BIPOLARIDADE

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  Tupam Editores

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Anoção de doença mental na opinião pública é, em geral, muito confusa e pouco correta. Há tendência para considerar negativamente as pessoas que sofrem de doenças do foro psiquiátrico sendo frequente a ideia de que as doenças mentais são qualitativamente diferentes das outras doenças.

Não raras vezes é relacionada com o indigente que deambula pelas ruas, que fala sozinho, com a mulher que aparece nos media reivindicando ter várias personalidades e com o homicida "louco" que os filmes exibem. Palavras como "maluco", "esquizofrénico", "psicopata" e "maníaco" são vulgarmente utilizadas na linguagem do dia-a-dia.

É muito comum imaginar que há uma "doença mental" única. Na verdade esta não é singular, sendo até demasiado comum, e não existe apenas uma doença psiquiátrica mas diversas e distintas. Considerada atualmente uma das doenças psiquiátricas mais graves, a doença bipolar ou distúrbio bipolar, segundo o CID-10, é, tal como é hoje definida, uma patologia recente. A partir do início dos anos 80 substituiu na nomenclatura médica oficial aquela que era, desde finais do século XIX, conhecida como psicose maníaco-depressiva.

Mas a sua história é muito antiga, visto remontar a Hipócrates. As primeiras inferências sobre depressão e mania tiveram origem nos séculos IV e V a.C. quando o médico utilizou termos como "mania e melancolia" para se referir a estas perturbações mentais. Porém foi Arateus da Capadócia, no século I d.C., quem escreveu os primeiros textos que chegaram aos dias atuais, referentes à unidade da doença maníaco-depressiva estabelecendo uma correlação entre a mania e melancolia como aspetos diferentes da mesma doença.

Em 1850, graças ao empenho de dois médicos franceses – Jean-Pierre Falret e Jules Baillarger – o transtorno bipolar foi descrito como doença. Investigando de forma independente, cada um deles produziu um trabalho sobre o mesmo distúrbio – Folie Circulaire (Insanidade Circular) e Folie à double forme (Insanidade de dupla forma), respetivamente.

Em 1896 o trabalho de um médico alemão, Emil Krapelin, tornou-se uma referência, que perdura até aos dias de hoje. Mas só em 1950 e 1960 os psiquiatras olham pela primeira vez para a doença bipolar tendo em consideração aspetos de "genética", sexo, idade, início dos sintomas e outros particulares.

Sabendo que o estigma e o preconceito para com a doença mental provém do medo do desconhecido e dum conjunto de falsas crenças originadas pela falta de informação torna-se fundamental conhecer a doença. Não só porque facilita o seu reconhecimento aos que dela padecem e aos outros, mas também porque possibilita uma maior ajuda aos doentes que carecem de um tratamento médico adequado e de uma solidária compreensão humana.

Conhecer e compreender para desmistificar

A Doença Bipolar (DB), tradicionalmente designada psicose maníaco-depressiva, é uma doença psiquiátrica caracterizada por variações acentuadas do humor, com crises repetidas de depressão e "mania".

Qualquer dos dois tipos de crise pode predominar numa mesma pessoa sendo a sua frequência bastante variável, podendo ser graves, moderadas ou leves. Dependendo dos sintomas, a doença pode ser classificada em bipolar I, bipolar II e perturbação ciclotímica.

O humor de alguém que sofre de DB oscila entre as pontas mais intensas da escala de emoções humanas, tal como um pêndulo, indo da tristeza profunda à euforia extrema. Estas viragens do humor, num ou noutro sentido, têm uma importante repercussão nas sensações, nas emoções, nas ideias e no comportamento da pessoa, com uma perda importante da saúde e da autonomia da personalidade.

É uma doença crónica, recorrente, e um problema de saúde pública, que afeta mais de 30 milhões de pessoas em todo o mundo, encontrando-se entre as 20 principais causas de incapacidade. Até cerca de dois por cento dos europeus virão a ter uma perturbação bipolar num dado momento da sua vida.

É tão comum nos homens como nas mulheres, e afeta pessoas de qualquer nível social ou antecedente étnico. O risco de desenvolvimento de uma perturbação bipolar é mais elevado nos jovens adultos, sendo que pelo menos metade dos casos surgem antes dos 25 anos de idade. Em Portugal, os especialistas estimam que 6 a 15 por cento das crianças e adolescentes sofram de DB. Em 60 por cento dos adultos a doença manifesta-se antes dos 20 anos e em 10 a 20 por cento dos casos, antes dos dez anos.

