VACINAÇÃO
SOCIEDADE E SAÚDE
Tupam Editores
A vacinação é considerada uma das intervenções médicas mais bem sucedidas e eficientes em termos de custo-benefício, tendo já salvado mais vidas do que qualquer outra intervenção clínica e registando em Portugal um elevado nível de adesão das populações.
No decurso da última semana de abril, assinalou-se a Semana Europeia da Vacinação, promovida pela Organização Mundial de Saúde – Região Europeia, sob o tema "As vacinas resultam", com o objetivo de alertar as populações para a importância da vacinação em todo o ciclo de vida.
A implementação generalizada de programas de vacinação nas últimas décadas, levou a uma dramática redução da mortalidade e das sequelas de doenças antes muito frequentes. A Região Europeia da OMS foi certificada como livre de poliomielite em 2002 e os casos de sarampo na região foram reduzidos em mais de 90 por cento entre 1993 e 2007. As recentes notícias de alastramento pela Europa de uma epidemia de sarampo, não veio alterar o quadro de vacinação previsto, tendo no entanto sido tomadas precauções adicionais pela DGS e por todos os seus profissionais, no sentido de prevenir a disseminação, dado se tratar de uma doença que pode evoluir rapidamente em mau sentido.
Já no início da ano, a Direção-Geral da Saúde (DGS) havia lançado uma campanha para promover a importância da vacinação ao longo de todo o ciclo de vida e para divulgar as principais alterações introduzidas no Programa Nacional de Vacinação (PNV), que entrou em vigor no início de 2017.
"Ancorada em duas ideias essenciais – "Vacinas para a vida" e "Vacinar é proteger" -, a campanha da DGS pretende demonstrar a importância da vacinação ao longo do ciclo de vida, a proteção e segurança das vacinas, tendo em conta a alteração relativa à idade em que se vacina contra o tétano, e também, para as raparigas, da vacinação contra o vírus do papiloma humano (VPH), sublinhando a proteção e imunidade que a grávida dá ao bebé."
Todos os anos as vacinas salvam a vida a cerca de três milhões de pessoas em todo o mundo e previnem a invalidez a mais de 750 mil crianças, em consequência de doenças infecciosas.
Apenas o advento da distribuição de água potável às populações implicou uma redução da incidência de doenças infecciosas tão marcante quanto a vacinação. Nem mesmo a introdução de antibióticos teve uma ação tão determinante na redução da mortalidade.
Vacina (do latim vaccinae, "de vaca"), no sentido estrito, etimológico, designava uma doença infectocontagiosa que aparecia no gado vacuum, sob a forma de pústulas, cuja transmissão acidental ao homem conferia proteção contra a varíola.
A vacina é normalmente considerada um agente – microrganismo ou substância – que, quando introduzido no corpo de um indivíduo, por via oral ou injetável, gera imunidade a determinadas doenças. É um preparado antigénico que induz resposta imunitária protetora específica de um ou mais agentes infecciosos.
Classificam-se em dois tipos principais: vacinas vivas atenuadas e vacinas mortas ou inativadas. Nas vivas atenuadas o microrganismo (bactéria ou vírus), obtido a partir de um indivíduo ou animal infetado, é atenuado por passagens sucessivas em meios de cultura ou culturas celulares. Esta atenuação diminui o seu poder infeccioso. O microrganismo mantém a capacidade de se multiplicar no organismo da pessoa vacinada (não causando doença), mas induzindo uma resposta imunitária adequada.
Nas vacinas inativadas os microrganismos são destruídos por agentes químicos. A grande vantagem destas vacinas é a total ausência de poder infeccioso do agente (incapacidade de se multiplicar no organismo vacinado), mantendo as suas características imunológicas. Estas vacinas não provocam a doença, mas possuem a capacidade de induzir proteção contra essa mesma doença.
