EXCIPIENTES!

EXCIPIENTES!

MEDICINA E MEDICAMENTOS

  Tupam Editores

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Chama-se excipiente a "qualquer matéria-prima que, incluída nas formas farmacêuticas, se adicione às substâncias activas ou suas associações para lhes servir de veículo, possibilitar a sua preparação ou estabilidade, modificar as suas propriedades organolépticas ou determinar as propriedades físico-químicas do medicamento e a sua biodisponibilidade". Porém, a sua utilização não se resume apenas à área farmacêutica. Também denominados aditivos, estes podem ser usados no sector alimentar, em cosméticos, produtos de saneamento, tecidos e equipamentos.

A utilização de aditivos para conferir propriedades específicas às várias misturas remonta à Babilónia. O código de Hamurabi, um dos mais antigos conjuntos de leis encontrados – que data a cerca de 2100 aC –, já estabelecia regras para a sua utilização na produção e venda de cerveja. Na antiguidade era costume juntar aditivos ao vinho para disfarçar o seu paladar acre, quando já estava estragado. Sabe-se também que na Idade Média foram estabelecidas leis específicas contra os vinhos aditivados.

O grande desenvolvimento dos excipientes ocorreu, porém, a par do crescimento da indústria farmacêutica.

Raras vezes um fármaco pode ser administrado isoladamente. Da composição de um fármaco fazem parte o(s) princípio(s) activo(s) – as substâncias que vão combater o problema – e os excipientes – os agentes não medicinais cuja função é solubilizar, espessar, diluir, estabilizar, conservar, colorir, aromatizar, suspender, retardar e/ou acelerar, entre outras, possibilitando, assim, obter formas farmacêuticas estáveis, eficazes, duradouras e atraentes para o consumidor/doente.

Os excipientes farmacêuticos constituem elementos de fundamental importância na formulação dos medicamentos, por exercerem um papel efectivo na obtenção da fórmula mais adequada ao uso e efeito terapêutico desejados, regendo e influenciando decisivamente a libertação do princípio activo neles contido.

Por isso, as propriedades biológicas, químicas e físicas das formas farmacêuticas são directamente afectadas pela qualidade e tipo de excipientes escolhidos, as suas concentrações e as interacções com o princípio activo.

Os vários tipos de excipientes

Os excipientes estão subdivididos em várias classificações funcionais, dependendo do papel que desempenham na formulação. Determinados excipientes podem ter diferentes papéis funcionais nos vários tipos de formulações. Nas cápsulas e nos comprimidos, por exemplo, a lactose pode ser usada como diluente ou espessante. Já em fármacos administrados por inalação de pó seco, como o caso de alguns antiasmáticos, pode ser usada como veículo.

Por outro lado, um excipiente pode ter diferentes graus, tipos e fontes, dependendo da função que irá desempenhar. Estas diferenças conferem ao excipiente propriedades físicas específicas, permitindo ao fabricante escolher, por exemplo, o grau mais adequado perante uma necessidade objectiva.

Os principais excipientes usados na indústria farmacêutica são os antiaderentes, os ligantes, os desintegrantes, os diluentes, os espessantes, os aglutinantes, os aromatizantes, os corantes, os edulcorantes, os deslizantes, os lubrificantes, os conservantes, os tensoactivos, os humectantes, os emulsionantes, os antiespumantes, os agentes de revestimento e os tampões, entre outros.

Os antiaderentes são usados para reduzir a aderência dos grânulos de pó à matriz ou às punções e para facilitar a libertação dos comprimidos, daqueles modelos.

Os ligantes, como PVP e o HPMC, são responsáveis pela firmeza e resistência dos comprimidos, assegurando, tal como o nome indica, a ligação entre os vários compostos do fármaco. De salientar que a firmeza de um fármaco é influenciada, não apenas por este tipo de excipientes, mas também pela força de compressão. Quanto maior for a quantidade de ligantes usados, menor será o poder deslizante do fármaco.

Os desintegrantes são usados com o objectivo de facilitar a expansão e dissolução do fármaco. Os mais utilizadas são, entre outros, a croscarmelose sódica, a polivinilpirrolidona reticulada, o amido glicolato de sódio e a celulose microcristalina.

