MONONUCLEOSE, A DOENÇA DO BEIJO

MONONUCLEOSE, A DOENÇA DO BEIJO

DOENÇAS E TRATAMENTOS

  Tupam Editores

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O beijo pode ser doce, de paixão, de amizade e até de traição. O que, porém, pouca gente sabe é que beijar pode também abrir caminho a uma doença conhecida por nomes tão diversos como doença do beijo, febre glandular, mono, doença de Pfeiffer e Mononucleose Infecciosa (MI).

A MI é uma infecção viral comum, em 80 por cento dos casos provocada pelo vírus Epstein-Barr (VEB) ou pelo vírus 4 do herpes humano. O termo "mononucleose" diz respeito ao aumento do número de um tipo especial de células brancas (linfócitos) na corrente sanguínea quando comparados com outros componentes do sangue como resultado da infecção pelo VEB.

O VEB é um vírus ubiquitário, ou seja, extremamente comum e de ampla prevalência. Estudos demonstram que até 95 por cento da população mundial já foi infectada nalguma altura das suas vidas. Quando a infecção ocorre nos primeiros dez anos de vida ou durante a adolescência, em 50 por cento dos casos dá origem a MI e grande parte das pessoas expostas ao VEB em criança desenvolveram imunidade ao vírus.

De salientar, ainda, que o VEB está intimamente ligado ao desenvolvimento de vários tipos de tumores malignos, como o linfoma de Burkitt africano, o epitelioma nasofaríngeo e algumas doenças linfoproliferativas.

Estudos epidemiológicos e serológicos sugerem também a associação entre o VEB e o linfoma de Hodgkin, apesar de a contribuição exacta do vírus para o desenvolvimento deste tumor não ser ainda conhecida. A possível relação entre a infecção do VEB e estas doenças baseia-se no facto de se ter identificado material genético viral nas células constituintes destes tumores, o que não foi totalmente confirmado.

No início do séc. XX chegou a considerar-se o vírus responsável pela síndrome da fadiga crónica, estando actualmente em investigação o seu papel como cofactor na patogénese do cancro do colo do útero.

Primórdios da doença e características do vírus Epstein-Barr

As primeiras descrições da síndrome que hoje conhecemos como Mononucleose Infecciosa são atribuídas a Filatov, pediatra russo que publicou as suas descobertas em 1885, e a Emil Pfeiffer, médico alemão que, quatro anos mais tarde, identificou uma doença caracterizada por febre, linfadenopatia, fadiga e dor de garganta e que denominou de febre glandular.

Em 1920 foi adoptada, pelos cientistas Sprunt e Evans, a designação de Mononucleose Infecciosa, devido à observação de células mononucleares atípicas em amostras de sangue de doentes.

As investigações de Paul e Bunnel, em 1932, permitiram desenvolver um teste para anticorpos da classe IgM, denominados heterofílicos, que aglutinavam eritrócitos de carneiro e cavalo. Ficou, assim, estabelecido o primeiro exame diagnóstico para a MI, embora ainda não se conhecesse o agente etiológico da doença.

Em 1961 o cirurgião Denis Burkitt enviou a Michael Anthony Epstein amostras de um linfoma que atacava as crianças em zonas endémicas para malária, em África. Alguns anos depois, Epstein, Ivonne Barr e outros colaboradores identificaram partículas virais na análise da cultura celular dessas amostras por microscopia electrónica. Essas partículas apresentavam uma morfologia semelhante a vírus da família Erpesviridae. Comprovou-se mais tarde que se tratava de um novo vírus classificado como herpesvírus humano tipo 4 (HHV-4), que ficou conhecido como vírus Epstein-Barr em homenagem aos seus descobridores.

Em 1966, Henle e a sua equipa desenvolveram uma metodologia de imunofluorescência indirecta (IFI) para detecção de anticorpos específicos para VEB. Um incidente casual que ocorreu dois anos mais tarde sugeriu, pela primeira vez, a ligação entre o VEB e a MI. Esse e outros estudos vieram demonstrar que o VEB era o causador da MI.

Na década de 70, o VEB foi encontrado em tecidos de doentes com carcinoma da nasofaringe e nos anos 80 comprovada a relação do vírus com a desordem linfoproliferativa pós-transplante e a doença de Hodgkin. Em 1984 o ADN da cepa B95-8 foi totalmente sequenciado, o que veio facilitar imenso o estudo a nível molecular das doenças relacionadas com VEB.