O antigénio da vacina é composto normalmente por microrganismos completos, mortos ou atenuados, ou por um seu fragmento. Deve ser imunogénico, ou seja, deve desencadear uma reação imunitária sem provocar a doença. Está presente em pequenas quantidades na dose da vacina, sob forma purificada, diluído em líquido estéril e por vezes combinado com adjuvantes, que amplificam a reação imunitária.
A primeira resposta do sistema imunitário a uma vacina ou ao agente infeccioso é, em geral, lenta e inespecífica. O facto de o agente com capacidade para se multiplicar rapidamente e causar doença, estar ausente na vacina, dá ao sistema imunitário um tempo precioso para preparar uma resposta específica e memorizá-la. Se no futuro a pessoa vacinada for realmente infetada, o sistema imunitário irá responder com rapidez e eficácia suficiente para a proteger da doença.
A reação individual a determinada vacina depende sempre dos antecedentes de estimulação do sistema imunitário do indivíduo, da genética subjacente às suas características, bem como do estado geral de saúde.
Embora sejam classificadas como medicamentos, as vacinas apresentam várias diferenças em relação aos medicamentos clássicos. A nível da ação, a vacina é preventiva e o medicamento é terapêutico; na vacina, o benefício é individual e a proteção e efeito não são percetíveis, pois o indivíduo não contrai a doença; no medicamento, o benefício é apenas individual e o efeito é visível porque normalmente ocorre melhoria do quadro clínico.
Apesar de atualmente as vacinas terem um elevado grau de eficácia, segurança e qualidade, podem no entanto ocorrer efeitos inesperados. O desencadeamento de reação adversa ou efeito secundário é um acontecimento não esperado e distinto do objetivo primário da vacina, que ocorre após a sua administração. As reações adversas mais comuns são dor, edema, eritema e rubor no local da injeção e febre, fadiga, irritabilidade, dor muscular e cefaleias.
A morbilidade e gravidade de qualquer uma das doenças preveníveis por vacina é sempre superior ao risco de vir a desenvolver reação adversa. Além da proteção individual que confere, a vacinação tem objetivos mais vastos e de maior alcance em termos de Saúde Pública.
Um dos maiores trunfos da ciência foi a imunização em larga escala da população, aventura que teve o seu início há mais de mil anos. Desde tempos remotos se sabia que, quando deflagrava uma epidemia, os sobreviventes não contraíam a doença de imediato. Quando a varíola irrompeu ao longo da rota da seda, entre a China e a Turquia, surgiu a ideia de inocular o pus retirado de um doente, numa pessoa saudável. Existiam riscos mas, ao desenvolver sintomas benignos, a pessoa ficava mais protegida da infeção fatal.
O que então se denominou de variolização foi importado para o ocidente no início do século XVIII. Porém, só em 1796 o médico inglês, Edward Jenner estabeleceu as primeiras bases científicas daquela prática empírica, contribuindo assim para um dos maiores avanços da medicina atual.
Na época, a varíola era uma doença aterrorizante, responsável por epidemias que dizimavam populações inteiras, com elevada mortalidade, cujas lesões, quando atingiam a face, deixavam as pessoas desfiguradas.
Edward Jenner teve a ideia de usar o vírus da varíola bovina, retirado das pústulas de vacas doentes, inoculando-o em camponeses ingleses com o objetivo de os proteger da doença. O termo então utilizado, "varíola vaccinae", significa, literalmente, varíola das vacas, termo que posteriormente daria origem à palavra vacina.
Esta era a única vacina conhecida até ao aparecimento de Louis Pasteur, 90 anos depois, já no final do século XIX. Pasteur foi o primeiro a compreender o papel dos microrganismos na transmissão das infeções. Usou vários processos para reduzir a infecciosidade dos microrganismos que utilizava para inocular os animais das suas experiências iniciais. Ao provocar a doença de forma muito atenuada, Pasteur ajudava o animal a defender-se das formas mais agressivas da doença.
