NOBEL DA MEDICINA 2008

NOBEL DA MEDICINA 2008

SOCIEDADE E SAÚDE

  Tupam Editores

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Na primeira semana de Outubro foram anunciados os laureados com os prémios Nobel de 2008, cuja cerimónia de entrega terá lugar no Stockholm Concert Hall, no próximo dia dez de Dezembro.

Este ano, o Instituto Real Sueco de Medicina e Cirurgia Karolinska, entidade que escolhe o Prémio Nobel da Medicina, atribuiu o galardão a duas descobertas na àrea da virologia: a Harald Zur Hausen, for his discovery of human papilloma viruses causing cervical cancer e a Françoise Barré-Sinoussi e Luc Montagnier, for their discovery of human immunodeficiency virus.

As descobertas dos galardoados de 2008 foram essenciais para uma melhor compreensão do papilomavírus humano (HPV) e do vírus da imunodeficiência adquirida. As descobertas do professor Zur Hausen levaram à compreensão da carcinogénese cervical, a uma caracterização da história da infecção viral e abriu caminho para o desenvolvimento de formas de prevenção. Já a descoberta dos Professores Françoise Barré-Sinoussi e Luc Montagnier levou à realização de estudos epidemiológicos, ao encontro da origem do VIH-1, à identificação de novos passos no ciclo de replicação viral e ao desenvolvimento de medidas terapêuticas e profilácticas.

For his discovery of human papilloma viruses causing cervical cancer

O cancro cervical ou do colo do útero é uma das neoplasias mais prevalentes em todo o mundo. Todos os anos surgem cerca de 500 mil casos que levam à morte de quase 300 mil mulheres. A sua incidência varia consoante a localização geográfica das populacões estudadas, mas é mais elevada nos países em vias de desenvolvimento. De acordo com as últimas estimativas, em Portugal surgem cerca de mil novos casos anualmente.

Os estudos epidemiológicos têm vindo a demonstrar uma grande associação entre o cancro cervical e os padrões de comportamento sexual, sendo que esta infecção é frequente nos jovens sexualmente activos, nomeadamente entre os 16 e os 25 anos.

O papilomavírus é um vírus de ADN pequeno, não-envelopado, com uma forma icosahedral, cujo diâmetro varia entre os 52 e os 55 nm. As partículas virais caracterizam-se por uma molécula de ADN circular de dupla hélice, contida num capsídeo – uma proteína esférica – composto por 72 capsómeros.

Desde cedo que a comunidade científica acreditava que os carcinomas do tracto anogenital, particularmente o cancro cervical, eram causados por um agente transmitido sexualmente. A hipótese que prevalecia na década de setenta – data do início do estudo do Professor Harald zur Hausen – estava relacionada com o vírus da herpes simplex do tipo 2 (HSV-2). Porém, em 1972, e por estudos de biologia molecular, o investigador não consegue detectar a presença do HSV-2 em amostras de células malignas do colo do útero. Este resultado leva-o a procurar outras hipóteses. O investigador inicia, assim, um estudo para descobrir a existência do papilomavírus nas mesmas amostras, cuja presença é comprovada devido à detecção das suas sequências genéticas.

A partir desse ano, o Professor Zur Hausen coordenou uma equipa de investigadores que, após vários anos de estudo, identificou e realizou uma clonagem molecular das duas formas mais oncogénicas do papilomavírus: o HPV16 e o HPV18. Em 1985, conseguiram caracterizar a organização genética e actividade do ADN do HPV em células tumorais.

Estas descobertas levaram a uma mudança de paradigma nesta área. As suas observações demonstraram não apenas que o HPV estava etiologicamente envolvido na génese deste carcinoma, mas também que quando a infecção é provocada por mais do que um tipo de HPV, esta podia dar origem ao cancro cervical. As suas investigações revelaram que as amostras de tecidos de displasia cervical, bem como as provenientes de lesões pré-malignas da doença de Bowen continham ADN episomal do HPV.

Actualmente já foram identificados mais de cem genotipos de HPV, dos quais 40 infectam o tracto genital. Destes, quinze podem provocar cancro cervical. Na maioria dos casos, porém, o sistema imunitário elimina estas infecções antes de causarem danos.

As descobertas do Professor Zur Hausen – que apenas determinados tipos de HPV originavam o desenvolvimento do cancro cervival – levaram à esperança da criação de medidas profilácticas. Testes realizados em cães e coelhos usando proteínas estruturais e purificadas do HPV resultaram numa protecção eficaz contra a infecção primária, abrindo a porta para o desenvolvimento de vacinas contra os tipos de HPV de alto risco.

Actualmente já estão disponíveis duas vacinas no mercado. Uma delas é a Vacina Partícula L1 Vírus-Like Profilática Quadrivalente do Papilomavírus Humano, que protege contra os tipos 6, 11 – responsáveis por 90 por cento das verrugas vaginais –, 16 e 18 – responsáveis por 70 por cento de todos os cancros cervicais. A outra é uma vacina ambivalente, desenhada apenas para bloquear os tipos 16 e 18, centrando-se os investigadores apenas nos tipos de HPV que causam infecções persistentes ou prolongadas.