Os excipientes que actuam como diluentes ou como espessantes são os utilizados em maior proporção aquando da produção de um fármaco. São estes compostos que tornam prática a produção de fármacos e mais fáceis de usar pelos consumidores/doentes. Podem, inclusivamente, propiciar a formulação de complexos absorbatos, responsáveis pela diminuição da velocidade de dissolução. Entre estes excipientes contam-se a lactose, a celulose microcristalina, o fosfato de cálcio dibásico, a glucose e o manitol.

Também os aglutinantes, como a goma arábica (acácia), gelatina e a Povidona, são usados para aumentar a viscosidade, formando, no momento da dissolução do fármaco, uma película que rodeia as partículas, podendo reduzir a velocidade de sedimentação das partículas, se existirem fluídos no local de absorção. Em alguns casos o uso de aglutinantes pode ajudar a dissolução ao hidrofilizar a superfície de contacto entre as partículas do fármaco e os fluídos do organismo. Estes podem ser adicionados na forma seca ou dissolvidos.

Os aromatizantes, tal como o nome indica, são usados para mascarar o sabor desagradável de um princípio activo, aumentando, assim, a probabilidade de o paciente tomar a medicação até ao fim. Existem aromatizantes naturais – extractos de fruta – ou artificiais. A um produto amargo, por exemplo, poderá adicionar-se menta, cereja ou anis e a um produto salgado poderá juntar-se pêssego, alperce ou alcaçuz. Mas se um produto for ácido juntar-se-á framboesa ou alcaçuz e se for excessivamente doce poderá juntar-se baunilha.

Já os corantes são adicionados para melhorar a aparência de uma formulação. A consistência da cor é importante, por facilitar a identificação do fármaco.

Tal como os aromatizantes, os edulcorantes, como aspartame, sorbitol, a sacarina, o acesulfame, são usados para tornar os fármacos mais agradáveis ao paladar ou para disfarçar odores desagradáveis. Os comprimidos mastigáveis, como os antiácidos, ou as formulações líquidas, como os xaropes para a tosse, são os fármacos que mais recorrem a estes excipientes. Por isso, o abuso dos xaropes para a tosse tem sido associado à decadência dentária, devido à presença destes açúcares.

Os deslizantes são usados nas formulações de comprimidos ou cápsulas para melhorar o fluxo das misturas em pó, uma vez que reduz a fricção e a coesão entre as partículas. São usados simultaneamente com os lubrificantes, porque não têm a capacidade de reduzir a fricção das paredes da matriz. Entre os excipientes usados contam-se o dióxido de silício coloidal e o talco.

Os lubrificantes impedem os ingredientes de se unirem. Desta forma são adicionados para garantir a fluidez dos pós ou dos granulados. Asseguram também que a formação e eliminação dos comprimidos possam ocorrer com a mínima fricção possível entre as paredes sólidas e as da matriz. São vários os lubrificantes. Entre eles podem referir-se o talco, o silício, o estearato de magnésio e a esterina vegetal.

Os conservantes são usados quer nas formulações orais sólidas, quer nas líquidas, para evitar a contaminação por agentes patogénicos, causadores de potenciais infecções fatais. O propilenoglicol e os parabenos são os excipientes mais usados nas várias preparações farmacêuticas, incluindo líquidas, tópicas e parentéricas. Em fármacos pediátricos é desaconselhado o seu uso em grandes quantidades, por poderem provocar lesões no Sistema Nervoso Central, nomeadamente nos recém-nascidos. Para conservar podem também ser adicionados, entre outros, antioxidantes, como as vitaminas A, E, C e o selénio, aminoácidos, como a cisteína e a metionina, e o ácido cítrico.

Os tensioactivos são responsáveis pela dimuição da TS e por facilitar o contacto entre os pós hidrofóbicos com os fluídos do tracto gastrointestinal. Um dos mais conhecidos é o lauril sulfato de sódio.

Os humectantes são usados para evitar que as formulações sequem, nomeadamente das pomadas e dos cremes. O sorbitol, o glicerol e o propilenoglicol estão entre os principais.

