PRÉMIO NOBEL DA MEDICINA 2006

PRÉMIO NOBEL DA MEDICINA 2006

SOCIEDADE E SAÚDE

  Tupam Editores

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A cerimónia anual de entrega dos Prémios Nobel que se realiza desde 1901 em Estocolmo, apenas interrompida no período de 1940 a 1942 devido à II Guerra Mundial, é o culminar duma exaustiva tarefa de avaliação levada a cabo pela Fundação Nobel, na escolha dos "melhores entre os melhores, aqueles cujo contributo mais beneficiou a Humanidade".

Com a tradicional pompa e circunstância, este ano foram agraciados com o prémio Nobel da Medicina os norte-americanos Andrew Z. Fire e Craig Mello pelo seu trabalho RNA interference – gene silencing by double-stranded RNA (Interferência ARN – o silenciamento genético através de ARN de cadeia dupla), publicado em 1998. Esta investigação debruça-se sobre a descoberta do mecanismo fundamental que controla o fluxo da informação genética.

Andrew Z. Fire é membro de duas prestigiadas associações, a National Academy of Sciences e a American Academy of Arts and Sciences.Desde 2003 que lecciona patologia e genética na Stanford University School of Medicine.

Craig Mello é professor de Medicina Molecular na University of Massachusetts Medical School, em Worcester. É investigador do Howard Hughes Medical Institute desde 2000.

O estudo de ambos os investigadores, que veio revolucionar o mundo da genética e abrir a perspectiva a novas terapêuticas, culminou com a publicação do seu artigo em 1998, na revista científica Nature. Nesse mesmo ano, foi publicado um follow-up numa outra revista conceituada, a Proceedings of the National Academy of Sciences.

O processo de expressão genética é de fundamental importância para todos os seres vivos.

O genoma humano contém a informação para a construção e funcionamento do Ser humano, ou seja cerca de 30.000 genes. A sua maioria encontra-se nos cromossomas, presentes nos núcleos das células, expressando-se através das proteínas sintetizadas no citoplasma.

1944 foi o ano que viu nascer a palavra Ácido DesoxirriboNucleico (ADN), palavra que se refere ao material genético.

Nove anos mais tarde, descobriu-se a natureza de dupla hélice do ADN. Foi, deste modo, provado que todos os seres vivos – Homens, animais, plantas, micróbios, etc –, têm a mesma natureza, residindo as diferenças na forma como o código genético é lido.

Nessa época, a principal dúvida que subsistia no pensamento e nas canetas dos investigadores era de que forma é que o ADN presente no núcleo das células podia governar/regular a síntese proteica realizada no citoplasma.

Foi então sugerido que outro ácido nucleico, o ARN de cadeia simples, poderia agir como intermediário durante o processo. Esta foi a premissa que deu origem ao denominado Dogma Central da Biologia Molecular. A ideia que subjaz a este Dogma é a seguinte: a informação genética é transcrita do ADN para o ARN e depois traduzida do ARN para a proteína.

Durante anos, a comunidade científica acreditou que o ARN responsável pela veiculação de informação genética era o ARN presente nos ribossomas.

Porém, em 1961, 3 investigadores – François Jacob, Jacques Monod e André Lwoff – apresentaram um modelo visionário de controlo genético.

Os especialistas sugeriram que o gene é transcrito para uma espécie específica de ARN, neste caso ARN mensageiro (o ARNm).

Esta descoberta desencadeou várias outras, igualmente importantes. Contudo, acreditou-se, por longos anos, que o ARNm era uma sequência ininterrupta de nucleótidos no ADN.

Deste modo, quando os cientistas Phillip Sharp e Richard Roberts (laureados com o Nobel em 1993) demonstraram anos antes, em 1977, que a sequência ARNm podia ser redistribuída de forma descontinuada no genoma – conceito de separação genética (split gene) –, a comunidade científica foi apanhada de surpresa.

Para além disso mais, foi ainda demonstrado que o processo de separação do ARN poderia gerar diferentes tipos de ARNm e, consequentemente, mais do que uma proteína poderia derivar da transcrição primária (alternative splicing).

A década de 80, foi também revolucionária para a área da genética. Foi neste período que se descobriu (Sidney Altman e Thomas Cech), que o ARN podia actuar como um catalisador. Depressa se constatou que o ARN conseguia catalisar a sua própria replicação e a síntese de outras moléculas de ARN (ribozyme concept).

A partir desta data sugeriu-se que o ARN foi o primeiro material genético a aparecer na Terra. Acredita-se que existiu um "mundo ARN" antes de o ADN ter assumido o papel de material genético-chave, relegando o ARN para o, não menos importante, papel de mensageiro entre o ADN e as proteínas.

Um grande número de pequenas moléculas de ARN trabalham em conjunto nos complexos da ribonucleoproteína. Há moléculas de ARN que afectam a transcrição, a tradução, replicação e estrutura cromossómica. Outras regulam os vários processos do ARN. Actualmente, estas moléculas estão a ser estudadas exaustivamente. Para dar alguns exemplos, existe o ARNm, o mensageiro, que transporta informações do ADN para o citoplasma; o RNAt, o transportador que leva os aminoácidos espalhados no citoplasma para o local onde a proteínas são sintetizadas. O ARNr, ARN ribossómico que está presente nas estruturas dos ribossomas e o ARN polimerase, uma enzima que "catalisa a síntese de sequências genéticas a partir dos moldes".

Chega-se, assim, aos anos 90, década que viu nascer a descoberta científica agora premiada. Tinha-se percorrido um longo caminho desde 1944. Porém, a comunidade científica ainda simplificava o mecanismo de regulação genética. Andrew Fire e Craig Mello vieram acender mais uma luz, num caminho que se está a tornar cada vez mais claro.

