FERTILIDADE ANIMAL

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Que Portugal é um país pet friendly não restam dúvidas. Para a maioria das famílias portuguesas o cão ou o gato são desde há algum tempo um membro da família, que partilha o seu espaço habitacional, tendo-se tornado muitas vezes o centro das atenções.

É visível uma maior preocupação com o bem-estar e com o estado de saúde dos animais, o que se traduz em visitas mais regulares ao médico veterinário para que o fiel amigo mantenha a saúde em dia em todas as fases da sua vida.

Uma das fases que mais dúvidas levanta, e mais questões suscita, é o ciclo reprodutivo ou estral dos animais, mais conhecido por cio.

O cio é o estado cíclico de recetividade sexual extrema por que passam as fêmeas de muitos mamíferos, que se caracteriza por uma série de alterações fisiológicas favoráveis à fecundação e à gestação.

Desencadeando um comportamento atípico nos animais, o período requer atenção e cuidados especiais por parte dos donos – que precisam de tomar uma série de medidas e precauções caso não desejem a presença inesperada de uma ninhada de filhotes em casa. Refira-se que, numa estimativa aproximada, uma cadela no prazo de 6 anos gera indiretamente 64 mil filhotes e uma gata, em 7 anos, pode gerar 420 mil novos seres. Dá que pensar!

Como se esta fase não fosse já suficientemente conturbada, as pessoas que têm por companhia uma gata e uma cadela, têm de lidar com preocupações a dobrar, pois as gatas e as cadelas apresentam sinais variados durante o cio, que convém conhecer.

A época de "namoro" dos cães

Pode dizer-se que o cio é a época de "namoro" da fêmea canina (Canis familiaris) pois fora desse período ela não consente a cobertura pelo macho – que não tem épocas de cio, podendo por isso acasalar em qualquer altura.

Ainda que a chegada do primeiro cio varie bastante de uma cadela para outra, pois depende de fatores como tamanho, estado de saúde e nutrição, o início dos cios nas cadelas sadias ocorre geralmente entre os 6 e os 18 meses de idade. O intervalo entre os cios pode variar de 4 a 12 meses, sendo a média de 7 meses, e este intervalo pode ser regular ou variar individualmente. Já a duração do cio varia entre 15 a 21 dias.

O facto do cio nas cadelas seguir um padrão fisiológico de características, ou sinais, pode ajudar a identificar este período. Assim, a principal característica que indica a chegada do cio é o aumento do tamanho da vulva (parte externa do órgão genital da fêmea), podendo atingir três vezes o seu tamanho normal, e mudar de cor, ficando mais avermelhada. Pode ainda apresentar pequenas perdas de sangue, que à medida que o cio se aproxima, passam a ter uma coloração acastanhada.

Há cadelas que nesta fase lambem com frequência a vulva, o que dificulta a visualização de corrimento; contudo, ao observar o local onde o animal dorme, podem observar-se manchas de sangue no tecido, por exemplo.

As mudanças de comportamento são outro sinal de que a cadela pode estar a entrar no cio. A maioria das cadelas no estágio inicial do cio fica mais agitada, ansiosa e irrita-se com maior facilidade. Há mesmo fêmeas que passam a latir e que se tornam mais agressivas com pessoas e outros animais que consigo convívam.

Os comportamentos típicos de acasalamento são outra pista. Convém observar se a cadela "monta" machos, fêmeas, ou mesmo as pernas do dono ou de visitas. A posição da cauda é outro indício. Uma cauda enrolada ou para o lado, que facilita o acasalamento e deixa a área genital livre, também indica que a cadela pode estar no cio.

O ciclo estral da fêmea canina é totalmente influenciado pelas hormonas produzidas pelos ovários e consiste em quatro fases:

Anestro – período em que a cadela está normal. A sua duração é muito variável.

Proestro – período em que a fêmea atrai sexualmente os machos, a vulva fica dilatada, podendo ocorrer também um aumento das glândulas mamárias, mas recusa cruzar-se e não aceita o macho. Um corrimento vaginal sanguinolento, de origem uterina, significa que está a iniciar o proestro e esse pode cessar mesmo antes de começar o estro e tem a duração de 3 a 17 dias.

