ÁLCOOL E GRAVIDEZ

ÁLCOOL E GRAVIDEZ

GRAVIDEZ E MATERNIDADE

  Tupam Editores

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De entre as substâncias conhecidas como teratogénicas (geradoras de malformações congénitas), o álcool é, provavelmente, o mais estudado.

O álcool (etanol) é uma droga lícita que tem o seu uso difundido em quase todo o mundo. É consumido, há muitos séculos, por homens e mulheres em festividades, liturgias, comemorações, entre outras ocasiões, e o seu uso pode causar dependência em pessoas predispostas ou submetidas a situações de depressão, stress ou ingestão excessiva e frequente.

A ingestão excessiva de álcool entre as mulheres grávidas constitui um dos problemas mais relevantes da dependência alcoólica. Sabe-se, desde os tempos bíblicos, que o álcool consumido por mulheres e ingerido durante a gravidez provoca efeitos nocivos no feto. Antigas civilizações, proibiam as noivas de se embriagarem na celebração do seu casamento, para que uma possível gravidez não viesse a sofrer com os efeitos da bebida.

Ainda que a prevalência de alcoolismo entre mulheres seja significativamente menor (cerca de 5,7 por cento) que a verificada no género masculino, o consumo abusivo e/ou a dependência de álcool trazem, reconhecidamente, inúmeras repercussões negativas à saúde física, psíquica e à vida social da mulher.

O tema gestação e mulheres que usam substâncias psicoativas, assim como as suas consequências para os recém-nascidos, tem sido foco de estudos científicos na atualidade.

As mulheres que ingerem álcool durante a gestação expõem os filhos a riscos, já identificados em vários estudos clínicos e experimentais, nomeadamente a nível de embriotoxicidade e teratogenicidade fetal, transformando-se num sério problema de saúde pública.

Nos Estados Unidos estima-se que 65 por cento dos fetos sejam expostos anualmente ao álcool, em graus diferentes, o que, só por si, torna fundamental uma avaliação adequada do problema, tanto para o desenvolvimento de um tratamento adequado, como na investigação de problemas relacionados com a ingestão da substância e eficácia das intervenções.

Complicações do consumo durante a gestação

O mecanismo fisiológico de nutrição fetal caracteriza, a partir do momento da fecundação, a relação de dependência entre a mãe e o novo ser em desenvolvimento, constituindo a realidade da integração de dois seres num mesmo organismo, suscetível a todas as ações ou influências que venham a envolvê-lo.

Nas influências entre o organismo materno e fetal, apesar de recíprocas, prevalecem as do organismo materno, distinguido como fonte nutritiva, cujas alterações se refletem no desenvolvimento embrionário.

No decurso da gestação, é por intermédio da circulação sanguínea materna que se realiza o transporte de nutrientes para o feto, após passar pela placenta, mediadora da nutrição e da eliminação dos resíduos fetais, podendo, de acordo com o tipo de substância presente na circulação materna, constituir-se uma barreira parcial ou total.

Tendo em conta os efeitos nocivos do álcool sobre a homeostasia placentária, assim como as necessidades variáveis dos diferentes períodos gestacionais, a ingestão de álcool pode facilitar a quebra da barreira placentária, tornando-a permeável, facilitando assim a absorção da substância pelo feto.

Neste caso o feto recebe as mesmas concentrações de álcool que a futura mãe. No entanto, a exposição fetal acaba por ser maior devido ao metabolismo e a eliminação serem mais lentos. Isto faz com que o líquido amniótico permaneça impregnado de álcool não modificado e acetaldeído, ocasionado pela ausência de enzimas em quantidade necessária para a degradação destas substâncias.

O comprometimento da evolução fetal pode ocorrer em reduzidas dimensões e sem defeitos morfológicos. Contudo, este pode observar-se no desenvolvimento global, que pode estar associado ao consumo de álcool, ou além disso com outras substâncias psicoativas e deficiências nutricionais durante a vida intrauterina, podendo induzir a malformações grosseiras.

Os efeitos teratogénicos do álcool sobre o feto em desenvolvimento dependem da ocasião e do nível máximo de exposição intra-uterina. Entre as complicações pré-natais provocadas pelo seu consumo, existe o risco de anomalias físicas e dimorfismo no primeiro trimestre, aumento de duas a quatro vezes na incidência de aborto espontâneo no segundo trimestre, problemas durante o parto, como risco de infeções, descolamento prematuro da placenta, hipertonia uterina, trabalho de parto prematuro e líquido amniótico com evidências de mecónio.

