ABANDONO ANIMAL

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  Tupam Editores

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"A compaixão pelos animais está
intimamente ligada à bondade de
caráter, quem é cruel com os animais
não pode ser um bom homem"

(Arthur Schopenhauer)

A relação do homem com animais de estimação remonta a cerca de 10 mil anos atrás. Cães e gatos são os animais que mais preenchem as necessidades físicas e emocionais dos seres humanos, e estão cada vez mais presentes nos núcleos familiares. Enchem a casa de alegria, encantam-nos com as suas travessuras, são lindos, pequeninos e tão ternurentos que gostaríamos de andar sempre a acarinhá-los.

Mas também dão trabalho, gastos e alguns incómodos. Exigem tempo disponível, rações de boa qualidade, fazem xixi pela casa toda, precisam de ser educados, treinados, levados a passear e necessitam de acompanhamento veterinário periódico. Muitas vezes crescem mais do que o previsto, transformando-se em potenciais destruidores de plantas, casas e jardins, e o seu temperamento não é exatamente o esperado.

Por estes motivos, muitos cães e gatos, mesmo ternurentos e travessos, acabam abandonados pelos seus donos, que não têm a mínima estrutura física ou psicológica para os manter.

Isto acaba por originar (e agravar) um dos maiores problemas que vivenciamos atualmente em relação aos animais de estimação: o abandono e os maus tratos, sendo Portugal um dos países da Europa com maior número de animais vadios, o que merece uma profunda reflexão.

Entende-se por animal vadio ou errante "qualquer animal que seja encontrado na via pública ou outro lugar público fora do controlo e guarda dos respetivos proprietários ou relativamente ao qual existam fortes indícios de que foi abandonado".

Esta definição abrange um número enorme de animais que constituem um problema de Saúde Pública a nível mundial, com sérias implicações a vários níveis, das quais se falará adiante.

Os números e as causas do abandono

Abandonar e maltratar um animal de estimação é crime e qualquer pessoa pode, e deve, denunciá-lo.

A 29 de Agosto de 2014 foi publicado em Diário da República, o aditamento ao Código Penal que criminaliza e pune os crimes de maus tratos e abandono de animais de companhia. O diploma prevê penas de prisão de seis meses ou multa de 60 dias para quem abandone animais de até um ano, ou multa de 120 dias para quem maltrata, e de dois anos ou multa de 240 dias em caso de maus tratos e morte subsequente.

Mas, ao que parece, o facto não tem dissuadido os proprietários de abandonar os seus animais. Pelo contrário, de acordo com os dados da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) o número de animais abandonados tem vindo a aumentar. Em 2008 foram recolhidos por canis e gatis em todo o território nacional cerca de 13 399 cães e gatos, cinco anos depois esse número disparava para os 29.645 animais, e só no ano passado o número dos que perderam o seu lar foi de 30 mil.

A culpa é da crise – é este o argumento cada vez mais utilizado pelas pessoas para se desculparem por não poderem cuidar dos seus animais de estimação. Mas as desculpas não ficam por aqui. De facto, o abandono de um animal, e muitas vezes de um animal doente e idoso, não é facilmente explicável ou, de todo, compreensível.

A maior parte dos abandonos ocorrem nos períodos de férias. Por se pensar que não existem muitas alternativas para deixar os animais, os donos optam por se livrarem do "empecilho" que não iria permitir a estadia neste ou naquele hotel, optando muitas vezes por abrir a porta do carro em movimento, por exemplo, na autoestrada, que o levará ao paraíso prometido, e provocará o inferno ao animal.

A gravidez da dona do animal é outra causa frequentemente mencionada. A falta de informação e a crença de que os animais são portadores de todo o tipo de doenças e o medo dos perigos de contágio, tornam o animal um alvo a abater.

É também frequente o abandono pelo facto de ter existido uma adoção irresponsável, sem se ter em conta que é para a vida toda e que implica um conjunto de obrigações que não foram ponderadas, como os custos financeiros para fazer face às necessidades de saúde e de alimentação, por exemplo.

Falta de conhecimentos para compreender e corrigir alguns comportamentos dos animais (porque ladram muito, porque marcam território, porque não são adestrados para fazer as necessidades fora de casa…), significam, muitas vezes, mais animais abandonados. Além destas, a reprodução indiscriminada, a doença e a velhice também os podem condenar.

A caça é outro motivo para o abandono de muitos cães. Com o fim da época da caça, torna-se desnecessário alimentar durante meses um animal que perdeu a sua única utilidade. Também não se pode ignorar outro tipo de abandono, associado a uma prática que já de si permite catalogar os donos dos pobres animais – a das lutas de cães. Não é raro que após a utilização do cão em lutas, quando o animal foi ferido e deixou de ser útil para um novo combate, também seja abandonado.

