INFERTILIDADE

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SEXUALIDADE E FERTILIDADE

  Tupam Editores

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O instinto natural de perpetuar a espécie, aliado à valoração que todas as culturas atribuem à maternidade e à paternidade, faz com que a maioria dos indivíduos as adotem como um importante objetivo de vida. Por isso, independentemente das pressões diretas e indiretas da sociedade e seus contextos, ter filhos torna-se num acontecimento coerente e inevitável.

A constituição de uma família é, de um modo geral, um sonho de qualquer casal. Nele se incluem a vida familiar, a extensão genética e as experiências com a gravidez, o parto, a amamentação e a educação de uma criança.

Descobrir que existe dificuldade em engravidar pode levar o casal a sentimentos dolorosos, de difícil compreensão e controlo. A confusão instala-se rapidamente, dando origem a sentimentos de frustração e de medo, sucedendo-se as perguntas. Porquê nós? Por que não conseguimos? Será que é para sempre? Será que nunca vou ser mãe/pai?

Por vezes os membros do casal isolam-se achando que não haverá solução para os seus problemas. Cada criança que vêem na rua com os seus amigos mais contribui para agravar a situação, sentindo-se diferentes e incompreendidos por todos. A infertilidade passa a ser assumida como um castigo, amplificando-se o sentimento de fracasso em ser mãe/pai.

Para estes sentimentos e perguntas contribui, muitas vezes, o total desconhecimento do que é a infertilidade e de que esta pode ter cura.

O primeiro estudo epidemiológico sobre infertilidade em Portugal, denominado Afrodite, realizado em 2009 por investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), revelou que cerca de 40 por cento dos inquiridos sobre infertilidade acreditavam que o problema estava associado à vontade de Deus, 31 por cento achavam que se tratava de uma questão de sorte ou destino e 52 por cento estavam convictos de que o uso prolongado de contracepção oral levava a infertilidade. Havia até quem pensasse (nove por cento) que a culpa era dos preservativos.

Para além de ter revelado um preocupante desconhecimento por parte da população sobre este problema de saúde, o estudo permitiu concluir que nove a dez por cento dos casais portuguesas (entre 260 a 290 mil casais) têm problemas de infertilidade. Outra das importantes conclusões do projeto Afrodite é que cerca de um terço das portuguesas inférteis desconhece a causa da sua infertilidade. Perante estes dados é importante dar a conhecer a doença que, por razões de vária natureza, tem vindo a aumentar nos últimos anos.

Infertilidade: as causas e o diagnóstico

A infertilidade é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) um problema de saúde pública, definido como uma doença do sistema reprodutivo (falência dos órgãos reprodutores, dos gâmetas ou do produto de conceção), que se traduz na incapacidade de obter uma gravidez após 12 meses ou mais de relações sexuais regulares e sem uso de contracepção.

Esta definição é válida para o casal com vida sexual frequente, plena de amor e prazer, em que ambos não conhecem qualquer tipo de causa de infertilidade que os atinja. Também se inclui na infertilidade toda a situação em que a gravidez é alcançada pelo casal, mas não chega ao seu termo de modo viável (abortamentos de repetição).

A infertilidade pode classificar-se em primária, quando não houve gravidez prévia, e secundária, nas restantes situações, ainda que tenha resultado em aborto ou ectópica.

Apesar de geralmente ser considerada como um problema da mulher, apenas uma parte dos casos se deve a causas exclusivamente femininas. Também pode ser devido ao homem e a situações de "infertilidade inexplicada", responsáveis igualmente por uma parte significativa dos diagnósticos de infertilidade.

No feminino, a doença pode dever-se a ausência de ovulação, insuficiente produção de progesterona a partir do corpo amarelo, obstrução ou lesão das trompas de Falópio (que transportam os ovócitos do ovário para o útero), impedindo os espermatozoides de alcançar e fertilizar o ovócito, ou problemas a nível do endométrio, que impossibilitem a adequada implantação do embrião. Além destas causas, a infertilidade pode também dever-se à não existência de quantidade suficiente de muco no colo do útero ou a este ser de má qualidade ou ainda por incompatibilidade entre o muco e os espermatozoides.