As teratogenias relacionadas com o uso de álcool pelas gestantes são denominadas como Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) e foram inicialmente descritas em 1973 por Jones, Smith e colaboradores.

Embora ainda em estudo, a SAF caracteriza-se geralmente por atraso no crescimento intra-uterino e pós-natal, redução da circunferência craniana, disfunção do sistema nervoso central, alterações cardíacas (defeito do septo atrial e do septo ventricular), alterações oculares (epicanto, ptose, estrabismo, miopia, microftalmia), alterações na coordenação motora, fissura palpebral pequena, atraso mental, deficiências cognitivas, hipoplasia maxilar, anomalias articulares, entre outras.

Embora existam estudos que ainda não demonstraram a associação entre a malformação fetal e uma ingestão leve a moderada de álcool, muitos investigadores referem que a SAF está diretamente relacionada com a quantidade absoluta de álcool ingerida pela mãe durante a gestação, onde o alcoolismo, de moderado a grave, pode aumentar a incidência dos riscos de alterações fetais, devendo considerar-se igualmente, além da quantidade, o tempo de exposição ao álcool e o estágio de desenvolvimento fetal para classificar as alterações.

O consumo moderado de álcool no primeiro trimestre pode ocasionar alterações no desenvolvimento do sistema nervoso central – o mais afetado pela síndrome –, atuando diretamente sobre a formação do túbulo neural.

Relativamente às anormalidades congénitas, salientam-se alterações morfológicas como microcefalia, fissura palpebral curta e maxilas hipoplásicas, entre outras relativas ao primeiro trimestre. O atraso no desenvolvimento e crescimento do feto revelam-se no segundo e terceiro trimestre gestacional, alcançando geralmente a proporção de 700g a menos nos recém-nascidos com SAF, em comparação com recém-nascidos normais.

Relativamente aos fatores neuro-comportamentais, entre os vários efeitos destaca-se a síndrome de abstinência neonatal, muito frequente nestes recém-nascidos, caracterizada por cianose, apneia, agitação, tremores e convulsões, sintomas que regridem após alguns dias.

Os recém-nascidos de mães que ingeriram quantidades moderadas ou elevadas de álcool podem também manifestar subtis alterações neuro-comportamentais como distúrbios do sono, alterações do ciclo sono-vigília, hiperactividade física e menor adaptação a estímulos aversivos. Já a exposição a pequenas quantidades foi associada a uma leve depressão da ativação do sistema nervoso.

Os efeitos neuro-comportamentais podem persistir além do período neonatal, como o atraso mental, défice de habilidade verbal, dificuldades de concentração, diminuição de captação de informações, hiperactividade e défice cognitivo.

Distúrbios comportamentais como excitabilidade, distração, problemas disciplinares, autismo e dificuldades de aprendizagem são comuns em crianças com SAF.

Quanto ao aspeto físico, estas crianças têm em geral uma aparência triste decorrente do dismorfismo facial. A fissura palpebral pequena é uma das características mais frequentes. O nariz é muitas vezes curto com ponte nasal baixa e narinas antevertidas. O filtro nasal é hipoplásico e o lábio superior é fino. Em alguns doentes pode haver posteriorização das orelhas.

A mandíbula geralmente é pequena ao nascer. Decorrentes da hipoplasia de face média, podem ocorrer alterações de arcada dentária, resultando em maloclusão dentária e disfunção da trompa de Eustáquio propiciando maior incidência de otites.

Os efeitos nocivos do álcool durante a gestação são já conhecidos e estão devidamente evidenciados, mas importa saber de que forma a substância atua no organismo.

Mecanismo de ação do álcool

Alguns autores sugerem que o etanol atua como um análogo da talidomida e a exposição do feto ao álcool em estágios críticos do desenvolvimento, poderia resultar em malformações. Outros, porém, acreditam que os efeitos do álcool se devem a uma ação direta da substância ou dos seus metabolitos.

De forma a entender os mecanismos de ação na SAF foram realizados estudos em animais que permitiram concluir que a metabolização do etanol é processada principalmente no fígado e tem início logo após a ingestão, sendo excretadas apenas quantidades mínimas pela urina.

O primeiro passo da metabolização do etanol é a oxidação a acetaldeído. Três sistemas enzimáticos realizam esta oxidação in vitro: a álcooldesidrogenase (responsável pela oxidação do etanol in vivo), a catalase e o sistema oxidante microssomal do etanol.

