GERONTOLOGIA, MORRER JOVEM O MAIS TARDE POSSÍVEL
MATURIDADE E REFORMA
Tupam Editores
Subordinado ao tema "A investigação e intervenção no idoso", decorreu, no final do passado mês de Janeiro, o VII Congresso Luso-espanhol de Gerontologia, organizado pela Escola Superior de Saúde de Bragança, que reuniu especialistas do envelhecimento, de ambos os lados da fronteira.
Etimologicamente, a palavra gerontologia deriva do termo geron (os mais velhos ou notáveis do povo grego), ao qual se une o vocábulo logos, equivalente a tratado ou grupo de conhecedores. Pode então definir-se gerontologia como a ciência que estuda o envelhecimento, sendo caracterizada pela sua multidisciplinaridade, pois nela convergem várias areas do saber como a psicologia, a medicina ou a sociologia. A sua abordagem é bio-psico-social com o objectivo de tornar a experiência de envelhecer num processo menos negativo e doloroso.
Não se deve confundir gerontologia com geriatria. Esta última é uma especialidade específica da medicina, que estuda os aspectos clínicos, preventivos e terapêuticos da pessoa idosa, esteja ela saudável ou doente. São duas ciências muito recentes, embora o seu alvo de estudo seja muito antigo. A gerontologia tem os seus primórdios após a Segunda Guerra Mundial com a fundação da Sociedade de Gerontologia nos Estados Unidos.
Em pouco mais de cinco décadas evoluiu e foi adquirindo importância devido a um fenómeno sem precedentes que começa a desenvolver-se por volta da segunda metade do século XX e que, actualmente, ganha proporções alarmantes nos países desenvolvidos: o envelhecimento da população! Este cenário tem repercussões a nível social, económico e cultural.
Do ponto de vista demográfico, a definição de envelhecimento está associada não apenas ao aumento da percentagem de pessoas com idade avançada, mas também com a diminuição do número de crianças entre os 0 e 14 anos, ou seja, com a inversão da pirâmide das idades. O envelhecimento também pode ser analisado na sua perspectiva individual, que assenta na maior longevidade dos indivíduos, isto é, no aumento da esperança média de vida. Nos países mais pobres situa-se à volta dos 63 anos e nos mais industrializados ultrapassa frequentemente os 75 anos.
Os factores que explicam o envelhecimento demográfico estão relacionados com o declínio das taxas de fecundidade e de mortalidade, e em particular com o aumento das expectativas de vida, propiciado pela melhoria das condições higiénico-médico e sociais. É um processo dinâmico, a que se denomina transição demográfica ou epidemiológica por começar a atingir regiões menos desenvolvidas. Espera-se que, dentro de 15 anos, países como o Brasil e a Índia estejam entre os seis primeiros na tabela da população idosa. Caracteriza-se também por ser gradual e descontínuo, pois a marcha para o envelhecimento foi desigual em cada região do globo.
Nos países desenvolvidos a elevação do nível de vida, que se traduz na urbanização das cidades, melhoria nutricional e das condições de higiene, saúde e ambiente, contribuiu para a redução das taxas de mortalidade até ao primeiro quartel do século passado. A introdução de testes radiológicos, assim como da vacina BCG no final da década de 40, e de todo um arsenal terapêutico de combate ao flagelo da tuberculose, só veio acentuar uma situação que já se verificava há muito tempo. Pelo contrário, os países subdesenvolvidos só viriam a beneficiar de tais condições, favoráveis ao aumento da expectativa de vida e decréscimo da mortalidade, a partir de 1960.
Actualmente o fenómeno é universal e pressupõe um novo desafio aos decisores políticos no que se refere à adequação de meios e recursos a longo prazo, pois a tendência para o envelhecimento é inevitável.
O crescimento da população idosa leva a um aumento dos recursos despendidos na saúde repercutindo-se a nível social e económico. Países como a Inglaterra, por exemplo, chegam a ter cerca de três vezes mais despesas com os idosos do que com o resto da população.
Gerir de forma eficiente os recursos disponíveis deve fazer parte de uma política de saúde cuidadosamente estudada e aplicada, devendo envolver também outras áreas. Torna-se prioritário, não apenas uma alteração dos comportamentos sociais e familiares, como também a reorganização dos sistemas de saúde: se por um lado se pretende a sua sustentabilidade no futuro, por outro, deve garantir-se o acesso de cuidados médicos a todos os indivíduos, em particular aos mais idosos, permitindo que o alargamento da expectativa de vida se faça com qualidade.
A Gerontologia tem dois objectivos bem definidos nas perspectivas quantitativa e qualitativa. Ao pretender prolongar a vida, adiando a morte, esta nova ciência também incide na melhoria da qualidade de vida das pessoas idosas, naquilo a que se denomina "dar mais vida aos anos".