Pasteur é frequentemente recordado por ter descoberto a vacina contra a raiva. Em 1885 vacinou um jovem pastor mordido por um cão portador da doença, com extratos de medula espinal de um outro, igualmente com aquela patologia, tendo-se tornado a primeira pessoa a sobreviver à doença.
Desde o século passado que se têm registado contínuos avanços nos vários tipos de vacinas. No início do século XX foram desenvolvidas vacinas contra doenças infecciosas como a tuberculose, difteria, tétano e febre amarela e após a segunda guerra mundial, contra a poliomielite, o sarampo, a papeira e rubéola.
Estão atualmente disponíveis em todo o mundo, mais de 50 tipos de vacina. Um dos maiores sucessos das várias campanhas de vacinação levadas a cabo foi a eliminação da varíola, declarada como erradicada em todo o mundo pela Organização Mundial de Saúde. em 1976.
No entanto, à medida que as doenças mais graves praticamente desapareceram, as pessoas deixaram de as temer tendo-se tornado menos vigilantes. Por esta razão, devido ao aparecimento de novas doenças, os desafios da vacinação permanecem.
À sida juntou-se a malária, a poliomielite ainda está presente em vários países (principalmente no hemisfério sul), a difteria reapareceu na Europa de leste e o sarampo voltou a preocupar as autoridades de saúde de toda a Europa.
Portugal tem vindo a acompanhar a história e o desenvolvimento da vacinação. É praticada no nosso país desde o século XVIII, havendo referência a inoculações contra a varíola datadas de 1793. No entanto, à exceção desta, a administração universal de vacinas somente foi levada à prática em 1965, com a implementação do Plano Nacional de Vacinação (PNV).
O PNV, que é atualizado a cada ano que passa, tem como objetivo assegurar o controlo das doenças infecciosas para as quais existem vacinas eficazes e seguras, cuja incidência, sequelas e letalidade são elevadas. Financiado na sua totalidade pelo Ministério da Saúde, o PNV é um programa universal, gratuito e acessível sem restrições a todas as pessoas residentes em Portugal, especificamente estudado para o nosso país, devendo por isso ser cumprido por todos.
O PNV tem sido um sucesso. A sua primeira versão englobava a vacinação contra seis doenças: varíola, difteria, tétano, tosse convulsa, poliomielite e tuberculose. Desde a sua implementação já foram vacinadas cerca de 10 milhões de crianças e vários milhões de adultos. Ao longo dos últimos 52 anos, a DGS tem coordenado o programa e a sua concretização deve-se aos profissionais de saúde em todo o país mas também à população portuguesa, cuja confiança na vacinação tem permitido poupar milhares de vidas e evitar consequências graves, principalmente nas nossas crianças.
A modificação do estado imunitário da população altera a epidemiologia e a apresentação clínica das doenças. O PNV é atualizado em função desta evolução e da disponibilidade de novas vacinas, com o objetivo de melhorar a sua qualidade.
Atualmente estão em vigor vacinas para prevenção da tuberculose, difteria, tétano, tosse convulsa, meningite provocada por haemophilus influenzae, meningite meningocócica (grupo C), hepatite B, poliomielite, rubéola, sarampo, parotidite e vírus do papiloma humano (HPV).
Para além destas, também são comercializadas em Portugal a vacina da gripe – recomendada para pessoas com mais de 65 anos, pacientes com doenças crónicas dos pulmões, coração, rins ou fígado, portadores da diabetes ou outras patologias que causem resistência às infeções e a vacina Prevenar. Esta última visa a prevenção da doença invasiva (bacteriemia, septicemia, pneumonia bacteriémica), em particular, e meningite provocada por streptococus pneumoniae.
O esquema cronológico das vacinações consiste na primovacinação e nas doses de reforço, sendo todas as doses válidas para efeitos de imunização (ou seja, a interrupção do calendário de vacinação não obriga ao seu recomeço). Existem ainda determinadas vacinas indicadas para a proteção de viajantes que se desloquem por regiões do planeta onde a frequência de certas doenças infectocontagiosas ainda é elevada. Nesses casos, o mais indicado é efetuar as consultas de saúde recomendadas pelo Ministério da Saúde, através dos Centros Regionais de Vacinação Internacional.