Apesar de estes fármacos ainda serem recentes no mercado e ainda existirem algumas perguntas sem resposta, que deverão ficar esclarecidas nos estudos epidemiológicos das próximas décadas, muitas mulheres devem a este destacado investigador as suas vidas. Em nome de todas elas, a humanidade agradece.

For their discovery of human immunodeficiency virus

A história do vírus da imunodeficiência adquirida, como agente patogénico humano caracterizado e individualizado, é curta.

Em 1981 começaram a surgir na Califórnia vários doentes do sexo masculino com um conjunto de patologias pouco comuns. Estas patologias eram transmitidas por agentes infecciosos – como o candida species, cryptococcus, aspergillus, toxoplasma, mycobacterium avium, o vírus da herpes, da varicela e o citomegalovírus – que apenas extraordinariamente provocavam manifestações clínicas assinaláveis na população.

As infecções predominantes, grandes responsáveis pela morte dos doentes, eram causadas pelo mycobacterium tuberculosis e pelo pneumocystis jiroveci pneumonia. Frequentemente, a par destas infecções, surgiam linfomas e sarcomas de Kaposi.

A patologia foi definida como síndrome da imunodeficiência adquirida (sida), uma vez que estava associada à eliminação rápida das células CD4+ T e do seu antigénio.

Estudos epidemiológicos subsequentes apontavam para uma infecção retroviral, transmitida sexualmente através do sangue e dos seus derivados e verticalmente de mãe para filho. O facto de estas infecções surgirem numa população que epidemiologicamente era homossexual masculina e/ou dependente de drogas injectáveis – apesar de ter sido detectada em heterosexuais, hemofílicos e imigrantes do Haiti – suscitou a curiosidade da classe médica.

Deste modo, uma equipa de investigadores coordenada por Francoise Barré-Sinoussi e Luc Montagnier, da Unidade de Oncologia Viral, do Instituto Pasteur, iniciou uma investigação que os iria levar à descoberta galardoada com o Nobel da Medicina deste ano.

Francoise Barré-Sinoussi e Luc Montagnier isolaram células de nódulos linfáticos de doentes com linfoadenopatias generalizadas e um número baixo de linfócitos CD4+ T. Os investigadores decidiram estudar regularmente os linfócitos de pacientes, cuja infecção ainda se apresentava num estádio inicial e, consequentemente, ainda se verificava a presença de células CD4+T. Para além do mais, tornou-se claro para esta equipa que a síndrome era antecedida por uma linfoadenopatia generalizada.

A equipa cultivou linfócitos purificados destes pacientes para detectar a etiologia da actividade viral. A profunda deplecção dos linfócitos CD4+T nos indivíduos infectados era um forte indicador de que estas poderiam ser o alvo do vírus, sendo a sua destruição uma consequência da infecção.

Durante as experiências, os sobrenadantes dos linfócitos cultivados em laboratório revelaram conter actividade de transcriptase reversa. Subsequentes microscopias identificaram grandes partículas retrovirais, entre 90 a 130 nm, a germinar das membranas celulares. Anticorpos deste vírus foram também encontrados no soro dos pacientes através de uma análise com imunoflourescência.

Após a realização de inúmeras experiências, os investigadores concluíram que tinham descoberto um novo vírus, nunca antes identificado. Em 1983, os investigadores conseguiram isolar o que denominaram LAV – lymphadenopathy associated virus (vírus associado a linfoadenopatias).

Esta descoberta lançou outros investigadores na demanda da definição do papel deste vírus. As várias equipas norte-americanas e francesas que se debruçaram sobre o estudo do vírus concordaram que os vírus que tinham analisado e nomeado – o LAV-1, o IADV-1, o HTLV-III e o ARV – eram o mesmo tipo de vírus. Em 1985, o comité internacional da taxonomia de vírus nomeou-o de Vírus da Imunodeficiência Adquirida tipo 1 (VIH-1).

A descoberta de Barré-Sinoussi e Montagnier possibilitou a clonagem molecular do VIH-1, permitindo, assim, descobrir pormenores importantes do seu ciclo de reprodução e da sua interacção com o hospedeiro.

Estes factores levaram a um rápido desenvolvimento de meios de diagnóstico e formas de testar produtos sanguíneos, restringindo a disseminação de uma pandemia. Até à data, ainda não se conseguiu descobrir uma vacina profiláctica. O desenvolvimento de novos medicamentos antivirais permitiu prolongar e melhorar a qualidade de vida destes pacientes.

Apesar da nossa sociedade ainda se debater com problemas graves resultantes desta doença, nomeadamente a carência de retrovirais nos países em vias de desenvolvimento e a falta de conhecimento para a curar, vinte sete anos após a identificação da síndrome da sida já ultrapassámos barreiras que pareciam inatingíveis. A estes investigadores a humanidade deve um sentimento da sua gratidão.

Ver mais:
PRÉMIO NOBEL DA MEDICINA 2006
PRÉMIO NOBEL DA MEDICINA 2007 Um Triunvirato de Mentes Brilhantes

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
09 de Abril de 2024

Referências Externas:

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