Há até quem abandone por vaidade. São os donos que vêem no seu animal um sinal de estatuto. Se uma outra raça ficar na moda, esta torna-se descartável. Há que mostrar aos amigos que tal como se compra um carro de último modelo, também se compra uma raça mais apreciada.

Depois há o abandono supostamente justificado, que decorre da incapacidade real do dono em continuar a manter o animal: porque se perdeu o emprego, porque a doença impede que se trate, porque o dono morre. Ainda assim, mesmo nestes casos o abandono não é a solução, e este tipo de atitude tem implicações mais graves do que se possa pensar.

As implicações do abandono na saúde pública

A questão impõe-se: de que forma pode o abandono dos animais implicar riscos para a saúde pública? Seja de forma direta ou indireta, existe uma variedade de problemas e riscos para a Saúde Pública, sendo os principais a mordedura, a transmissão de doenças infeciosas ou parasitárias, danos a nível ambiental, e até mesmo o próprio fator social, pela presença de animais maltratados e sem dono.

Em menor escala, o incómodo causado pelo ruído; a destruição de sacos do lixo; o propiciar do desenvolvimento de vetores como carraças, pulgas e mosquitos que podem transmitir zoonoses (doenças transmissíveis entre o cão e o homem); os acidentes que provocam a motociclistas e automobilistas, entre outros.

Não obstante poderem existir outros animais, quando se fala em animais vadios em zonas populacionais trata-se concretamente de cães e gatos. Embora as mordeduras por canídeos com dono prevaleçam sobre as que são causadas por animais abandonados, são estas últimas as que, frequentemente, causam maior preocupação.

Por não estarem vacinados e devido à sua vida errante, os cães vadios estão mais expostos a contrair doenças e à sua transmissão à espécie humana ou a outros animais. Estas doenças, que englobam cerca de uma centena de agentes patogénicos, apresentam diferentes vias de transmissão, tais como: mordedura; contacto direto ou indireto com as fezes e urinas; por vetores intermédios como certos insetos, ou por contacto direto com os próprios animais infetados.

Além destas, muitas outras doenças transmissíveis entre o cão e o homem têm causado grandes prejuízos à saúde humana ao longo dos tempos, como por exemplo a doença da febre da carraça ou febre escaro-nodular (Rickettsia conorii). No entanto, os parasitas mais frequentes nos canídeos são o Uncinaria stenocephala e o Ancylostoma caninum. Estes nemátodos podem originar uma grave patologia no homem denominada de Larva migrans cutânea.

A infestação pelo parasita Toxocara canis também tem graves repercussões na saúde humana caso ocorra a doença da Larva migrans visceral, que nas suas migrações pode atingir vários órgãos, inclusive o olho. Com menor prevalência aparecem os parasitas do género Isospora e Trichuris, estando ambos associados a distúrbios gastro-alimentares, podendo o segundo causar inclusive a síndrome de Larva migrans no Homem.

O impacto social também é relevante, pois embora algumas pessoas considerem que um animal errante faz parte do cenário urbano e que devem viver como selvagens, há quem acredite que estes animais devem ser capturados e retirados das ruas para os canis e gatis, mesmo sabendo que, na sua maioria, serão sujeitos a eutanásia e apenas poucos serão adotados e recuperados como animais domésticos de estimação.

E pensar que até existem várias soluções para combater o abandono e impedir o sofrimento atroz dos animais!

Alternativas ao abandono

É falsa a ideia de que um animal, se for abandonado, consegue "desenrascar-se", ou de que "alguém vai pegar no animal e levá-lo para sua casa". Não contemos com isso.

É um facto que o número de animais abandonados à mercê da sua (pouca) sorte dispara, sobretudo no verão, em época de férias, o que não deixa de ser irónico, pois não ter com quem deixar o animal de estimação já nem é necessariamente um problema. Ao longo dos últimos anos surgiram muitas soluções para que também os animais, sejam cães, gatos, periquitos ou mesmo um animal exótico, tenham direito a férias, e o dono a uns dias de descanso sem preocupações com o bem-estar do seu companheiro.

Entre hotéis para animais, serviços de "Pet-sitting" ou alojamentos que, para além dos donos, também acolhem os respetivos animais, a oferta disponível de norte a sul do país é muito vasta e para todos os gostos, e bolsas.

Para quem prefere que o seu cão ou gato não deixe o seu ambiente natural pode optar por contratar uma empresa de "Pet-sitting". Os Pet-sitters são profissionais que se deslocam a casa para prestar todos os cuidados de que o animal necessita – alimentação, higiene, os passeios diários, idas ao veterinário, etc. –, não havendo quebra na sua rotina diária.

