ANTIBIÓTICOS, USAR COM MODERAÇÃO

ANTIBIÓTICOS, USAR COM MODERAÇÃO

MEDICINA E MEDICAMENTOS

  Tupam Editores

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O advento dos antibióticos, no final da década de 1920, revolucionou a ciência e catapultou a medicina para a era moderna. A sua descoberta, síntese e produção em larga escala permitiu reduzir marcadamente a mortalidade por doenças infecciosas, aumentando significativamente a esperança média de vida na segunda metade do século XX.

A sua capacidade para curar doenças infecciosas anteriormente fatais muito contribuiu para formar a ideia de que se trata de "remédios milagrosos", com "poderes" que excedem amplamente os que podem ser atribuídos às suas propriedades farmacológicas reais.

Em muitos países europeus os antibióticos são a segunda classe de medicamentos mais utilizados a seguir aos analgésicos. Infelizmente começamos agora a pagar um preço demasiado elevado pela sua utilização intensiva. O seu uso em excesso, e em muitos casos inadequado, na medicina humana, veterinária e até na agricultura, contribuiu para o aumento rápido da prevalência de microrganismos resistentes a estes medicamentos, outrora considerados "milagrosos".

Com o objectivo de sublinhar a importância da utilização dos antibióticos de forma responsável e pôr termo ao consumo desnecessário, foi instituído o Dia Europeu dos Antibióticos, celebrado a 18 de Novembro de cada ano.

A iniciativa, que se repete há quatro anos, partiu do European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC) e pretende alertar os profissionais e público em geral para o uso racional dos antibióticos e sensibilizar para os riscos decorrentes da resistência que tem vindo a desenvolver-se a estes medicamentos tão especiais.

Ao contrário de outros fármacos, o antibiótico tem implicações no indivíduo tratado mas também nos seus circunstantes e no meio ambiente, ou seja, o benefício é individual mas o risco é individual e coletivo.

O que é um antibiótico e como induz resistência

Os antibióticos, também denominados agentes antimicrobianos, são substâncias químicas, naturais ou sintéticas com capacidade para impedir a multiplicação de bactérias ou de as destruir, sem causar efeitos tóxicos para o homem ou animal.

Quanto aos mecanismos de ação, existem dois tipos principais de antibióticos – os de estreito espetro e os de largo espetro de ação. No primeiro caso, os antibióticos são ativos contra bactérias específicas sendo prescritos quando se conhece a bactéria causadora da infeção. Os antibióticos de largo espetro de ação são ativos contra um maior número de bactérias sendo utilizados quando se desconhece a bactéria responsável pela infeção ou quando esta é causada por diversas bactérias.

Em função da sua potência, os antibióticos podem possuir atividade "bactericida", se matam as bactérias, ou atividade "bacteriostática", se apenas inibem a multiplicação e o crescimento bacteriano. No último caso, o hospedeiro infetado tem tempo para ativar a sua resposta imunitária e eliminar o agente infeccioso. No caso de doentes com o sistema imunitário debilitado, incapaz de destruir o agente bacteriano, são preferencialmente utilizados antibióticos com ação bactericida.

A atuação dos antibióticos verifica-se por ataque à parede bacteriana, membrana celular ou outros constituintes bacterianos necessários à vida e reprodução das bactérias. Para ser eficaz e tolerável, o antibiótico precisa de ser uma substância nociva às bactérias mas relativamente segura para as células. Isto não significa que não possam surgir efeitos secundários mas, por definição, um antibiótico deve ser muito mais tóxico para os germes invasores que para o organismo invadido. De nada adiantaria eliminar as bactérias que causam a pneumonia se também se estivesse a matar as células do pulmão.

Desde a descoberta da penicilina, por Alexander Fleming, em 1928, surgiram centenas de antibióticos, alguns deles apenas utilizados em ambiente hospitalar. A sua grande maioria está incluída em oito grandes grupos designados por penicilinas, inibidores de beta-lactamase; cefalosporinas; monobactamos; carbapenemos; glicopeptídeos, macrólidos e lincosaminas; tetraciclinas; quinolonas e fluoroquinolonas; aminoglicosídeos; outros antibacterianos (tais como sulfonamidas, cloranfenicol, rifamicinas, linezolide, metronidazol e fosfomicina).