Devido ao seu pequeno tamanho e às propriedades de dissociação e polarização, o álcool é solúvel em água e relativamente solúvel em solventes não polares. Por esta razão, pode atravessar as membranas celulares e difundir-se por todos os líquidos e tecidos do organismo.

O etanol atravessa livremente a barreira placentária e distribui-se pelo líquido amniótico, atingindo os tecidos do feto. Os níveis sanguíneos materno e fetal são sensivelmente iguais após a ingestão materna de álcool.

Para tentar explicar o mecanismo de ação através do qual o álcool causa efeitos nocivos no organismo surgiram várias hipóteses. As mais aceites propunham que:

– devido à imaturidade das enzimas hepáticas do feto, haveria acumulação de um ácido gordo (FAEE, fatty acid ethyl esters), metabolito do etanol, que se foi aglomerando nos tecidos fetais, coração, placenta e fígado de ratos, após a ingestão materna de álcool durante um período de sete dias, que poderia causar ou contribuir para a embriopatia da SAF.

– o etanol alteraria o transporte ativo de aminoácidos através da placenta reduzindo a passagem de nutrientes essenciais para o feto, retardando assim o crescimento e a divisão celular.

– quando o etanol está presente na circulação sanguínea, o fígado consumiria 100 por cento do oxigénio para a sua metabolização. A falta de oxigénio implica uma menor capacidade de metabolização, e na libertação de catecolaminas pelas glândulas adrenais causando uma vasoconstrição, o que aumentaria a deficiência de oxigénio.

– o álcool provocaria um aumento da libertação de prostaglandinas em vários tecidos, aumentando a sua concentração na circulação fetal e a produção de mensageiros AMPc, que em níveis elevados afetaria o desenvolvimento do sistema nervoso central.

Não restam dúvidas de que a ingestão de álcool durante a gravidez acarreta complicações no desenvolvimento embrionário mas, e após o nascimento, durante a amamentação, existem riscos ou passam a existir benefícios para o recém-nascido?

O mito da cerveja preta

Um ato simples e pleno de amor como a amamentação também é rodeado por alguns mitos, um dos quais o de que a ingestão de cerveja preta aumentaria a produção de leite.

O mito nasceu em finais do século XIX, quando uma famosa indústria cervejeira norte-americana, numa ação de marketing, divulgou que o salsodinol, um dos componentes da cerveja preta, estimularia a produção de prolactina, a hormona responsável pela produção de leite.

Após várias investigações descobriu-se que esta substância não tem qualquer efeito na produção de leite. Afinal, o que faz com que a mulher produza uma maior quantidade de leite é uma maior ingestão de água, ou seja, líquidos.

O tempo passou e este mito, além de se manter como uma verdade, foi reforçado, pois a maior parte das mulheres sente mais prazer em ingerir uma bebida alcoólica (cerveja), do que água ou um sumo natural.

O pior é que as consequências desse ato não são as melhores. O álcool presente na cerveja, e em outras bebidas alcoólicas, interfere na qualidade, no sabor e no odor do leite produzido.

Ainda que uma mulher ingira um copo de cerveja e a quantidade de álcool no seu organismo seja mínima, no momento da amamentação ocorre a transferência para a criança, o teor alcoólico no sangue do recém-nascido torna-se muito mais elevado, fazendo com que esta fique embriagada e sonolenta, pois o álcool age diretamente no seu sistema nervoso central.

Por adormecer com facilidade, acaba por reduzir o tempo de amamentação, interferindo no sistema imunológico, ainda em processo de formação e que necessita dos anticorpos maternos para se defender de microrganismos. Dá-se então uma diminuição na produção de leite pois o bebé precisa de sugar e mamar para estimular essa produção. Não acontecendo, ocorre o desmame precoce.

Sendo assim, a ingestão de bebidas alcoólicas durante o período da amamentação não leva ao aumento da produção de leite, mas ao contrário, ao desmame precoce, e aqui os efeitos também são drásticos por interferirem na formação de um novo ser humano.

A gravidez é um, ou melhor, é o acontecimento da vida de muitas mulheres. Umas estarão mais informadas e preparadas que outras mas, independentemente do nível de preparação, existem sempre dúvidas e mitos transversais à maioria das mulheres que engravidam.

Não restam dúvidas, porém, quanto aos efeitos nocivos da ingestão de álcool na gravidez, não existe um "consumo seguro". Gravidez e álcool não combinam.

Viva a gravidez em saúde e prepare a saúde do seu filho!

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