SUICÍDIO
MENTE E RELACIONAMENTOS
Tupam Editores
Atribuída ao poeta latino Decimus Juvenal, a citação "mens sana in corpore sano", ou mente sã em corpo são, é um aforismo usado desde o final do século I, que no seu contexto é parte da resposta do autor à questão sobre o que as pessoas mais deveriam desejar na vida.
A frase mantém-se atual nos dias que correm! Observamos que a maioria das pessoas pouca importância atribui à "mente sã", quando se compara com o investimento feito no "corpo são". Isto é por demais visível nas múltiplas campanhas e anúncios difundidos pelos média ao promoverem serviços de estética e beleza, ginásio, exercício físico e alimentação saudável, incluindo a prevenção do consumo de álcool e tabaco.
Sabemos que o exercício físico, a boa nutrição e a prevenção do consumo de substâncias, são importantes fatores que contribuem para uma boa saúde mental e à prevenção das doenças mentais, mas não se veem campanhas para a promoção da Saúde Mental que, quando em mau estado, pode conduzir a perturbações mentais de diversa natureza, incluindo o suicídio.
Quando falamos em morte, o primeiro pensamento intrusivo, de que não conseguimos libertar-nos, é que ela surge de forma inesperada, da qual que nos compadecemos e lastimamos. Todavia, há outro tipo de morte, que sendo motivo de curiosidade para alguns, permanece tabu para a maioria. Falamos do suicídio, uma morte que não é natural, é a do sujeito, onde existe o anúncio deliberado do desejo de deixar de viver, para pôr termo às suas angústias. A maioria dos pensamentos intrusivos estão frequentemente relacionados com a ansiedade.
O desespero raia o insuportável. A cada dia que passa, o sofrimento – físico ou emocional – fica mais intenso e viver torna-se um fardo pesado e sufocante. A dor parece incomunicável, e por mais que se tente expressar a tristeza sentida, ninguém parece ouvir ou compreender. A vida perde o sentido, e o mundo à volta fica insípido. Sonha-se com a possibilidade de fechar os olhos e acordar num mundo totalmente diferente, onde todas as necessidades sejam saciadas e se sinta outro. Mas será a morte o passaporte para essa nova vida?
Presente ao longo de toda a história da humanidade, em todas as culturas e classes sociais, o suicídio é, ainda assim, um assunto obscuro coberto por um véu espesso. Imperscrutável, no limite, o suicídio não tem explicações objetivas. Agride, estarrece, e silencia. Continua a ser tabu, motivo de vergonha ou de condenação, sinónimo de loucura, assunto proibido na conversa com filhos, pais, amigos, e mesmo com o psicoterapeuta. As estatísticas, contudo, mostram que o suicídio precisa de ser discutido e devidamente equacionado.
Suicídio ou autocídio (do latim, sui, ou do grego autos: "próprio"; e do latim caedere ou cidium: "matar") é o ato intencional de se matar a si mesmo. Pode ser definido como um ato deliberado executado pelo próprio indivíduo, cuja intenção seja a morte, de forma consciente e intencional, mesmo que ambivalente, usando um meio que ele acredita ser letal.
É um comportamento com determinantes multifatoriais, resultado de uma complexa interação de fatores psicológicos e biológicos, genéticos inclusive, culturais e sócio-ambientais. É o desfecho de uma série de fatores que se acumulam na história do indivíduo, não podendo ser atribuído de forma causal e simplista apenas a determinados acontecimentos pontuais da vida do sujeito. É, antes, a consequência final de um processo.
Além da expressão inequívoca de sofrimento individual, o suicídio é um sério problema de saúde pública em todos os países. Os números não deixam dúvidas.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) suicidam-se diariamente em todo o mundo cerca de 3000 pessoas – uma a cada 40 segundos – e, por cada pessoa que se suicida, 20 ou mais tentam fazê-lo. O número anual de suicídios ronda atualmente um milhão, ou seja, cerca de metade de todas as mortes violentas registadas no mundo, estimando-se que, em 2020, esse número atinja 1,5 milhões.
À escala mundial, o suicídio apresenta uma taxa de mortalidade global média de 16 por 100 mil habitantes constituindo a 13ª causa de morte. Todavia é a terceira no grupo etário dos 15 aos 34 anos e a segunda nos jovens dos 15 aos 19 anos. Os dados da OMS indicam que as taxas de suicídio aumentaram 60 por cento nos últimos 45 anos, sobretudo nos países em vias de desenvolvimento.