No homem, a infertilidade pode dever-se à má qualidade do esperma, número insuficiente de espermatozoides, espermatozoides com problemas de motilidade ou morfologia anormal, problemas sexuais, tais como a disfunção eréctil ou dificuldades na ejaculação, ou ainda ao bloqueio ou malformação dos túbulos que transportam o esperma.

A juntar a estes e à inexorável marcha do relógio biológico, existe uma série de outros fatores que influenciam a fertilidade.

Ao contrário do que se afirma e pensa, uma elevada frequência de relações sexuais é benéfica e não diminui a qualidade do sémen. Não devem é ocorrer com a intenção obssesiva de se alcançar a conceção por não haver contracetivo mais eficaz do que o desejo imperativo de ter um filho.

A infertilidade também pode ser hereditária. Nesse sentido deve avaliar-se cuidadosamente a história familiar no que respeita a casos de infertilidade, casamentos intrafamiliares e doenças genéticas, hematológicas, respiratórias, cardiovasculares, endócrinas, auto-imunes, renais, neurológicas, psiquiátricas e oncológicas.

Várias substâncias químicas e estados de saúde infuenciam a qualidade dos ovócitos e dos espermatozoides, podendo afetar o desenvolvimento da placenta e do feto. A nicotina, álcool, drogas, químicos industriais, poluição do ar, químicos alimentares, radiações, medicamentos, o sedentarismo, obesidade ou a magreza excessiva estão entre os fatores mais relevantes.

As doenças cardiovasculares, eritrocitárias, da hemoglobina e da coagulação e traumatismos ou acidentes sofridos também podem causar infertilidade, se lesarem os órgãos genitais ou causarem incapacidade para as relações sexuais. O stress ocupacional e o que está associado à infertilidade e aos tratamentos da doença – apesar de não provocarem diretamente alterações dos espermatozoides nem dos ovócitos –, são causa de infertilidade, afetando a conceção espontânea, a qualidade do sémen e a implantação.

Todos os pacientes que enfrentem dificuldades que envolvem a sua fertilidade devem passar, inicialmente, por uma avaliação médica. A partir dessa análise será possível solicitar os exames necessários para se obter um diagnóstico preciso do problema, assim como definir a alternativa de tratamento mais indicada para cada caso.

É importante referir que o diagnóstico da infertilidade é do casal, não é só da mulher ou só do homem, razão pela qual, no processo de avaliação, ambos devem estar presentes. É obrigatória uma boa história clínica, pessoal e familiar, seguida de um exame físico rigoroso e completo, e só posteriormente, para complementar a informação existente, devem ser pedidos exames auxiliares de diagnóstico.

Na mulher, a abordagem ao problema compreende análises clínicas para verificação dos níveis hormonais, avaliação ecográfica e exame ginecológico. Entre os vários exames consta o hemograma, urina II, com estudo do sedimento, serologias, estudo hormonal e imunológico, cariótipo, gráfico de temperaturas, citologia cervical, estudo microbiológico do exsudado vaginal e cervical, estudo da competência do muco cervical, ecografia pélvica endovaginal, histerosalpingografia, histeroscopia e celioscopia (laparoscopia).

Apesar de, no homem, o teste mais importante ser a realização de um espermograma para avaliação dos vários parâmetros de qualidade do esperma (número e concentração dos espermatozoides, características físicas do esperma, mobilidade dos espermatozoides, morfologia, etc), um hemograma, urina II, com estudo do sedimento, serologias, estudo hormonal, ecográfico e estudos genéticos, espermocultura, teste imunológico do sémen, e estudos especiais nos espermatozoides do sémen ou no tecido testicular, também fazem parte dos exames a requisitar.

Todos os exames mencionados são obrigatórios e devem ser efetuados antes do início de qualquer tipo de tratamento.

Se existe período stressante e gerador de ansiedade para o casal infértil é o do tratamento, que não é, de modo algum, algo fácil de se seguir. Trata-se de um processo demorado, e que implica por parte do casal uma disponibilidade total.