Apesar de serem medicamentos especiais, que devem ser protegidos, são muitas vezes utilizados de forma excessiva e inadequada. A maioria das infeções respiratórias é causada por vírus contra os quais os antibióticos não são eficazes. Nos casos de constipação, gripe, bronquite, faringite ou otite, este medicamento não proporciona melhoras nem cura as infeções. Um dos maiores problemas da medicina moderna é o uso indiscriminado dos antibióticos, o que tem levado ao surgimento de bactérias cada vez mais resistentes.

As bactérias apresentam resistência ao medicamento, quando determinados antibióticos específicos perdem a capacidade de as eliminar ou impedir o seu desenvolvimento. Sobrevivem na presença do antibiótico e continuam a multiplicar-se causando a doença mais prolongada ou, mesmo, a morte. Além disso, as bactérias resistentes podem propagar-se e causar infeções em outras pessoas que não tenham tomado antibióticos.

Nas últimas décadas a resistência aos antibióticos cresceu de forma exponencial, inicialmente no meio hospitalar e depois, na comunidade. Na atualidade, mais de 70 por cento das bactérias causadoras de infeção hospitalar são resistentes a, pelo menos, um dos antibióticos habitualmente usados para as tratar. A sua crescente resistência e a redução do desenvolvimento de novos antibióticos começam a pôr em risco a capacidade de tratar eficazmente doenças infecciosas, até há pouco tempo facilmente tratáveis.

A situação torna-se ainda mais grave com o aparecimento recente de novas estirpes resistentes a vários antibióticos em simultâneo, conhecidas como bactérias multirresistentes, que podem causar diferentes infeções, como pneumonia, diarreia, infeções do trato urinário, da pele e da corrente sanguínea.

Estas bactérias podem, eventualmente, tornar-se resistentes a todos os antibióticos conhecidos. Sem esta panóplia de fármacos surge o risco de se regressar à "era pré-antibióticos", em que os transplantes de órgãos, a quimioterapia, os cuidados intensivos e outros procedimentos médicos deixarão de ser possíveis. Estamos, assim, perante uma das maiores ameaças à saúde pública.

Os resultados de um estudo divulgado pelo European Surveillance of Antimicrobial Consumption (ESAC) revelaram que a taxa de resistência à última classe de antibióticos do mercado está a aumentar em quase todos os países do sul da Europa.

Portugal é um dos países da UE onde mais se recorre aos antibióticos e onde a taxa de resistência a estes fármacos é das mais elevadas, oscilando entre a sexta e a sétima posição de um conjunto de 28 países europeus com taxas de resistência consideradas altas. Entre nós a taxa de resistência a diferentes tipos de antibióticos ficou abaixo de 20 por cento, registando no último ano um decréscimo significativo do número de casos. De acordo com o ESAC, houve uma diminuição no consumo de antibióticos de 1,2 por cento mas, apesar da tendência positiva, Portugal continua acima da média europeia.

Dos microrganismos resistentes, e atualmente mais problemáticos no país, destacam-se os staphylococcus aureus resistentes à meticilina (MSRA); enterococcus resistentes à vancomicina (VRE); streptococcus pneumoniae resistentes à penicilina (PRP); enterobacteriáceas, produtoras de beta-lactamases de espectro alargado ou de carbapenemases; pseudomonas aeruginosa e acinetobacter baumanii resistentes aos carbapenemos. De realçar, igualmente, o aumento de infeções por clostridium difficile.

Uma das abordagens dos cientistas para combater a resistência aos antibióticos é reforçar a ação dos já existentes, modificando-lhes a estrutura molecular. Em alternativa, já são utilizadas moléculas "isco" que fazem com que enzimas produzidas pelas bactérias resistentes se liguem a esse "isco", deixando o antibiótico livre para destruir a bactéria. O ácido clavulânico é um exemplo deste tipo de moléculas, que enganam as enzimas, através do bloqueio das denominadas beta-lactamases, destruindo os antibióticos da família da penicilina.

Outra alternativa para resolver o problema da resistência aos antibióticos é aumentar o nível de interferência com os mecanismos responsáveis pela resistência, através da destruição da bactéria. Por exemplo, interferindo na transferência do material genético de determinada bactéria para outra, poder-se-ia eliminar a transferência de genes de resistência entre elas.

É altura de passar a mensagem e reagir para tentar mudar de paradigma nos comportamentos. Do "senhor doutor, à cautela não é melhor tomar um antibiótico?" teremos de passar para "senhor doutor, será mesmo necessário tomar um antibiótico?".

Continuam a existir inúmeros casos de doenças provocadas por vírus, tratadas com antibióticos. Dados do Sistema Europeu de Vigilância da Resistência aos Antimicrobianos (EARS) mostram que Portugal tem os valores mais elevados da bactéria MSRA entre os países europeus com taxas de resistência consideradas elevadas.