Segundo o Eurostat, nos países da União Europeia (UE-28), a taxa média de suicídio por 100 mil habitantes foi de 11,7 óbitos em 2013, enquanto que o número de mortes por acidentes de viação foi de 6,5 por 100 mil habitantes, variando as taxas de suicídio entre o máximo de 36,1 na Lituânia e 4,8 por cento na Grécia, taxas superiores à de quaisquer outras mortes violentas, nomeadamente por acidentes de viação e acidentes de trabalho. Estes dados, ainda que preocupantes, ficam muito aquém da realidade, já que o suicídio constitui um fenómeno reconhecidamente subdeclarado, por se tratar de uma prática fortemente estigmatizada por razões de ordem religiosa, sociocultural e política.
Apesar de a tradição indicar que Portugal é um país com uma baixa taxa de suicídios, no contexto da União Europeia, a realidade é diferente. Se aos números de suicídio registados em 2014 (11,7 por 100 mil habitantes) se somarem 20 por cento das mortes por causa indeterminada, seguindo os critérios da OMS, como recomendam os especialistas, o país passa a estar já a um nível que justifica alarme. O alerta para o facto surgiu no relatório "Saúde Mental em Números 2015".
E enquanto o suicídio continua a ser assunto sobre o qual se fala pouco, o número de pessoas que tiram a própria vida avança silenciosamente. E os números mais elevados mudaram de faixa etária, da mais idosa para a mais jovem, sendo esta considerada atualmente o grupo de maior risco em vários países.
Independentemente da faixa etária, o suicídio é sempre uma experiência traumatizante para amigos e familiares, mesmo que quem o tenta pense que ninguém se preocupa. Além dos sentimentos de mágoa normalmente associados à morte da pessoa, podem existir sentimentos de culpa, cólera, ressentimento, remorso, dúvidas e grande angústia acerca de situações não esclarecidas.
O estigma que rodeia o suicídio pode fazer com que seja extremamente difícil para os que sobrevivem, lidar com a sua mágoa podendo-lhes causar, também, situações de isolamento extremo. É frequente acharem que são tratados de forma diferente após o suicídio de um familiar ou amigo tornando-se-lhes difícil falar sobre o problema devido ao estigma da condenação. Normalmente sentem que fracassaram por alguém que tanto amavam ter optado pelo suicídio, e a construção de novos relacionamentos torna-se extremamente difícil devido à dor que sentem. É natural sentirem que podiam ter agido de forma diferente, que podiam ter feito coisas diferentes. Poderão pensar que deveriam ter notado os sinais, e que isso teria feito toda a diferença. De certa forma, transportam consigo o peso dessa vida perdida.
O suicídio raramente é uma decisão repentina, apesar de amigos e familiares conceberem esse acontecimento como algo completamente inesperado, surpreendente, ou até chocante.
Na maioria dos casos, o suicídio é algo planeado – a pessoa constrói um plano, estabelece uma data, define um método e pensa nessa possibilidade ao longo de algum tempo, antes de tomar a decisão definitiva.
Em termos genéricos, o suicida veicula o desejo de se livrar ou terminar com o seu sofrimento (resultante da acumulação de variadíssimos problemas) e, por outro lado, o seu desejo de comunicar o seu sofrimento aos outros – é um pedido de ajuda.
Cada pessoa tem os seus motivos muito particulares, profundos e extremamente dolorosos que a levam a ponderar desistir de viver. Uma mudança repentina nas circunstâncias de sua vida, tais como dificuldades financeiras, desemprego ou perda de estatuto socioeconómico, mudanças no contexto familiar ou relacional (divórcio, fim de uma relação, morte de um familiar…) ou ainda a sensação de isolamento, solidão e a ausência de horizontes ou projetos futuros podem constituir fatores relevantes.
A sua intenção é parar a incomensurável dor psicológica que os consome, e não pôr termo à vida. Dão, por isso, sinais de esperança de serem salvos. Querem simplesmente fugir das duras realidades da vida e tensões com as quais não conseguem lidar, para as quais não vêm uma solução possível, nem perspetiva de melhoria ou mudança no futuro, sem ajuda.