Estro – este é o período de cruzamento em que ocorre a ovulação, e quando a fêmea aceita o macho. Pode ocorrer um corrimento claro ou cor de palha que pode persistir durante toda a fase, com a duração de 3 a 21 dias.

Diestro – Tem início com a recusa da cadela à cobertura. A cadela torna-se novamente resistente à procriação e menos atraente para os machos. O corrimento vaginal torna-se mucoso antes de parar e a vulva volta ao seu tamanho original. Pode durar em média 70 dias. É o período de prenhez para as cadelas que foram fecundadas e de gravidez psicológica nas que são suscetíveis.

No período em que ocorre o sangramento vaginal – que nalgumas cadelas é intenso, chegando a gotejar –, o dono pode utilizar cuecas ou fraldas próprias para cadelas, disponíveis em lojas da especialidade, a fim de manter a higiene do ambiente e do animal.

As cadelas que nunca cruzaram (primíparas) devem ser submetidas a um exame veterinário antes do cruzamento, para averiguar a sua saúde geral e, especificamente, excluir quaisquer problemas que poderiam ocorrer durante o cruzamento ou parto.

Os donos devem aguardar que ocorram dois cios regulares antes de deixarem que as primíparas se reproduzam, permitindo que haja amadurecimento adequado dos órgãos reprodutivos e não traga prejuízos ao crescimento do animal.

Os índices de conceção e o tamanho da ninhada são influenciados pela idade da fêmea. Quanto mais idosa for a cadela, menores as hipóteses de ocorrer fecundação e, quando esta acontece, menor será o número de crias.

Após os cinco anos de idade aumentam as hipóteses de mortalidade neonatal, e após os 8 anos de idade da fêmea a duração e frequência dos ciclos torna-se menos regular, aumentando o intervalo entre os cios. No entanto, as cadelas possuem cio toda a vida, mas não entram em menopausa, como as mulheres.

É também importante referir aqui o chamado "cio seco", em que a cadela com cio não apresenta sangramento vaginal, o que dificulta a identificação do momento certo para acasalar, e levando alguns donos a relatarem ao médico veterinário que a sua cadela nunca esteve com o cio.

Quando o objetivo se centre na reprodução, o criador pode recorrer a um exame citológico vaginal, com a finalidade de detetar em que fase do ciclo estral a cadela se encontra. Dependendo do resultado, pode descartar-se ou determinar a data provável para realizar o acasalamento. Além disso, através da citologia pode detetar-se ainda enfermidades como, ciclos reprodutivos anormais, infertilidade, piometra, vaginite e neoplasia; ou a presença de espermatozoides no esfregaço, confirmando uma cópula recente.

Independentemente do tipo de cio, convém ter em mente que as cadelas apresentam uma grande variabilidade no que respeita ao seu período fértil, pelo que, se não desejar que ela tenha uma ninhada inesperada, o melhor é não permitir qualquer contacto com machos durante todo o período de cio. Este método, no entanto, pode falhar, mas existem outros métodos mais seguros que impedem uma prenhez indesejada.

O cio das gatas

Lidar com uma gata durante o cio não é tarefa fácil. Miar exaustivamente, noites sem dormir, vizinhos incomodados, escapadelas de casa e inclusive marcações de urina por toda a casa, são sinais de cio que os proprietários das fêmeas felinas bem conhecem, e consideram difíceis de suportar.

Tal como nas cadelas, a idade média da puberdade nas gatas domésticas é variável. As gatas costumam iniciar o estro ao atingirem 2,3 a 2,5 kg, ou seja, 70 por cento do seu peso corporal médio, o que ocorre entre os 6 a 9 meses de idade; no entanto, alguns animais entram na puberdade aos 3 a 4 meses, ou até aos 18 meses de idade.

Apesar de as raças e as variações na linhagem manifestarem certo grau de hereditariedade na maturidade sexual, acredita-se que o principal fator responsável tanto pela maturidade sexual quanto pela capacidade de produzir ciclos periódicos seja a quantidade e a duração de luz solar recebidas fora de casa, ou de luz artificial dos apartamentos.