Sendo interdisciplinar, divide-se em quatro vertentes ou subdisciplinas: a gerontologia biológica ou experimental; a clínica ou geriatria; a social e a gerontopsiquiatria ou psicogerontologia. A primeira categoria abrange o estudo dos mecanismos do envelhecimento e da sua etiopatogenia. Tem como objectivo retardar o envelhecimento, não apenas através da prevenção farmacológica, como também recorrendo a antioxidantes, à vitaminoterapia ou a outros agentes anti-envelhecimento.
O seu campo de acção vai desde a nutrição à imunologia ou ao efeito dos radicais livres sobre o organismo. Nesse sentido, está intimamente relacionada com a geriatria ou gerontologia clínica, cujo objectivo é o diagnóstico das doenças em adultos com idade mais avançada, o seu tratamento, reabilitação e reinserção no seu meio-ambiente, seja em casa ou em instituição.
Algumas doenças ou sintomas geriátricos manifestam-se quase exclusivamente nos idosos, embora também possam surgir em idades mais precoces. A diabetes, hipertensão, Alzheimer, depressão, Parkinson e osteoporose (ou ainda as artroses e outros reumatismos, determinados tipos de cancro e os acidentes vasculares cerebrais) surgem ou intensificam-se mais naquela faixa etária. Para além dos problemas de demência, o idoso poderá também ficar mais susceptível a fracturas, resultado da osteoporose e fragilidade óssea, incontinência, perturbações a nível do sono e da sexualidade, assim como problemas auditivos, visuais, de comunicação e da fala.
A adaptação e participação do indivíduo na sociedade e a sua influência no processo de envelhecimento tem um campo de manobra vasto na gerontologia social. Nela intervêm os mais diversos profissionais, como trabalhadores sociais, políticos, advogados ou arquitectos. Como ciências auxiliares recorre ainda à demografia e à epidemiologia, tendo como componentes essenciais o trabalho comunitário e a investigação, na medida em que pretende definir e aplicar políticas e programas que garantam melhores condições para o idoso.
Por último, a gerontopsiquiatria estuda os aspectos psicológicos e psiquiátricos do idoso. O seu objectivo é tentar descrever, explicar, compreender e modificar as atitudes do indivíduo à medida que vai envelhecendo.
A diversidade de conhecimentos que exige a abordagem ao idoso, assim como uma melhor compreensão dos mecanismos de envelhecimento, implica uma formação em gerontologia bastante extensa. A perspectiva de investigação deve ser básica e aplicada, pois o objectivo é intervir no sentido de melhorar as condições de vida do indivíduo.
São três os pilares em que assenta a formação do gerontologista: cuidados médicos e de saúde; uma componente psicológica, para além de uma base social/organizacional. Integra os conhecimentos do profissional médico, do psicólogo e do assistente social ou sociólogo, tendo como resultado uma perspectiva holística do indivíduo.
O que se pretende é a promoção de um envelhecimento saudável em que se empenhem várias sectores como a saúde, a educação, o trabalho e a segurança social, para além da justiça, habitação, turismo, transportes e novas tecnologias.
Embora o processo de envelhecimento, que se inicia mesmo antes do nascimento e perdura ao longo da vida, implique mudanças progressivas a nível biológico, psicológico e social, isto não significa que envelhecer seja um problema. É uma fase que faz parte do ciclo de vida. Por isso, o ideal é que seja mais uma oportunidade para viver de forma saudável e autónoma.
A saúde do idoso é o resultado do estilo de vida adoptado ao longo dos anos. A sua qualidade de vida numa idade avançada reflecte-se numa autonomia e independência em nível suficiente que lhe permita continuar a dar o seu contributo à sociedade.
Embora a Organização Mundial de Saúde (OMS) tenha estabelecido como limiar para se ser considerado idoso os 65 anos, independentemente do sexo ou estado de saúde, muitos idosos continuam saudáveis, activos e funcionais a partir dessa idade, constituindo um importante recurso a nível familiar, comunitário e até económico para um país. O número crescente de pessoas no extremo jovem do envelhecimento levou a que se restringisse mais as faixas etárias constituídas pelos "idosos jovens" (entre os 65 e 75 anos) e o "idoso velho" com idade superior a 75 anos.
Há ainda a considerar o denominado "envelhecimento do envelhecimento", que corresponde ao progressivo aumento do número de idosos no limite superior, ou seja, com mais de 80 anos. Para este grupo, que apresenta maior incidência de doenças, solidão e dependência, é canalizada grande parte dos recursos médicos e sociais, um dos principais efeitos do envelhecimento populacional do ponto de vista da geriatria.
Recentemente surgiu também um novo conceito denominado "esperança média de vida activa ou independente", sendo aplicado antes da manifestação dos processos incapacitantes e limitativos no indivíduo, ocasionados por doenças crónicas e degenerativas. Prolongar esta "esperança de vida activa" e reduzir a fase de dependência é o desafio da geriatria.