Apesar de a maioria das pessoas que se suicidam darem pistas e transmitirem sinais de aviso, aqueles que as rodeiam não estão conscientes do seu significado nem sabem como responder. A deteção atempada de alguns dos sinais de alerta que se seguem, combinada com uma intervenção eficaz, poderia salvar muitas vidas:
Tornar-se uma pessoa depressiva, melancólica (apresentar tristeza intensa, desesperança e pessimismo, chorar sistematicamente); falar insistentemente da morte, suicídio, ou mencionar não haver razões para viver, utilizando expressões verbais tais como "não aguento mais", "já nada importa", ou "estou a pensar acabar com tudo"; fazer preparativos para a morte, como seja pôr os assuntos em ordem, oferecer ou desfazer-se de objetos ou bens pessoais valiosos, fazer despedidas ou dizer adeus como se não voltasse a ser visto; demonstrar uma mudança acentuada de comportamento, atitudes e aparência; ter comportamentos de risco, marcada impulsividade e agressividade; aumentar o consumo de álcool, droga ou fármacos; afastamento ou isolamento social; insónia persistente, ansiedade ou angústia permanente; apatia pouco usual, letargia, falta de apetite; dificuldades de relacionamento e integração na família ou no grupo; insucesso escolar (quando antes era aluno interessado); automutilação.
Desejar a morte e agir, pondo em causa a própria vida é uma atitude estranha e pouco ou nada compreensível para a maioria das pessoas. Daí ser importante conhecer o problema do suicídio, de modo a ajudar a prevenir essa trágica situação.
Primeiro, é essencial ser um bom ouvinte – simplesmente ouvir, com toda a atenção, não apenas os factos, mas a dor da pessoa, os seus medos e ansiedades; não julgar nem dar conselhos ou opiniões; reconhecer o seu sofrimento, valorizar o que é dito e demonstrar que está disponível para ajudar; demonstrar empatia – procurar compreender as coisas não do seu ponto de vista, mas segundo o ponto de vista do outro; não fazer comparações.
Se a pessoa que o preocupa não falar abertamente do que sente ou pensa, é importante tomar a iniciativa de conversar com ela. Dizer claramente que se apercebeu que o seu comportamento mudou, e que está preocupado com o que possa ter causado a mudança; não mudar de assunto, nem fazer comentários do tipo "anima-te", "vai correr tudo bem"; não deve hesitar em questionar aberta e diretamente se a pessoa equaciona a ideia de suicídio como uma opção válida. Esta questão transmitirá a mensagem de que existe alguém que compreende a sua dor psicológica e de que não está sozinha. Naturalmente, a abordagem a este tema sensível varia em função da situação e relação de confiança estabelecida entre ambos. É muito importante que a pessoa que pensa em suicídio saiba que a sua morte iria causar sofrimento nas pessoas que a rodeiam, e que haveria pessoas a sentir a sua falta. Por isso, nunca é demais ter um gesto de carinho para com ela.
Nunca se deve deixar a pessoa sozinha quando se sentir que existe perigo de vir a cometer suicídio, nomeadamente se parecer que ela tem um plano concreto de suicídio e já tomou decisões para o pôr em prática. Deve antes ser incentivada a pedir ajuda especializada (a um hospital, médico, psicólogo, ou psiquiatra) e devem ser retirados da sua proximidade todos os objetos com que a pessoa se possa autoflagelar. Se for pertinente, deve ligar-se para um centro de emergência S.O.S. ou para o Serviço Nacional de Socorro 112.
Numa estratégia de prevenção, torna-se igualmente essencial identificar os fatores de risco e os fatores de proteção do potencial suicida, pois estes contribuem para delinear e detetar a natureza e o tipo de intervenção necessários.
Fatores de risco são circunstâncias, condições, acontecimentos de vida, doenças ou traços de personalidade que podem aumentar a probabilidade de alguém cometer uma tentativa de suicídio, ou mesmo suicidar-se. Existem 3 categorias principais de fatores de risco: Individuais, socioculturais e situacionais:
Nos fatores individuais incluem-se as caraterísticas sociodemográficas como a idade; o sexo (tanto em Portugal como na maioria dos países, o suicídio é mais frequente em indivíduos do sexo masculino, com um risco três vezes superior); o estado civil (pessoas solteiras, viúvas ou divorciadas estão em maior risco); a profissão (os profissionais de saúde e os trabalhadores rurais, têm taxas mais elevadas de suicídio); a residência urbana ou rural; os comportamentos auto-lesivos e tentativas de suicídio anteriores; as resiliências e vulnerabilidades da personalidade (hostilidade, desamparo, dependência, rigidez e perfecionismo); as doenças físicas; história familiar e fatores neurobiológicos, e a existência de perturbação mental.
Este é o fator de risco mais importante para o suicídio. As perturbações com o risco associado mais elevado incluem: perturbações do humor, perturbações psicóticas, perturbações de ansiedade, abuso e dependência de substâncias e algumas perturbações da personalidade (perturbações estado limite e antissocial).