Este está classificado na família herpesviridae, subfamília gamaherpesvirinae, género lymphocryptovirus e espécie human herpesvirus 4. Tal como os outros herpesvírus, tem a capacidade de estabelecer infecção crónica em mais de 90 por cento dos infectados.

Tipologia das populações afectadas

As populações afectadas dividem-se essencialmente em dois grupos: as crianças pequenas, frequentemente infectadas pelos pais ou visitas durante as manifestações de afecto ("os miminhos") ou por outras crianças; e os adolescentes, infectados quando iniciam a fase de namoro.

A maior parte da população adulta é seropositiva, ou seja, possui anticorpos específicos para este vírus, o que significa que um dos "episódios gripais" ao longo da vida não foi mais que MI. Devido ao facto de 10 a 20 por cento dos indivíduos que já tiveram a infecção e serem actualmente saudáveis, eliminarem intermitentemente o vírus pela saliva, não permite que, na maioria dos casos, se conheça o transmissor.

As condições socioeconómicas são o principal factor que define a época da vida em que se contrai a infecção. Quanto mais desenvolvido o país, mais tarde as pessoas são infectadas. Na Europa, cerca de 70 por cento dos jovens entre os 17 e 19 anos tiveram contacto com a doença, enquanto na África central quase todas as crianças são infectadas até aos 3 anos.

Portanto, o contágio pode ser directo, através da saliva e secreções da orofaringe, mas também indirecto, através da tosse ou de objectos contaminados (copo, chávena, garrafa, partilha de comida, talheres).

Pode também ocorrer por transfusão de sangue e derivados ou transplante de órgãos e tecidos. O leite materno pode igualmente conter o vírus, sendo esta, no entanto, uma via incomum de transmissão vertical. Além disso, o VEB está presente em secreções do tracto genital, o que faz supor que seja possível o contágio através das relações sexuais.

Apesar de certas doenças infecciosas serem completamente assustadoras, não se pode considerar a MI uma doença ameaçadora. Na verdade, trata-se de uma doença viral benigna e sem grande gravidade, apesar de os sintomas que lhe estão associados serem muito desagradáveis.

Sintomas e Diagnóstico da MI

O período de incubação da MI, isto é, o tempo que vai desde a infecção até ao início dos sintomas, é de 30 a 50 dias. Ao longo deste período os vírus, que inicialmente se estabelecem e reproduzem na mucosa da faringe, passam para a circulação sanguínea e invadem os linfócitos B – as células defensivas de produção de anticorpos –, e outros órgãos, como o fígado e o baço.

Os sinais e sintomas iniciais como dor de cabeça, mal-estar geral, debilidade muscular e cansaço, são ligeiros e pouco específicos. Com o passar do tempo, porém, tendem a intensificar-se e, ao fim de alguns dias ou semanas, começam a evidenciar-se algumas das manifestações mais características da doença, principalmente a inflamação dos gânglios linfáticos, febre e a inflamação da faringe e das amígdalas.

A inflamação dos gânglios linfáticos, ou adenomegalia, manifesta-se praticamente em todos os casos. Os gânglios tumefactos tornam-se dolorosos sobretudo quando pressionados, ao girar a cabeça ou a engolir. A febre, que se evidencia em mais de 80 por cento dos casos, caracteriza-se por um notório aumento da temperatura do corpo, que atinge com frequência os 40°C, acompanhada por crises alternadas de suores e arrepios.

Já a faringite e a amigdalite (que ocorrem em mais de 70 por cento dos casos) tornam-se evidentes através de vermelhidão da garganta e tumefacção das amígdalas, cuja superfície pode apresentar pequenos pontos esbranquiçados ou vermelhos. Surge também dor de garganta, que se torna mais intensa durante a deglutição, dificultando a ingestão de alimentos.

A tumefacção do fígado e o aumento do tamanho do baço, presentes em mais de metade dos casos, são geralmente acompanhados por uma dor moderada no lado direito e esquerdo do abdómen, respectivamente. Em alguns casos, a inflamação do fígado provoca outros sinais e sintomas de afectação hepática, como icterícia e alterações digestivas.

Em três a 15 por cento dos casos a doença provoca ainda erupção cutânea, que se evidencia através de pequenas manchas vermelhas distribuídas ao logo de todo o corpo. Todavia, se o paciente for medicado erradamente com um antibiótico (amoxicilina, por exemplo) para a faringite, esta percentagem aumenta substancialmente.

Nos adolescentes e adultos jovens a MI apresenta-se, na maior parte das vezes, com esta sintomatologia, enquanto nas crianças mais pequenas a infecção raramente é sintomática, passando muitas vezes despercebida.