A atividade reprodutiva pode chegar aos 14 anos, mas com o tempo o número de crias por ninhada, e o próprio número de ninhadas tendem a diminuir.

Ao contrário das cadelas, as gatas são consideradas poliéstricas estacionais (de estação) ou sazonais (a sua atividade sexual não é contínua ao longo do ano) ou seja, a ocorrência do seu ciclo depende da época do ano, ou mais especificamente da duração da luz do dia, mais longa em épocas quentes e mais curta no frio. Poliéstrica, pois apresenta vários períodos de cio durante essa época.

No entanto, as gatas que vivem num apartamento podem demonstrar um comportamento atípico, que se denomina de "cio constante". Isto deve-se ao facto de estas fêmeas estarem sujeitas a mais horas de luz, devido à luz artificial no interior da casa. Por este motivo, gatas que vivem em casa podem não passar pelo período de descanso sexual (anestro), que ocorre normalmente entre cios, e apresentam cio durante todo o ano.

As gatas possuem ciclos estrais entre duas a três semanas na primavera, verão e outono. Estes ciclos são divididos em proestro, estro, interestro, diestro e anestro.

O proestro apresenta uma duração média de 48 horas, podendo variar de 1 a 4 dias. Nessa fase, a fêmea exibe pouco ou nenhum edema vulvar, além de mínima descarga vaginal fluida e transparente. Por essa razão, e ao contrário da cadela, é difícil distinguir o proestro do estro. O proestro é difícil de detetar clinicamente pois algumas gatas expressam comportamento de estro e aceitam o acasalamento sem este período de transição preliminar.

As alterações observadas na citologia vaginal da gata são menos reveladoras e características do que são na cadela, e é necessária grande experiência para ser capaz de analisar adequadamente o esfregaço.

O estro tem início quando a gata permite a cópula e termina quando ocorre a primeira recusa. Em geral, o estro tem duração de 2 a 19 dias, mas esse período é afetado pela estação do ano, pela raça e pela ocorrência ou não da ovulação.

A gata é uma espécie considerada de ovulação induzida mediante reflexo (sem cópula não ocorre ovulação) isto é, um estímulo do coito (o pénis do macho) induz um reflexo de disparo neural que estimula o hipotálamo a sintetizar e libertar a hormona de libertação da gonadotropina (GnRH), que então estimula a libertação da hormona luteinizante hipofisária (LH) que promove a ovulação.

Existem evidências que sugerem que as gatas podem ovular espontaneamente sem acasalamento. Na ausência de acasalamento ou ovulação espontânea, são observados períodos de cio com intervalo de 10 a 14 dias, podendo variar de 0 a 20 dias durante toda a estação reprodutiva.

O intervalo sem evidência de estro é denominado de interestro – é o período entre um estro não ovulatório e um novo ciclo estral subsequente, onde a fêmea não exibe sinais físicos ou comportamentais de atividade sexual.

A fase luteal pode ser denominada diestro, que quando seguida de gestação, tem uma duração de 62 a 71 dias. Ocorrendo uma ovulação não seguida de gestação, o diestro irá apresentar-se como pseudogestação, e dura de 25 a 45 dias. Esta fase não está associada a alterações no comportamento.

O anestro é um período de inatividade sexual, onde os ovários têm dimensão reduzida apresentando folículos na sua superfície com um diâmetro de 0,5 mm em média. Este período pode estar ausente em animais submetidos a longos períodos constantes de luz diária.

Neste período não se observam evidências de atividade uterina e ovárica, e a fêmea rejeita a aproximação do macho. Exibe mesmo comportamentos agressivos para se libertar de uma monta indesejada. Os sinais olfativos oriundos da região vulvar aparentemente são repulsivos para alguns gatos, que se afastam após cheirar o períneo da gata.