Já os emulsionantes são adicionados às emulsões com o objectivo de aumentar a sua estabilidade cinética, tornando-as estáveis e homogéneas. Os mais conhecidos são os polissorbatos e os ésteres de sorbitol. De modo a reduzir a efusão e a efervescência do fármaco durante a sua agitação, os cientistas usam os antiespumantes, como o simeticone.

Recorre-se aos agentes de revestimento para proteger os fármacos da deterioração provocada pelo ar e para facilitar a toma de comprimidos maiores ou amargos. Na maioria dos comprimidos é utilizada uma película de celulose, mas, ocasionalmente, são usados polímeros sintéticos e alguns polisacáridos. As cápsulas são revestidas com gelatina. Muitos fármacos são também revestidos como forma de protecção do suco entérico, podendo assim escolher-se o local do tracto digestivo onde vai ocorrer a sua libertação. Já os agentes-tampão como os gluconatos, os lactatos e os citratos, são utilizados para ajustar e estabilizar o pH de uma solução, prevenindo a sua alteração.

Nos comprimidos os excipientes-chave são os diluentes, os desintegrantes, os ligantes, os lubrificantes e os deslizantes. Nas suspensões orais líquidas os tipos possíveis de excipientes incluem os solventes, como a água, o glicerol e o propilenoglicol, os agentes-tampão, os conservantes, os antioxidantes, os emulsionantes, os antiespumantes, os espessantes, os edulcorantes, os aromatizantes e os humectantes.

Os efeitos nefastos dos excipientes

Desde os longínquos tempos da Babilónia que o ser humano tem vindo a ser exposto aos vários tipos de excipientes. Esta exposição maciça levou ao aparecimento de patologias tóxicas, que podem ter consequências graves na saúde humana. Consequentemente, foram desenvolvidas, ao longo do século XX, técnicas para analisar esses potenciais riscos.

Muitos investigadores da área farmacêutica apontam os excipientes como principais responsáveis por vários tipos de reacções adversas, salientando que ainda há um longo caminho a percorrer para diminuir esses efeitos colaterais. Notam que o problema devia ser abordado de uma forma mais adequada nos casos suspeitos. Segundo as estatísticas mais recentes, 10 a 20 por cento dos internamentos hospitalares devem-se a reacções adversas aos excipientes.

Entre os vários estudos realizados nesta área, salientamos o desenvolvido pelos investigadores do Centro de Farmacovigilância do Ceará (CEFACE), inserido no Grupo de Prevenção ao Uso Indevido de Medicamentos (GPUIM) do Departamento de Farmácia da Universidade Federal do Ceará.

Ao analisar os doze medicamentos mais vendidos no Brasil, entre Novembro de 2002 a 2003, nas suas mais variadas apresentações – desde supositórios, drageias, suspensões orais, aerossóis, vários tipos de comprimidos, a gotas, bisnagas e emulgel – perfazendo um total de 35, os investigadores identificaram cem excipientes. Nove destes – metiparabeno, propilparabeno, a tartrazina (corante FD&C amarelo nº5), bissulfito de sódio, benzoato de sódio, lactose, cloreto de benzalcónio, sorbitol e álcool benzílico – foram considerados potenciais causadores de efeitos adversos. Estes excipientes foram encontrados em sete apresentações de fármacos pediátricos e doze apresentações de produtos de venda livre.

Os conservantes em causa – metilparabeno, propilparabeno, os benzoatos, cloreto de benzalcónio e álcool benzílico – são os mais utilizados nas formulações farmacêuticas. Porém, há muito que vêm sendo reportados casos de reacções adversas a estes excipientes. No organismo parte dos parabenos são convertidos em ácido p-hidroxibenzóico, estruturalmente associado ao ácido acetilsalicílico, uma substância que frequentemente causa reacções de hipersensibilidade. O cloreto de benzalcónio pode provocar uma diminuição da função pulmonar e reações de hipersensibilidade em pacientes asmáticos. O uso de álcool benzílico em formulas injectáveis já foi responsável pelo colapso cardiovascular de recém-nascidos e pelo desenvolvimento de dermatite de contacto, náuseas e angioedema nos doentes idosos.

Os sulfitos, na sua grande maioria, causam dificuldades respiratórias, mas também já foram reportadas diarreia, náuseas e vómitos, cólicas abdominais, tonturas, urticária, edema local, exantema, cefaleias, desmaios, dor torácica, alterações da frequência cardíaca e coma, entre outras reacções.