A MI é primariamente diagnosticada pela observação dos sinais e sintomas clínicos, mas a serologia é utilizada para confirmar a infecção pelo VEB.

O diagnóstico da infecção deve ter ainda em consideração outros patogénicos, como o citomegalovírus, toxoplasma gondii, vírus da rubéola, vírus da papeira, VIH, VHA e vírus da influenza A e B, por apresentarem sinais e sintomas clínicos semelhantes. As causas não infecciosas de linfadenopatia (linfoma e leucemia) também devem ser consideradas, particularmente em associação com a idade (mais de 40 anos), transpiração nocturna e perda de peso.

O diagnóstico serológico da infecção por VEB compreende um número de testes inespecíficos, tais como a detecção de anticorpos heterofílicos, assim como testes específicos de VEB relacionados com a resposta dos anticorpos aos vários antigénios durante o ciclo de vida do vírus. Os testes serológicos mais comuns utilizados para diagnosticar a infecção são anti-VCA IgG e IgM, e anti-EBNA IgG.

Na maioria dos casos o prognóstico é excelente. Os sintomas principais duram entre duas a quatro semanas, seguindo-se uma recuperação gradual. Não há um tratamento específico para a MI e em muito poucos doentes ocorrem complicações.

Tratamento e possíveis complicações

O tratamento da MI, quando necessário, visa o alívio dos sinais e sintomas.

A prescrição de medicamentos como o ibuprofeno e o acetaminofeno, por exemplo, para reduzir a febre, a dor e a inflamação e a prática de gargarejos para aliviar o desconforto a nível da faringe, uma dieta equilibrada, aumentar a ingestão de líquidos e descansar bastante favorecem uma rápida recuperação. Um dos grandes problemas, especialmente quando se trata de jovens, é que estes tendem a regressar à escola ou aos seus desportos favoritos passados poucos dias, sofrendo, por isso, recaídas.

Apenas se deve proceder a outras actuações específicas, como o uso de corticosteróides, caso surjam complicações graves que, embora pouco frequentes, se podem tornar perigosas e, por essa razão, exijam a hospitalização imediata do doente. Entre as pessoas imunodeprimidas, como por exemplo os doentes com SIDA e transplantados de órgãos, as manifestações e eventuais complicações são habitualmente mais intensas e duradouras.

Em mais de 50 por cento dos pacientes que sofrem de MI, o fígado e o baço aumentam de volume. O baço é, no entanto, mais susceptível a lesões e complicações, como a sua ruptura. Os doentes em recuperação devem evitar exercício físico, porque os movimentos mais bruscos ou intensos e o esforço físico, podem romper o órgão. É um problema sério, já que implica hemorragia interna abundante, que se manifesta por intensa e repentina dor abdominal, requerendo hospitalização imediata para extirpação cirúrgica.

Uma outra complicação, um pouco mais frequente mas menos grave, corresponde à anemia hemolítica provocada pela produção de anticorpos anómalos, que atacam os glóbulos vermelhos pertencentes às células do sistema defensivo e que são invadidas pelo vírus.

Com menor frequência, podem surgir icterícia e edema à volta dos olhos. Outras complicações compreendem inflamação do tecido cerebral (encefalite), convulsões, alterações nervosas, inflamação do revestimento cerebral (meningite) e anomalias do comportamento.

A mononucleose pode, ainda que raramente, originar a paralisia de Bell, uma inflamação dos nervos faciais que pode enfraquecer e paralisar temporariamente os músculos do rosto. Apesar de tudo, a mononucleose é uma daquelas doenças que desaparecem sem deixar sequelas. Mas atenção: mesmo depois de resolvida a infecção, o vírus pode permanecer na faringe até 18 meses após o tratamento, período durante o qual existe risco de contágio. Além disso, as pessoas são portadoras do VEB por toda a vida, podendo ele reaparecer na saliva periodicamente.

E se em outras doenças é possível prevenir, na MI isso não é viável. Não existem medidas específicas ou vacina. Os princípios de higiene são o meio de que dispomos actualmente, já que, de acordo com diversas instituições de saúde, o VEB é um dos vírus mais bem-sucedidos do mundo.

A prevenção passaria por evitar o contacto com pessoas infectadas. Contudo, como o período de contágio se prolonga por um longo período, nunca se sabe se um beijo poderá ser, ou não, traiçoeiro...

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
28 de Novembro de 2024

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