É imperativo disciplinar a utilização de antibióticos, que devem ser exclusivamente prescritos para infeções bacterianas específicas e não para infeções de origem viral. A população deve ser informada das vantagens e inconvenientes que derivam da utilização destes fármacos e consciencializar-se de que devem ser preservados. Isto passa pelo seu uso racional e responsável, evitando a automedicação.

Quando e como tomar

Em Portugal os antibióticos só podem ser vendidos mediante receita médica. Por isso apenas o médico pode realizar o diagnóstico correto e decidir se um antibiótico é, ou não, necessário. Devem ser prescritos para o tratamento de doenças causadas por bactérias e não para as infeções de garganta, gripes ou diarreias, na sua maior parte causadas por vírus.

Quando usados com precaução estes medicamentos "milagrosos" são uma ferramenta importante a nível médico para impedir ou tratar doenças infecciosas, estando o seu uso indicado apenas em infeções diagnosticadas como bacterianas, seguindo rigorosamente as indicações da prescrição médica.

A duração do tratamento e a dose a administrar dependem de dois factores – o tempo de circulação do fármaco na corrente sanguínea e o perfil de resistência da bactéria. É muito importante por isso que seja tomado na dosagem estabelecida, na quantidade de tomas diárias indicadas, respeitando sempre o tempo de duração do tratamento recomendado pelo médico, de maneira a criar uma concentração suficiente de antibiótico no sangue que provoque dano efectivo às bactérias.

Se assim não for, o combate ficará por conta do sistema imunitário, que poderá, ou não, debelar a infeção. Doses pequenas demais podem não ser eficazes e doses excessivas podem levar ao aparecimento de efeitos indesejáveis (náuseas, diarreia) com maior frequência.

Para a maioria dos antibióticos, o número de tomas diárias é de duas a três. Tomar antibióticos de forma irregular permite que as bactérias se adaptem e multipliquem aumentando o problema das resistências. Quando por qualquer motivo uma toma for atrasada, deve ser tomada logo que possível, mesmo que tenha decorrido algum tempo.

A toma de um antibiótico deve ser um ato responsável. A duração do tratamento não deve prolongar-se para além do tempo aconselhado pelo médico nem o tratamento deve ser interrompido, ainda que o paciente sinta melhoras. Não terminar a medicação vai permitir que algumas das bactérias mais perigosas possam sobreviver, reinfetando o doente e tornando a cura mais difícil.

Os restos de antibióticos guardados, quer sejam de pacientes que os usaram anteriormente quer de outra pessoa, nunca devem ser tomados, ainda que para patologias semelhantes. Antibióticos específicos são eficazes no combate a bactérias específicas, sendo errado supor que o medicamento usado por outra pessoa (ou algum dos guardados de outras doenças) proporciona resultados iguais. Uma toma inadequada de antibióticos pode ser prejudicial para quem a toma, mas também para a comunidade em que está inserido.

Para preservar a potencialidade dos antibióticos actualmente existentes, a sua utilização deve ser reduzida. Médicos, farmacêuticos e a população em geral devem evitar a utilização intensiva e abusiva destes valiosos medicamentos. A prescrição, dosagem e duração de tratamento do antibiótico no homem são extremamente importantes, mas também o seu uso controlado em pecuária e na agricultura, para se evitar a eliminação das bactérias benéficas, conjuntamente com a bactéria causadora da doença no homem.

Enquanto profissionais de saúde, médicos e farmacêuticos têm a responsabilidade e o dever de proporcionar aos doentes o acesso aos medicamentos e cuidados de saúde em condições de segurança, qualidade, eficácia e racionalidade.

No que respeita à problemática do consumo excessivo ou incorreto, o farmacêutico está habilitado e tem a responsabilidade particular de esclarecer qualquer dúvida sobre o antibiótico ou outro medicamento não sujeito a receita médica (MNSRM) e explicar aos doentes formas alternativas de aliviar sintomas de constipações e gripe sem recurso aos antibióticos.

É urgente sensibilizar a população e o doente em particular, para as atitudes e comportamentos mais adequados na utilização dos antibióticos, e conseguir mais e melhor saúde para o nosso país. A resolução do problema da resistência bacteriana deve começar por cada um de nós. Preservar, para manter a eficácia destes "medicamentos milagrosos", é uma responsabilidade de todos.

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
09 de Abril de 2024

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