Sabendo-se que o factor cronológico não é determinante para retardar os ponteiros do relógio, o envelhecimento deve ser pensado ao longo da vida de uma forma preventiva. Desde cedo o indivíduo deve evitar comportamentos de risco como o consumo de álcool e tabaco, favorecendo a prática de uma vida saudável através do exercício físico e de alimentação adequada. Embora o limite biológico do ser humano, durante séculos, se tenha mantido inalterado à volta dos 85 anos, verificaram-se casos de indivíduos que superaram a barreira centenária, havendo muitos especialistas que consideram que a meta pode ser os 115 anos.
O mito de Matusalém – a personagem bíblica que, segundo a lenda, morreu aos 969 anos – continua a inspirar investigadores que concentram as suas pesquisas a nível celular com a ilusão de perpetuar a vida e a saúde.
Após a Segunda Guerra Mundial verificou-se um crescimento acelerado da população mundial, ocorrendo o que se denomina actualmente explosão demográfica. No entanto, este fenómeno foi diferente de região para região. Nos países industrializados assistiu-se, gradualmente, a um retrocesso da fecundidade com acentuada influência no crescimento natural. A preocupação, nestes países, começa a ser a dificuldade na substituição ou renovação das gerações. O novo papel da mulher na sociedade, a melhoria do nível de vida e um maior dispêndio na educação dos filhos, assim como as novas políticas de planeamento familiar, que generalizaram a utilização de anticoncepcionais, reflectiram-se na taxa de natalidade.
Num planeta já de si superpovoado, com cerca de 6000 milhões de habitantes, o grupo que mais cresceu e cuja tendência se mantém corresponde ao dos idosos, mesmo nos países em desenvolvimento. Dados demográficos das Nações Unidas indicam que, de 1980 até ao final do século passado, este grupo populacional cresceu cerca de três quartos nos países mais pobres, tornando preocupantes as projecções para o futuro.
Actualmente um em cada dez habitantes tem 60 anos ou mais e, se as taxas de natalidade e mortalidade continuarem em queda, em 2050 uma em cada cinco pessoas ultrapassará os 60 anos e em 2150, um terço da população terá essa idade.
O incremento da expectativa de vida da população é a ambição de qualquer sociedade, mas é igualmente importante investir na qualidade de vida dos que já envelheceram ou se encontram no início do processo.
Para isso, os cuidados que tradicionalmente eram proporcionados pelas famílias, como ainda ocorre em algumas regiões mais pobres, devem ser progressivamente substituídos pela intervenção do Estado ou outras formas de cuidados institucionais. As políticas governamentais devem ser orientadas no sentido de garantir aos cidadãos idosos e familiares a sua autonomia e independência face ao crescimento demográfico desta classe etária, racionalizando custos e humanizando os cuidados.
Os sistemas de saúde e de apoio social devem providenciar cuidados continuados de longa duração com equipas multidisciplinares e profissionais qualificados. Não apenas as famílias devem ser envolvidas, como também outros sectores da comunidade.
Nesse sentido, uma ideia inovadora que actualmente está a ganhar muitos adeptos é o projecto denominado age-friendly-cities ou cidades amigas do envelhecimento. Mais de 35 cidades a nível mundial participam nesta iniciativa desenvolvida pela OMS, tendo sido criados inclusive grupos específicos que detectam os problemas e dificuldades das populações envelhecidas, fornecendo informação com vista a optimizar as políticas governamentais.
De modo a proporcionar um envelhecimento activo, o projecto incide em várias áreas: construção de casas adaptadas, criação de emprego e de transportes adequados, constituição de espaços ao ar livre e existência de apoios comunitários a nível de serviços de saúde.
O objectivo é conseguir a plena participação e inclusão social de uma população que, por vezes, sofre com mais intensidade os problemas de isolamento e solidão com nítidas repercussões a nível mental e psicológico. A promoção da saúde nesta faixa etária deve incidir sobretudo na prevenção dos factores de risco susceptíveis de originar doenças incapacitantes e que limitem a autonomia e independência do idoso. O factor cronológico da idade pode ser contrariado por um envelhecimento funcional, por forma a que o indivíduo possa chegar à "fase outonal" exercendo todas as suas funções e mantendo a autonomia no desempenho das actividades diárias.
Um envelhecimento bem sucedido atinge-se quando a pessoa apresenta baixo risco de doenças e de incapacidade, um bom funcionamento mental e físico, assim como um envolvimento activo com a vida, que se traduz, posteriormente, na manutenção das suas competências sociais, produtividade, saúde e auto-estima. Pelo contrário, quando o idoso manifesta sentimentos de fragilidade, incapacidade, solidão e desamparo, com as consequentes patologias de fobias, hipocondria e depressões, é porque está em dificuldades na sua passagem pela velhice.
Por isso, é importante desenvolver a capacidade de adaptação do indivíduo às mudanças físicas, sociais e emocionais que ocorrem durante todo o processo. Esta capacidade é construída ao longo da vida e vai permitir criar reservas para, mais tarde, manter uma boa saúde física e psicológica. É o desejo que se formula de cada vez que se apaga mais uma vela de aniversário: muitos anos de vida mas, já agora, que sejam vivenciados com saúde e qualidade de vida!
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Autor:
Tupam Editores
Última revisão:
24 de Setembro de 2024
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