Entre os fatores socioculturais salienta-se o estigma, valores culturais e atitudes, o isolamento social, as barreiras no acesso aos cuidados de saúde, e a influência dos média, que podem contribuir para a prevenção dos comportamentos suicidas pela forma e conteúdo das notícias que divulgam.
O desemprego e os seus efeitos (pobreza, baixo nível social, dificuldades domésticas e desesperança); o acesso a meios letais (como os pesticidas, medicamentos e armas de fogo), ou locais e edifícios elevados de fácil acesso; acontecimentos de vida negativos recentes (divórcio, viuvez, perdas relacionais significativas, abuso sexual ou físico e violência doméstica) estão entre os fatores situacionais.
Os fatores protetores correspondem a caraterísticas e circunstâncias individuais, coletivas e socioculturais que, quando presentes e/ou reforçados, estão associadas à prevenção dos comportamentos auto-lesivos e atos suicidas. Uma estratégia de prevenção de suicídio deve identificar as vias suscetíveis de estabelecer, manter e reforçar estes fatores, que são:
A capacidade na resolução de problemas e conflitos, iniciativa no pedido de ajuda, noção de valor pessoal, abertura para novas experiências e aprendizagens, estratégias comunicacionais desenvolvidas, empenho em projetos de vida; o bom relacionamento familiar, o suporte e apoio familiares, as relações de confiança; estar empregado, ter facilidade de acesso aos serviços de saúde, a articulação entre os vários níveis de serviços de saúde e parcerias com instituições que prestam serviços sociais e comunitários, os valores culturais, e a pertença a uma religião.
A grande maioria das pessoas não gosta de falar, ou ouvir falar sobre o suicídio. O apego à vida é natural em quase toda a gente. As pessoas desejam viver e ter saúde. No entanto, nascemos com a capacidade de terminar com a nossa própria vida e, por ano, um milhão de pessoas fazem essa escolha. Mesmo em sociedades onde o suicídio é ilegal ou tabu, as pessoas continuam a suicidar-se. Para muitas pessoas que pensam suicidar-se, parece não existir outra saída. A morte é a solução naquele momento e a força dos seus sentimentos suicidas não deve ser subestimada. Não existem curas mágicas.
A verdade é que o suicídio é uma solução permanente para um problema temporário. Quando se está deprimido, tem-se uma visão das coisas muito reduzida pela perspetiva do momento presente. Uma semana ou um mês depois, tudo pode parecer completamente diferente. A maioria das pessoas que pensaram em suicídio está feliz por estar viva. Não queriam acabar com as suas vidas, queriam apenas que a dor terminasse.
É nos momentos mais difíceis que os verdadeiros amigos se revelam. É nos momentos de crise e grande dificuldade, em que frequentemente todos pensam não haver qualquer solução e os próprios familiares e outros elementos de suporte sentem necessitar de ajuda, que a procura de apoio pode fazer toda a diferença entre a vida e a morte, e ajudar a pessoa a encontrar outras formas alternativas de viver.
O passo mais importante é falar com alguém. As pessoas que pensam em suicídio não devem tentar lidar com algo tão difícil sozinhas, devem procurar ajuda imediata. A dor fica menor quando é dividida.
Seja com a ajuda de familiares e amigos, medicação, psicoterapia ou com grupos de ajuda, há sempre uma solução para o problema, e volta-se a acreditar na vida e a viver. Afinal, a vida é mesmo feita de altos e baixos… o importante é não desistir!
Ver mais:A MORTE
ALCOOLISMO
BIPOLARIDADE
DEPRESSÃO
DEPRESSÃO - A GUERRA ENTRE A APATIA E O ÂNIMO
DIETA MEDITERRÂNICA
EUTANÁSIA
TABAGISMO
VIVA O DESPORTO
ARTIGO
Autor:
Tupam Editores
Última revisão:
09 de Abril de 2024
Referências Externas:
RELACIONADOS
Ver todosMENTE E RELACIONAMENTOS
CARATERÍSTICAS QUE O HOMEM PROCURA NA MULHER
MENTE E RELACIONAMENTOS
ESTAR SÓ OU SENTIR-SE SOZINHO
DESTAQUES
Ver todosDOENÇAS E TRATAMENTOS
VARIANTES DO SARS-CoV-2 QUE SUSCITAM NOVAS PREOCUPAÇÕES
MEDICINA E MEDICAMENTOS