A forma de lidar com a reprodução dos animais, cães ou gatos, deve estar entre as preocupações dos futuros donos de um animal de estimação. Atualmente o facto já nem é um problema pois muito se tem estudado sobre o assunto, existindo já uma série de alternativas que evitam o aparecimento do cio e de ninhadas indesejadas.

O médico veterinário é o profissional habilitado para esclarecer todas as dúvidas e aconselhar sobre os métodos mais adequados a cada animal de companhia.

Controlar a natalidade: a contraceção das fêmeas

O controlo da natalidade é uma prioridade para a maior parte dos donos de animais, não só por motivos práticos, mas também por motivos económicos. A contraceção é também a forma mais ética de evitar o abandono e outras situações mais extremas.

Os métodos contracetivos em cadelas e gatas dividem-se em cirúrgicos e não cirúrgicos. O método cirúrgico inclui a ovário-histerectomia (OSH) e a ovariectomia (OVE), e o método não cirúrgico inclui o uso dos fármacos contracetivos. A OSH consiste na remoção do útero e dos ovários, e a OVE é a remoção cirúrgica apenas dos ovários – uma técnica menos invasiva e com menor risco de complicações.

O procedimento cirúrgico é o mais comummente realizado na prática veterinária e além de um método de contraceção que atua no problema da superpopulação animal, atua igualmente na prevenção de doenças relacionadas com o sistema reprodutor.

As indicações são várias, entre elas a redução do risco de doenças mamárias (neoplasia) e uterinas (piometra), prevenção de doenças do ovário (tumores e quistos), doenças progesterona-dependentes (pseudogestação, hipertrofia mamária felina), doenças estrogénio-dependentes (hiperplasia/prolapso vaginal, estro persistente, aplasia medular) e doenças associadas à gestação (gestações indesejadas, complicações, aborto, distocia, prolapso uterino, subinvolução placentária).

É ainda realizada para ajudar a estabilizar doenças relacionadas com o sistema reprodutor tais como a diabetes, epilepsia e sarna demodécica generalizada.

No que respeita ao controlo do ciclo com a ajuda de hormonas esteroides, são várias as hormonas que têm vindo a ser utilizadas para controlar o comportamento reprodutivo e a atividade do ciclo ovárico na cadela e na gata.

Entre esses fármacos estão os esteroides naturais progesterona e testosterona e uma grande variedade de esteroides sintéticos, incluindo acetato de medroxiprogesterona, acetato de megestrol, acetato de delmadinona, melengestrol, proligestona, acetato de noretisterona e mibolerona.

Os esteroides contracetivos administrados por via oral possuem uma duração de ação curta; já os que são administrados por via parenteral possuem uma duração de ação mais prolongada.

Sabe-se, porém, que as progesteronas usadas em doses elevadas e as formulações de ação prolongada promovem acromegalia, resistência à insulina, diabetes mellitus, desenvolvimento do complexo hiperplasia endometrial cística (HEC)-piometra, desenvolvimento mamário e tumores.

Os derivados de androgénios podem induzir masculinização da genitália externa, e a obesidade e aumento de peso corporal também foram descritos como possíveis efeitos colaterais. Assim, o uso de contracetivos esteroides é de importância limitada, devendo dar-se atenção particular à via de administração, à dose e à duração do tratamento.

A esterilização dos animais de companhia é mais do que apenas controlar o cio das fêmeas, e evitar os comportamentos desagradáveis que lhe são característicos. É, antes, um ponto fulcral de um bom plano de medicina preventiva, pois tem diversas vantagens diretas para o animal, especialmente se for realizada numa fase precoce da vida.

Além de prevenir várias doenças e diminuir a probabilidade de aparecimento de outras, tem um efeito direto comprovado no aumento da qualidade e da esperança média de vida dos animais de companhia.

E os benefícios não ficam por aqui, promove ainda alterações positivas no comportamento que facilitam a convivência social e a integração na família, e é um contributo de cidadania importante para ajudar a combater problemas associados ao controlo de natalidade e de abandono de animais.

Assim, esterilizar um animal de companhia é simultaneamente um ato de amor e de responsabilidade.

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
28 de Novembro de 2024

Mais Sobre:
SAÚDE ANIMAL

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