Relativamente à lactose, a sensibilidade dos doentes varia em termos de gravidade, tendo sido reportados sintomas de diarreia, flatulência, dores abdominais, entre outros. O sorbitol tem sido associado a perturbações gastrointestinais, como diarreia e dores abdominais e a tartrazina pode ser responsável por reações de hipersensibilidade em pacientes com predisposição alérgica como anafilaxia, e por broncoconstrição, angioedema, dermatite de contacto, dores abdominais, entre outros.

Segundo os investigadores, é necessário, por um lado, que os clínicos tenham cada vez mais atenção às listas de excipientes aquando da escolha de um fármaco e, por outro, que os investigadores dos Centros de Farmacovigilância, responsáveis pela análise da relação de causalidade entre o fármaco e a reacção adversa suspeita, levem também em conta estas listas, por poderem atribuir o ónus da responsabilidade à susbtância activa em vez de ao excipiente.

A população pediátrica

Um dos factos que mais preocupou estes investigadores, e que igualmente preocupa a comunidade científica, é a presença destes excipientes em medicamentos pediátricos.

A incidência dos efeitos secundários dos medicamentos nas crianças varia entre 0,6 por cento a 18 por cento, sendo responsáveis por 0,6 por cento a 4,3 por cento dos internamentos hospitalares. Cerca de 38 por cento das crianças internadas correm perigo de vida, chegando mesmo a falecer.

De acordo com a American Academy of Pediatrics Committee on Drugs, o uso de álcool benzílico em fármacos de soluções salinas bacteriostáticas de uso endovenoso e em fármacos de soluções para lavagem do tubo traqueal foi associado à morte de recém-nascidos e a complicações metabólicas e respiratórias graves em prematuros de baixo peso. Foi igualmente verificada uma ligação entre a morbilidade, incluindo paralisia e atraso no desenvolvimento, e a exposição àquele excipiente, em neonatos sobreviventes. A Organização Mundial de Saúde tem também vindo a alertar para a toxicidade deste e de outros excipientes aquando da produção de fármacos, nomeadamente os pediátricos.

Alimentos e suplementos que actuam como excipientes

Existem vários factores externos à composição do fármaco que actuam como excipiente, alterando as suas características e podendo igualmente provocar efeitos secundários. Entre esses factores contam-se determinados tipos de alimentos e produtos naturais.

A toranja, o seu sumo e sementes podem ser nefastos para a saúde se ingeridos concomitantemente com alguns fármacos, como a ciclosporina, medicamentos para baixar a tensão, para o colesterol, para angina de peito, entre outros. Apesar de ser muito rica em vitaminas e de ser recomendada como adjuvante no tratamento de algumas condições, pode reduzir a eficácia dos fármacos prescritos para as áreas indicadas.

Alguns fármacos devem ser tomados apenas com água e em jejum, respeitando as horas do ínicio das refeições e demais recomendações expressas no Resumo das Características do Medicamento. A toma de determinados medicamentos com leite ou com bebidas alcoólicas podem provocar interacções, susceptíveis de potenciar ou reduzir o metabolismo do medicamento.

Também a Hypericum perforatum, mais conhecida por Erva de São João ou Hipericão, uma planta da família das Hiperricoidaea guttiferae, interage com alguns fármacos, nomeadamente inibidores da recaptação da serotonina, antiretrovirais e a varfarina, acelerando o seu metabolismo. O seu consumo, em concomitância com os contraceptivos orais, leva a uma redução da sua eficácia.

Se em "a importância de se chamar Ernesto" (the importance of being Ernest), a ignorância e o desconhecimento dos factos reais geraram uma grande e divertida confusão, que teve um final feliz, já na vida real o esquecimento e o desconhecimento da importância de um excipiente levam a um final pouco feliz, que pode, inclusivamente, causar a morte a muitos pacientes. Face ao conhecimento actual, devido às suas potenciais interacções, os excipientes não podem continuar a ser definidos como substâncias inertes. Consciencializar para a importância de se chamarem excipientes é uma obrigação.

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
17 de Outubro de 2024

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