As opções terapêuticas disponíveis e o progresso da ciência

O tratamento da infertilidade é uma área da medicina complexa, sujeita a evolução e progressos constantes. Algumas pessoas comparam o seu início a uma viagem a um país desconhecido. O casal terá de se adaptar a uma nova linguagem e a um novo ambiente, novas rotinas e, naturalmente, a novas emoções.

A estimulação da ovulação, a intervenção cirúrgica, a inseminação artificial, os medicamentos fertilizantes, as técnicas de reprodução assistida (fertilização in vitro, entre outras) e a doação de esperma ou óvulo são os tratamentos mais utilizados atualmente. O tipo de tratamento de infertilidade irá sempre depender do problema ou problemas identificados.

Cada vez há mais casais, principalmente na faixa etária dos 30 aos 40 anos, a recorrer à fertilização in vitro para atingirem uma gravidez. No caso de ovulação irregular será recomendado fazer um tratamento de estimulação da ovulação, ou seja, a mulher terá de se submeter à toma de medicamentos que aumentem a quantidade e frequência de produção de óvulos.

Se existir um problema físico, como um bloqueio ou lesão interna, a solução poderá passar pela cirurgia. Por vezes o casal produz óvulos e espermatozoides em quantidade e qualidade adequadas, mas não se dá a fusão entre si, devido a eventual bloqueio nas trompas ou a dificuldades relacionados com as relações sexuais. Nestes casos poderá ser realizada a inseminação artificial, na qual se junta fisicamente os espermatozoides e óvulos no interior do útero, deixando a natureza fazer o resto.

A fertilização in vitro pode ser um recurso quando existem problemas com a mobilidade dos espermatozoides ou em casos de infertilidade sem causa aparente. Neste caso são colhidos óvulos e espermatozoides, que são juntos em tubo de ensaio no laboratório. Quando um ou mais óvulos estão fertilizados são repostos no útero da futura mãe, onde naturalmente se desenvolvem.

Se o problema tiver a ver com a quantidade ou a qualidade dos espermatozoides podem ser usadas algumas técnicas de micromanipulação para colocar um único espermatozoide no interior do óvulo, voltando a inseri-lo no útero.

As técnicas de reprodução assistida, por serem muito dispendiosas, são um dos últimos recursos a adotar. De entre as várias salienta-se a inseminação in vitro, a transferência intrafalopiana de gâmetas, transferência intrafalopiana de zigotos e a injeção intracitoplásmica de espermatozoides. Quando os casais não produzem óvulos ou espermatozoides a única solução passa pela doação de terceiros.

Na Maternidade Alfredo da Costa (MAC) já é possível, há alguns anos, realizar tratamentos de infertilidade com esperma de dadores, ainda que, tal como outras instituições públicas, não disponha de um banco de gâmetas – óvulos e espermatozoides. A pensar neste problema, e com objetivo de o resolver, foi criado o Banco Público de Gâmetas, a funcionar desde maio de 2011 no Centro Hospitalar do Porto (que engloba a Maternidade Júlio Dinis, o Hospital de Santo António e o Hospital Pediátrico Maria Pia).

Financiado pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), este banco de gâmetas veio renovar esperanças e representa mais uma solução para todos aqueles que precisem de recorrer a tratamentos de fertilidade pela doação de óvulos ou espermatozoides.

Um banco de gâmetas destina-se ao casal. À mulher com patologias do ovário, anomalia congénita, sua ausência, não produção de ovócitos ou de ovócitos maduros genética e estruturalmente normais, ou a mulheres com fracassos repetidos na fecundação in vitro; ao homem com patologias do testículo, anomalia congénita, sua ausência, com ausência de produção de espermatozóides, ou de espermatozóides genética e estruturalmente normais.

Para além de casais com problemas de fertilidade, também podem beneficiar do banco de gâmetas os doentes oncológicos cuja fertilidade venha previsivelmente a ser afetada com os tratamentos de rádio e quimioterapia.

De acordo com dados de 2013, os resultados corresponderam às expetativas. Nos dois primeiros anos de funcionamento, o único banco público de gâmetas português conseguiu resolver o problema de todos os casais inscritos na sua lista de espera para tratamentos de procriação medicamente assistida (PMA) com gâmetas de dador.