Apesar de a promoção e vigilância do estado de imunização da população competir, em primeira instância, aos profissionais de saúde, é essencial que todos os pais percebam a importância de observar o cumprimento do PNV.
A vacinação deve ser entendida como um direito e um dever dos cidadãos, que devem participar ativamente na decisão de se vacinarem, com a consciência de que estão a defender a sua saúde e a Saúde Pública e a praticar um ato de cidadania.
O objetivo da DGS e dos profissionais da saúde, é sensibilizar as populações para a importância da vacinação e reforçar o significado da sua adesão ao PNV, como meio de eliminar as doenças preveníveis, ações que em muito têm contribuído para o sucesso das iniciativas que se repetem a cada ano. Apesar dos bons resultados, é importante reforçar a identificação de bolsas de população suscetível e desenvolver atividades adicionais de vacinação junto delas.
As vacinas permitem salvar mais vidas e prevenir mais casos de doença que a maioria dos tratamentos médicos.
Através de um ato tão simples, podem ser evitadas doenças como a gripe (sazonal), gripe A, papeira, tétano, sarampo, rubéola, raiva, varicela, poliomielite, tosse convulsa (pertussis), tuberculose, hepatites A e B, cólera, difteria, doenças pneumocócica e meningocócica, encefalite da carraça, encefalite japonesa, febre amarela, febre tifóide, gastroenterite pediátrica rotavírus, doença por haemophilus influenzae tipo B e cancro do colo do útero.
Além daqueles benefícios, a vacinação preventiva contribui igualmente para combater o problema da resistência microbiana. Ao prevenir uma doença, a vacina reduz a necessidade de fármacos que combatam os microrganismos. Isto ajuda a manter a eficácia dos antibióticos pois, sempre que estes são usados de forma inadequada no tratamento de uma doença específica, pode perder eficácia, em consequência da mutação do microrganismo causador. Deste modo, quando uma doença é prevenida por vacina, o antibiótico é prescrito com menos frequência, travando assim o desenvolvimento de resistência.
A expressão "é melhor prevenir do que remediar (tratar)" aplica-se totalmente à vacinação. Os ganhos em saúde obtidos através do PNV ao longo dos últimos 52 anos são evidentes. A vacinação, além de constituir um ato para proteção da vida e da qualidade da saúde do indivíduo no futuro, constitui também um ato de proteção da comunidade, principalmente dos seus familiares, colegas de trabalho e amigos, o que se torna particularmente importante se o indivíduo vacinado, ou os que com ele estão em contacto, forem portadores de doenças crónicas graves.
Uma elevada taxa de cobertura de vacinação da população vai impedir a circulação dos agentes infecciosos (bactérias ou vírus) que provocam as doenças – a chamada imunidade de grupo –, o que leva à erradicação ou eliminação de doenças, como já aconteceu com a varíola, poliomielite e, por exemplo, com a difteria (sem casos em Portugal, desde 1993).
Atualmente a taxa de cobertura vacinal é, em média, igual ou superior a 95 por cento para cada vacina. Este elevado nível de taxas fica a dever-se à ação dos profissionais de saúde que divulgam os programas e ações, motivam as famílias e, de um modo geral, aproveitam todas as oportunidades para vacinar as pessoas. A vacinação é uma medida preventiva que contribui para aumentar a esperança de vida da população. O impacto sobre a mortalidade e a morbilidade de doenças endémicas e epidémicas é testemunho do papel determinante que esta assume na melhoria da saúde pública.
Por todas estas razões, e pela sua saúde e dos seus familiares, vacine-se!
ARTIGO
Autor:
Tupam Editores
Última revisão:
09 de Abril de 2024
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