Ambos os investigadores estavam envolvidos no estudo da expressão genética do verme Caenorhabditis elegans – Fire desenvolvia o seu trabalho no Carnegie Institution e Mello fazia-o no University of Massachusetts Medical School –, quando descobriram que podiam interferir com o ARNm de um determinado gene, num processo que denominaram ARNi (interferência ARN).

Eles demonstraram que pode ocorrer síntese de ARNm, e posterior transporte para o citoplasma, sem a ocorrência da síntese das proteínas. De que forma? "Através da formação de complexos de cadeia dupla entre duas moléculas de RNAm que activam um sistema de destruição com especificidade para o reconhecimento desse RNA de cadeia dupla".

Consequentemente, a ausência deste mensageiro leva à não ocorrência da síntese proteica e o gene em causa é silenciado.

Porém, esta descoberta não se restringe apenas ao processo de regulação da função celular. Uma outra mais-valia desta investigação é que também nos permite entender o funcionamento dos mecanismos de defesa das células contra as infecções e contra os genes saltitantes, que podem transtornar a harmonia genética, caso se venham a instalar no local errado, vindo a provocar danos.

Os genes saltitantes ou transposões fazem parte de uma categoria importante de segmentos cromossómicos móveis – elementos que se movimentam livremente pelo genoma, podendo instalar-se em qualquer região do mesmo. Estes podem ser independentes relativamente à célula, como vírus de ADN das classes I e II, e retrovírus, ou não. Estes "codificam uma actividade enzimática (transposase) que realiza a cópia desse segmento e também a inserção da cópia noutra localização cromossómica, muitas vezes ao nível de interrupções (nicks) de uma das cadeias de ADN: os transposões ou genes saltitantes.

Uma subcategoria dos transposões provém das moléculas de ARNm, através da retrotranscriptase, "que catalisa a sua conversão em moléculas de cDNA, e que caracteriza não só elementos móveis não-autónomos como os retrovírus.

O recurso ao "silenciamento através do RNA complementar" poderá tornar-se, no futuro, uma terapia recorrente nas áreas que envolvam "hiperactividade génica", como é o caso da oncologia.

Recentemente, um estudo demonstrou que se deu mais um passo na estrada de tijolos amarelos, para ir ter com o grande Feiticeiro de Oz, a cura de todos os males. A investigação da Universidade de Minnesota demonstrou que o gene que provoca a elevação dos níveis de colesterol foi silenciado com sucesso através deste novo método. Isto é apenas o começo, uma vez que desde a sua publicação, a investigação já serviu de base para muitos outros estudos.

Actualmente, vários cientistas estão a estudar a aplicação desta técnica para tratamento de infecções virais, doenças cardiovasculares e cancro, entre outras.

Os dois investigadores receberão este galardão dia 10 de Dezembro de 2006 e dividirão entre si um prémio de cerca de 1,4 milhões de euros.

Desde a primeira cerimónia, em 1901, que os prémios Nobel são entregues a 10 de Dezembro, data da morte do grande cientista, inventor, empreendedor, autor e pacifista Alfred Nobel, que nos deixou um enorme legado, desde invenções, como a dinamite e a borracha sintética, a uma extensa biblioteca de literatura Inglesa, de que era grande amante.

O seu testamento provocou um choque familiar dado que deixou toda a sua fortuna, na época avaliada em 9 milhões de dólares, à fundação com o seu nome, com o objectivo de agraciar "those who, during the preceding year, have conferred the greatest benefit on mankind", ou seja, às pessoas que mais beneficiaram a Humanidade na área da Literatura, Física, Química, Fisiologia ou Medicina e Paz.

Devido à polémica gerada pelo testamento, a primeira cerimónia de entrega dos prémios somente se realizou cinco anos após a sua morte, em 1901, devido à contestação da sua família.

Cada galardão é atribuído por instituições diferentes. O Nobel da Física e da Química são escolhidos pela Real Academia Sueca das Ciências, o da Medicina é atribuído pelo Real Instituto Sueco de Medicina e Cirurgia Karolinska, o da Literatua é pela Academia Sueca e o da Paz pelo Parlamento sueco. O prémio Nobel da Economia só começou a ser atribuído a partir de 1968 e foi estabelecido pelo Banco Suíço, para comemorar o seu 300º aniversário.

Desde a instituição do Prémio Nobel, até à data, foram entregues 96 prémios Nobel da Medicina, agraciando cerca de 187 individualidades, desde Emil Von Behring (1901) – o famoso microbiologista que desenvolveu técnicas na área da seroterapia e tratamento da difteria –, passando por Koch (1905) – distinguido pelo seu trabalho relacionado com a Tuberculose –, Alexandre Flemming (1945) – pela descoberta da penicilina –, António Egas Moniz (1949), – pela descoberta da importância da leucotomia pré-frontal no tratamento de algumas psicoses –, Earl W. Sutherland, Jr. (1971) – pelo seu trabalho sobre os mecanismos de acção hormonal –, Stanley Cohen e Rita Levi-Montalcini (1986) – pela descoberta dos factores de crescimento.

Cada galardão simboliza um passo dado no caminho do nosso conhecimento ontológico, em particular, e da natureza em geral. Neste caso especial, mais longe da doença, mais perto de nós. A todos os que se dedicam a desbravar caminhos nunca antes trilhados, o nosso sincero obrigado. We shall not cease from exploration, And the end of all our exploring will be to arrive where we started, And know the place for the first time. T. S. Eliot.

Ver mais:
PRÉMIO NOBEL DA MEDICINA 2007 Um Triunvirato de Mentes Brilhantes
NOBEL DA MEDICINA 2008

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
09 de Abril de 2024

Referências Externas:

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