Para quem, por outro lado, preferir deixar o animal num hotel nas férias, encontra muitas alternativas de oferta. Contudo, estes locais dedicam-se preferencialmente a cães e gatos, mas já existem alguns que albergam outras espécies como pássaros, roedores ou répteis, como é o caso do Pet Hotel do Jardim Zoológico. É uma questão de visitar alguns hotéis dedicados a animais próximos da área de residência e obter informações sobre o alojamento e serviços prestados.

Além destas opções, não excluir a hipótese de o levarmos connosco. As férias não têm de significar uma separação do nosso melhor amigo, nem sequer temporária. Existem diversos parques de campismo e hotéis que permitem aos donos fazer-se acompanhar dos seus animais de estimação.

Contudo, a solução mais económica, e não menos eficaz, pode passar por pedir a familiares, vizinhos ou amigos para tomarem conta dos animais enquanto a família estiver de férias, retribuindo depois da mesma forma. Para além da poupança económica, as vantagens passam por já conhecer as pessoas a quem vai confiar a vida e o bem estar dos seus companheiros.

Evitar o abandono até pode ser relativamente fácil. Por vezes basta que alguém possa acolher o animal durante uma fase menos boa que o dono atravesse. E, se uma solução deste tipo for inviável, as associações de defesa animal estão disponíveis para apoiar donos responsáveis que, por motivos reais de força maior, são obrigados a separar-se do seu fiel amigo.

Estratégias para prevenir esta atrocidade

Prevenir o abandono dos animais passa por uma consciencialização quer para o ato do abandono, quer para a adoção. É urgente acabar com as adoções imponderadas e impulsivas – adotar porque nos apaixonámos por um animal, porque o filho o pediu como prenda de aniversário ou de Natal, para que a avó não fique sozinha, ou, simplesmente, porque está na moda ter um cãozinho desta ou daquela raça.

As adoções imponderadas e impulsivas têm normalmente um único fim: os canis a abarrotar de animais à espera da morte, as estradas pejadas de animais nas bermas a definhar, as ruas infestadas de animais carentes, subnutridos e maltratados.

A adoção deve ser um passo responsável. Antes de a consumar, deve perguntar-se se tem realmente vontade de adotar, se tem espaço, tempo e condições financeiras para suportar a sua alimentação, higiene e cuidados de saúde. Adotar deve ser uma decisão discutida em família, onde foram contemplados todos os cenários, os agradáveis e os menos agradáveis (o ganir, o roer objetos, o xixi em casa, etc).

A questão financeira, sobretudo em épocas de maior dificuldade, é da máxima prioridade na hora de decidir avançar para a adoção de um animal. É importante avaliar a estabilidade financeira e o impacto no orçamento doméstico. Aquele pensamento comum de que "onde comem três também comem quatro" pode revelar-se enganador.

Se após refletir e ponderar muito bem cada um destes tópicos, chegar à conclusão que de facto quer (e pode) adotar um animal, então opte por um dos muitos canis, refúgios e associações espalhadas pelo país, e salve uma vida que já está em perigo.

A esterilização, como forma de controlar a população animal (muitas vezes indiscriminadamente reproduzida), e aumentar os esforços educacionais e as Leis para responsabilizar os proprietários dos animais são medidas que também previnem o abandono.

Tendo em vista a divulgação das mais recentes medidas de criminalização dos maus-tratos e abandono de animais companhia, o Comando Metropolitano de Lisboa (Cometlis) da PSP lançou recentemente a campanha "Maus-Tratos aos Animais são Crime".

Dos elementos da campanha fazem parte cartazes onde se lê que o "abandono de animais é crime" e fica a saber-se que as denúncias a esta atrocidade podem ser feitas através do e-mail defesanimal@psp.pt e do número de telefone 21POLICIA (217 654 242).

A esperança é de que com esta campanha de sensibilização para o não abandono, e contra os maus-tratos dos animais, passe a haver menos animais sem lar, até porque os animais não são brinquedos, decoração velha ou objetos descartáveis que se possam deitar fora quando já não precisamos deles, quando nos estão a incomodar ou quando se tornam um peso que não se previu.

Abandonaria o seu melhor amigo num parque? Deixaria alguém da família ao relento, a passar fome, frio e sede? Então, por que faz isso com o seu animal de estimação?

A dor do abandono que ele sofre é a mesma que sentiria se fosse deixado para trás por alguém em quem confia… Pense nisso!

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
09 de Abril de 2024

Referências Externas:

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