Estes doentes podem ainda desenvolver outras doenças em simultâneo. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), dois terços da população com DB também sofrem de perturbações de humor e ansiedade e mais um terço também tem problemas de abuso de substâncias psicotrópicas.

Além disso, está associado a um elevado risco de mortalidade. Aproximadamente 25 por cento dos doentes tentam o suicídio em alguma etapa das suas vidas e, destes, 11 por cento conseguem o intento.

Sabe-se que os transtornos bipolares estão associados a algumas alterações funcionais do cérebro, que possui áreas fundamentais para o processamento de emoções, motivação e recompensas. É o caso do lobo pré-frontal e da amígdala, uma estrutura central que possibilita o reconhecimento das expressões fisionómicas e das tonalidades de voz. Junto dela está o hipocampo, que é de vital importância para a memória.

Outro componente envolvido nos transtornos bipolares é a produção de serotonina no tronco cerebral (o cérebro arcaico), uma substância imprescindível para o funcionamento harmonioso do cérebro. Ao longo do tempo verifica-se mesmo uma perda de uma pequena porção de tecido cerebral.

Apesar de toda a investigação, até à data ainda não foi possível afirmar que "a doença é devida a" um erro químico, ou a nível molecular. São vários os fatores que predispõem para a doença, mas o seu conhecimento está ainda incompleto.

Causas, Sintomas e Diagnóstico

Os fatores biológicos (relativos a neurotransmissores cerebrais) e os fatores genéticos (familiares de primeiro grau de pessoas com DB têm um risco 8 a 18 vezes mais elevado de desenvolverem a doença) têm um papel essencial entre as causas da doença, mas os fatores psicossociais como o tipo de personalidade e o stress que a pessoa enfrenta têm igualmente um papel relevante no desencadeamento das crises.

Como já referido, a Doença Bipolar envolve ciclos de mania e de depressão, dois estados de humor que podem ser considerados como os extremos opostos de um intervalo.

Entre os sinais e sintomas de mania (ou episódios maníacos) incluem-se períodos de incremento de energia na produtividade sem necessidade de descanso; extrema irritabilidade; distração e falta de concentração; pensamentos extremamente rápidos e falar muito; pouca necessidade de dormir; crença não realista nas suas capacidades e poderes; gastar compulsivamente; aumento do estímulo sexual; abuso de drogas, particularmente cocaína, álcool e medicamentos para dormir (benzodiazepinas); comportamento provocante, inoportuno ou agressivo e negação de que algo esteja errado.

No episódio depressivo o doente passa por períodos de tristeza, ansiedade, sensação de vazio ou humor muito diminuído de forma persistente; sentimento de desespero ou pessimismo; sentimentos de culpa inapropriada, falta de esperança e de confiança em si próprio; perda de interesse ou prazer por atividades quotidianas, incluindo sexo; perda de energia, sensação de fadiga ou de estar a "abrandar"; dificuldade de raciocínio, concentração, memória ou tomar decisões; inquietação ou irritabilidade; dificuldades em dormir ou dormir excessivamente; perda de apetite e peso, e ganho de peso; dor crónica ou outro sintoma persistente não causado por doenças físicas ou acidentes; pensamentos repetidos de morte ou suicídio, e tentativas de suicídio.

A depressão e a mania graves podem ainda ser acompanhadas por períodos de psicose. Os sintomas psicóticos incluem alucinações (cheirar, observar, ou sentir coisas que de facto não existem) e delírios (falsas crenças baseadas no ilógico, apesar da existência de evidências em contrário).

Por resultar da alternância entre dois estados de humor extremos, a DB representa um desafio em termos de diagnóstico. Como em outras doenças mentais, a DB não pode ser identificada fisicamente pois não existem exames laboratoriais ou imagiológicos. O diagnóstico deve ser feito por um médico psiquiatra – elemento chave no tratamento – com base nos sintomas, curso da doença e, quando disponível, a história familiar do doente. Há que ter em conta o número de sintomas apresentados e o período em que persistem, tanto na fase da mania como na fase da depressão.

O reconhecimento dos diferentes estados do humor é essencial para que o paciente com DB possa beneficiar de um tratamento eficaz e evitar as consequências negativas da doença (destruição das relações pessoais, perda de emprego, suicídio), pois a boa notícia é que esta pode ser tratada e os doentes podem viver uma vida produtiva e feliz.

Formas de tratamento mais comuns

Por ser uma manifestação clínica complexa, a DB implica um tratamento multifatorial, que envolve tanto aspetos biológicos como psicossociais.

Os objetivos gerais do tratamento passam por avaliar e tratar exacerbações agudas, prevenir recorrências, melhorar o funcionamento entre os episódios agudos e fornecer assistência e apoio ao doente e respetiva família.