Também nesse ano, Portugal teve acesso a um novo equipamento que em todo o mundo aumentou significativamente as taxas de sucesso dos tratamentos, podendo vir a ser a salvação para muitos casais que lutam contra problemas de fertilidade: uma incubadora de última geração com a tecnologia de Video Time-lapse, que permite a vigilância e captação de imagens 24 sobre 24 horas de embriões em desenvolvimento, ou seja, possibilita a monitorização contínua de embriões destinados a técnicas de PMA, como a ICSI (Microinjeção Intracitoplasmática de Espermatozoide).

Disponível numa clínica de Medicina da Reprodução de Coimbra, o Embryoscope é considerado pelos especialistas como a maior revolução tecnológica ao serviço das técnicas de PMA.

Apesar da constante evolução da ciência, o desejo de ser pais e constituir uma família pode parecer sempre um objetivo inatingível, e uma "miragem", para alguns casais. É o caso de mulheres que nasceram sem útero ou que o perderam na sequência de acidente ou doença (nomeadamente oncológica). Para elas não existe outra forma de realizarem o desejo de terem um filho biológico senão optarem pela Gestação de Substituição.

Infelizmente, no nosso país, não obstante haver um parecer positivo do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, a gestação de substituição ainda é ilegal. Tal significa que as famílias que não têm outra possibilidade de ter um filho biológico ficam apenas com duas alternativas: ou desistem do seu sonho, ou recorrem a um país onde a gestação de substituição seja legal, correndo os riscos inerentes a tal decisão.

Para a Associação Portuguesa de Fertilidade (APFertilidade) – que luta desde a sua fundação para que a Gestação de Substituição seja uma prática legal –, é urgente encontrar uma solução para estas famílias. Defende, contudo, que a prática esteja disponível apenas para as mulheres que efetivamente tenham um problema clínico diagnosticado (por exemplo a ausência de útero ou um útero rudimentar) e que a doação do útero por parte da mulher que vai ser a portadora do embrião deva ser benévola, ou seja, isenta de qualquer compensação financeira.

Uma coisa é certa, independentemente do tratamento recomendado ao casal infértil, ou da solução que se encontre para resolver o problema, é importante aprender a lidar com a situação, até porque a infertilidade "dói".

Estratégias para lidar com a infertilidade

Ao longo de um tratamento de infertilidade o casal vive toda uma série de situações que passam, ciclicamente, da esperança à deceção. Os especialistas aconselham os casais inférteis a seguir determinadas estratégias que os ajudem, dia após dia, a lidar um pouco melhor com o problema.

Em primeiro lugar devem reconhecer a existência de uma crise. A infertilidade é um problema não só difícil de enfrentar, como também, e sobretudo, de solucionar.

Evitar os sentimentos de culpa. O espírito de culpabilidade é altamente destrutivo. O pensamento deve estar direcionado para o presente e futuro, e não para o passado.

Informar-se o melhor possível. O casal deve tentar manter-se atualizado em relação às novidades que vão surgindo no contexto mundial sobre a infertilidade.

Estabelecer um limite de tempo para a solução do problema. O tratamento da infertilidade não pode ser prolongado indefinidamente.

Avaliar o seu impacto financeiro. O ideal é definir um plano de custos (quanto se pode gastar, quando e em quê).

Ser otimista, mas sem cair na utopia. É preciso uma grande dose de otimismo para o casal enfrentar o tratamento de infertilidade, no entanto há que permanecer realista de modo a prevenir deceções maiores.

Colocar o problema em perspetiva. Para que o tratamento não se transforme na razão de viver do casal, é aconselhável fazer um esforço para manter algumas rotinas diárias (atividades culturais, exercício físico, compras, etc.) ou descobrir novas atividades, que ajudarão a criar alguma distância do problema.

E ainda que a constante evolução da ciência crie cada vez mais soluções e dê esperança a um maior número de casais inférteis, isto não significa que todos consigam concretizar o seu sonho.

O importante é não ter medo de enfrentar o problema; quanto mais cedo tiver acesso aos tratamentos de fertilidade maior a probabilidade de sucesso. Adiar pode ser a diferença entre o sucesso e o insucesso, entre a concretização do sonho e a eternização do problema.

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