias de um ou vários órgãos e submetê-las a exame bacteriológico direto e cultural e também ao exame anatomopatológico.
O exame radiológico não faz, por si só, o diagnóstico de TB. No entanto, pode contribuir para o mesmo, principalmente em pessoas que apresentam sintomatologia mas que, repetidamente, têm exames negativos de expetoração.
Diagnosticada a doença, o seu tratamento constitui um desafio para o sistema de saúde.
Os objetivos são, em primeiro lugar, curar a pessoa e restabelecer a sua qualidade de vida e produtividade; prevenir a morte por TB ativa ou os seus efeitos; reduzir a transmissão; prevenir o desenvolvimento e transmissão de resistências; e por último, mas não menos importante, prevenir as recidivas.
Os membros do complexo M. Tuberculosis são naturalmente resistentes a muitos dos antibióticos e outros agentes utilizados no tratamento de doenças de origem bacteriana.
Existem, no entanto, vários agentes sintéticos usados especificamente no tratamento da tuberculose, particularmente três dos quatro primeiros fármacos descobertos – isoniazida, etambutol e pirazinamida.
Os antibacilares de primeira linha no tratamento da TB são:
A rifampicina – um derivado da rifamicina introduzido em 1972 como agente antituberculoso. É um dos fármacos mais eficazes no tratamento da doença e juntamente com a isoniazida constitui a base de uma terapêutica múltipla para a tuberculose.
A isoniazida, introduzida em 1952 como agente antituberculoso e permanece até hoje, em conjunto com a rifampicina, como a base do tratamento da doença. Ao contrário da rifampicina, a isoniazida é apenas ativa em bacilos que apresentam replicação e estão metabolicamente ativos.
O etambutol foi primeiramente introduzido como fármaco antituberculoso em 1966. É um fármaco bacteriostático contra bacilos multiplicativos, interferindo com a biossíntese do arabinogalactano, originando a acumulação do composto intermediário D-arabinofuranosil-P-decaprenol.
A pirazinamida foi introduzida no tratamento da tuberculose no princípio dos anos 1950. Trata-se de um análogo da nicotinamida e a sua introdução permitiu a redução da duração do tratamento para seis meses. Tem como particularidade inibir os bacilos semi-dormentes existentes em ambientes acídicos tais como os que são característicos das lesões de tuberculose.
A estreptomicina foi o primeiro antibiótico a demonstrar eficácia contra a TB. Foi isolada a partir do fungo Streptomyces griseus. No entanto, assim que começou a ser prescrita, o fenómeno da resistência emergiu, como resultado da sua administração em monoterapia.
Os antibacilares de segunda linha são as fluoroquinolonas (levofloxacina, moxifloxacina e ofloxacina); a kanamicina, capreomicina, amikacina e viomicina; a etionamida; o ácido para-aminosalicílico; a cicloserina; e a tiocetazona. Os de 3ª linha ou fármacos do grupo 5 da WHO são os macrólidos (claritromicina, clofazamida, linezolid e isoniazida, em doses elevadas).
Entre os novos fármacos antituberculosos salienta-se:
A bedaquilina – um antibiótico pertencente à classe das diariquinolinas, com ação específica contra o M. tuberculosis, que demonstrou também atividade in vitro em micobactérias não tuberculosas.
Os derivados do nitroimidazol (delamanid e PA-824) – O Delamanid, anteriormente conhecido como OPC-67683, é um derivado do nitroimidazol, que demonstra atividade contra o M. tuberculosis, atuando através da inibição da síntese do ácido micólico.
O PA-824 é um derivado bicíclico do nitroimidazol que demonstrou possuir atividade específica contra o M. tuberculosis. Este composto de pequenas dimensões moleculares demonstrou uma atividade bastante apreciável quer in vivo quer in vitro em modelos animais, e a sua utilização revelou-se segura e bem tolerada.
A Dietilamina: SQ109 – O composto SQ-109 é um análogo sintético do etambutol que demonstrou possuir atividade quer in vivo quer in vitro contra bacilos de M. tuberculosis quer suscetíveis quer multiresistentes.
Benzotiazinonas – Foi identificada uma nova classe farmacológica com atividade antimicobacteriana, os derivados da benzotiazinona (BTZ); o composto principal, o BTZ043, demonstrou possuir atividade in vivo, ex vivo, e in vivo contra M. tuberculosis.
No que diz respeito ao tratamento, que dura entre 6 a 9 meses, é importante referir que a má adesão à terapêutica é responsável por falhas, desistências precoces, e o surgimento de estirpes farmacologicamente resistentes. Duas grandes intervenções para melhorar a aderência e evitar maus resultados são a "Directly Observed Therapy" (DOT) ou toma direta observada, e o uso de comprimidos com doses fixas combinadas.
Através da combinação de dois, três, ou quatro fármacos no mesmo comprimido, dependendo do regime a ser usado, evita-se a administração de um tratamento parcial ao doente, o que originaria seleção para resistência farmacológica. Em regra o tratamento nos primeiros dois meses faz-se com 3 ou 4 antibióticos e nos restantes meses com dois, mas a decisão compete ao médico assistente.
A tuberculose tem cura, mas também pode ser fatal, quando não diagnosticada e tratada. De facto, até pode ser prevenida.
A identificação e tratamento dos infetados é um dos meios de prevenção para que a infeção não se espalhe na comunidade. Mas a prevenção da TB é feita principalmente através da vacina, que, em Portugal, faz parte do Plano Nacional de Vacinação (PNV) e é administrada à nascença, nos hospitais.
Criada pelos investigadores Albert Calmette e Camille Guerin, a vacina B.C.G (Bacilo de Calmette e Guérin), começou a ser distribuída em 1921, tendo-se tornado o método profilático por excelência na luta contra a tuberculose. E embora não possua eficácia de 100 por cento, permitiu reduzir o número de casos de tuberculose em todo o mundo.
A BCG protege contra manifestações graves de primoinfeção com as disseminações de algumas complicações, mas não evita a infeção. É indicada para crianças de até 4 anos de idade, sendo obrigatória para menores de 1 ano (os recém-nascidos devem ter peso igual ou maior que 2 kg). É contraindicada nos casos de doenças dermatológicas, seja no local da vacinação ou generalizada, uso de imunodepressores ou esteroides e pacientes com HIV.
A vacinação pode salvar vidas. A bactéria Mycobacterium tuberculosis tem vindo a caminhar, silenciosamente, lado a lado com a humanidade, minando a sua saúde, estigmatizando os doentes e ceifando as suas vidas. Não arrisque... Vacine-se!
ARTIGO
Autor:
Tupam Editores
Última revisão:
09 de Abril de 2024
Referências Externas:
RELACIONADOS
Ver todosDOENÇAS E TRATAMENTOS
VARIANTES DO SARS-CoV-2 QUE SUSCITAM NOVAS PREOCUPAÇÕES
DOENÇAS E TRATAMENTOS
SÍNDROME DAS PERNAS INQUIETAS
DESTAQUES
Ver todosMEDICINA E MEDICAMENTOS
O DESAFIO DAS DOENÇAS EMERGENTES E REEMERGENTES
BELEZA E BEM-ESTAR