Em relação aos fármacos a prescrever, como para outras patologias, dá-se preferência aos que apresentem maiores evidências de ação e menores riscos de efeitos desfavoráveis à saúde geral dos doentes. As classes de medicamentos mais importantes para tratamento da sintomatologia da DB são os estabilizadores do humor e os antidepressivos. No entanto, o médico pode ter necessidade de recorrer a outros, como antipsicóticos, ansiolíticos e hipnóticos.

Os estabilizadores do humor são a base essencial da terapêutica preventiva das fases depressivas e eufóricas da DB. A par desta ação terapêutica essencial, estes medicamentos podem igualmente tratar crises de mania, hipomania e estados mistos, além de atenuarem os sintomas da depressão.

Existem atualmente no mercado três fármacos estabilizadores do humor comprovadamente eficazes: o lítio, considerado a primeira opção no tratamento das fases agudas da DB, o valproato dissódico e a carbamazepina. Cada um destes três estabilizadores do humor tem diferentes ações químicas no organismo. Se um não for eficaz ou produzir efeitos adversos persistentes, o médico tem a possibilidade de escolher outro ou de combinar dois em doses que permitam uma melhor tolerância e eficácia.

O uso de diferentes fármacos associados tem sido uma prática cada vez mais frequente. O ácido valpróico e a carbamazepina também são medicamentos comummente indicados, assim como outros anticonvulsivantes (lamotrigina, topiramato, gabapentina, oxicarbazepina), antipsicóticos atípicos (aripiprazol, clozapina, olanzapina, quetiapina, risperidona, ziprazidona) e antidepressivos (inibidores da monoaminoxidase (IMAO), tricíclicos, inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS)).

Tal como em outras doenças, também na DB "prevenção" é a palavra-chave. Os estabilizadores do humor são a base da prevenção. Cerca de um terço dos doentes fica completamente livre de sintomas com a manutenção estabilizadora apropriada.

A manutenção da medicação é outro aspeto essencial. Os medicamentos controlam mas não curam. Ao parar a medicação estabilizadora, mesmo depois de muitos anos sem crises, há um sério risco de recaída passadas algumas semanas ou meses.

A psicoterapia, em associação com os medicamentos, pode muitas vezes oferecer benefícios adicionais pois proporciona suporte, educação e orientação para o doente e respetiva família.

A eletroconvulsoterapia (ECT) é outra opção de tratamento a considerar, especialmente para os casos de mania grave, episódios mistos, casos refratários, ou que apresentem risco de suicídio e também em estados depressivos graves. De referir que durante a gravidez a ECT é o tratamento mais indicado, dado o risco de teratogenicidade dos fármacos.

A família e os amigos desempenham igualmente um papel importante. Tal como outras doenças graves, a DB representa uma sobrecarga importante para os cônjuges, outros familiares, amigos e superiores hierárquicos. Os familiares dos doentes têm, frequentemente, de lidar com problemas comportamentais graves (tais como despesas extravagantes) e com as consequências duradouras destes comportamentos.

Muitas vezes, após o diagnóstico da doença, sentem-se extremamente culpados e ficam preocupados por terem tido pensamentos de fúria ou de ódio e questionam-se em que medida poderão, eles, ter causado a doença ao não oferecerem apoio ou compreensão ao doente.

Este apoio, compreensão e encorajamento são extremamente importantes quando o doente inicia o tratamento pois pode levar algum tempo até que se encontre a melhor alternativa e decida sobre o esquema de tratamento mais adequado a cada paciente. Apesar de ser uma doença que pode causar grandes problemas na vida do doente, da sua família e da sociedade, é importante que este saiba que é possível controlar a DB, permitindo que a sua vida siga cursos tão normais e produtivos quanto possível.

Veja-se o exemplo de algumas personalidades com a doença, que tantas vezes coabita com a criatividade e a genialidade: Beethoven, Ernest Hemmingway, Edgar Alan Poe, Victor Hugo, Florence Nightingale, Jean Claude Van Damme, Vivian Leigh, Kurt Cobain, Mel Gibson e Van Gogh, do qual se destaca a obra "campo de trigo com corvos" pintada em 1890.

A parte superior do quadro, em tonalidades azul e negra, com corvos lúgubres voando em bandos, teria sido pintada num momento depressivo e a parte de inferior, do trigueiral, envolvendo tonalidades chamativas, claras e vibrantes, denotaria a alegria e entusiasmo de uma fase maníaca.

Na cultura portuguesa sabe-se que a DB afetou autores como Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro e Florbela Espanca.

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
09 de Abril de 2024

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