NEUROCIÊNCIAS

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MEDICINA E MEDICAMENTOS

  Tupam Editores

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O cérebro humano é o mais complexo e misterioso de todos os nossos órgãos, sendo o grande responsável pela singularidade de cada ser humano.

Os cerca de três mil milhões de bases ADN, que formam os 25 mil genes, são responsáveis pela nossa altura, cor dos olhos, cabelo, por sermos portadores de alguma doença hereditária, entre outras informações, mas é o nosso sistema nervoso central, nomeadamente o cérebro, que confere a cada ser humano um carácter exclusivo.

Os milhares de células que o compõem podem ser divididos em duas categorias: as células neuronais e as gliais, existindo cerca de cem mil milhões de neurónios e entre dez a 50 vezes mais de células da glia.

Apesar de os neurónios serem células muito especializadas, a sua arquitectura é semelhante. "A complexidade do comportamento humano advém, em grande parte, do facto de um número elevado de neurónios formar circuitos anatómicos precisos que controlam tudo aquilo que somos, quer a nível físico quer a nível psicológico". Já as células da glia são responsáveis pelo envolvimento dos neurónios, assegurando a comunicação entre eles.

Outro dos componentes importantes são os neurotransmissores, moléculas igualmente responsáveis pela comunicação entre os vários sistemas neuronais no cérebro.

As neurociências nasceram da vontade e da necessidade de o Homem saber mais sobre um dos órgãos mais importantes do organismo, resultando da interacção entre várias áreas do saber. Esta ciência reúne em si disciplinas biológicas que estudam o sistema nervoso, normal e patológico, nomeadamente a anatomia e a fisiologia cerebral, que se interligam com outras disciplinas, como a semiótica, a linguística, a cibernética, entre outras. Dedicam-se ao estudo do comportamento, processos de aprendizagem e cognição humana e dos mecanismos de regulação orgânica.

Apesar de nas últimas décadas se ter assistido a um enorme esforço associado ao desenvolvimento das neurociências, muitos dos mecanismos cerebrais que medeiam a maior parte dos comportamentos normais e patológicos são ainda desconhecidos para o ser humano, continuando ainda muitas perguntas sem resposta.

O estudo das patologias cerebrais é um dos meios usados pelos cientistas para estudarem este órgão. Segundo as últimas estatísticas, as doenças neurológicas afectam cerca de 35 por cento da população europeia.

Muitos países do mundo estão a apostar nas neurociências e Portugal não é excepção. O nosso país possui actualmente investigadores de topo que desenvolvem estudos preciosos associados a várias patologias, nomeadamente às doenças neurodegenerativas como a Parkinson e Alzheimer.

Alguns desses investigadores integram a equipa de cientistas portugueses do Instituto de Medicina Molecular (IMM), que coordena um consórcio europeu de cinco parceiros. O objectivo do projecto é desenvolver um novo fármaco que poderá ser administrado como analgésico e como terapia nas doenças neurodegenerativas. A substância, o BLV200704, desenvolvida inicialmente por um grupo do IMM, coordenado pelo Prof. Miguel Castanho, foi licenciada à empresa de biotecnologia Bioalvo. Este consórcio obteve recentemente a aprovação da sua candidatura à acção Marie Curie, Parcerias e Diálogo Indústria/Centros de Investigação – Industry-Academia Partnerships and Pathways. Esta parceria, portuguesa, é a primeira a superar com sucesso todas as etapas da exigente avaliação da acção IAPP do Sétimo Programa Quadro (FP7).

Uma outra equipa de investigadores portugueses está a trabalhar no desenvolvimento de um outro composto. Num estudo recente, estudiosos de algumas universidades do país concluíram que uma espécie autóctone de sálvia, que se pode encontrar nas Serras de Aire e Candeeiros, poderá melhorar as capacidades funcionais, cognitivas e comportamentais nos doentes que sofrem da Alzheimer.

Segundo os investigadores, os diferentes extractos estudados inibem, com grande intensidade, as enzimas envolvidas nesta doença, salientando, contudo, que estes não possibilitarão a cura, mas permitem controlar a evolução da patologia. Para além de poder ser produzida a baixo custo – pois até o chá da planta poderá ser benéfico –, o seu enorme potencial está na sua actividade biológica e na ausência de toxicidade.

Muitas espécies de sálvia, como a fruticosa, hortensis e officinalis, conhecidas pela sua actividade antioxidante, já são utilizadas na produção de medicamentos. A sálvia miltiorrhiza também demonstrou ser eficaz na destruição das células cancerígenas do pulmão. O próximo passo da investigação é sintetizar estes extractos em princípios activos oficialmente reconhecidos.

Um outro grupo de investigadores da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra lidera um projecto científico europeu único, na área de epilepsia.

Os cientistas estudam novos conjuntos de algoritmos de inteligência computacional que visam detectar crises epilépticas, com alguma antecedência, nos doentes que não podem ser tratados com fármacos. Denominado EPILEPSIAE – Evolving Platform for Improving Living Expectations of Patients Suffering from Ictal Events, conta com a participação de quinze elementos de vários institutos – entre eles os Hospitais da Universidade de Coimbra, o Centro Nacional de Investigação Científica Francês, a Universidade Pierre et Marie Curie, o Laboratório de Neurociências Cognitivas do Hospital Pitié - Salpêtrière, a Universidade Albert Ludwigs, o Hospital Universitário de Friburgo e a Micromed. Esta empresa irá comercializar o dispositivo resultante desta investigação. O principal objectivo do projecto é encontrar respostas tecnológicas de informação e comunicação que facilitem e aumentem a qualidade de vida deste tipo de pacientes epilépticos.

Uma dupla de investigadores – Jorge Oliveira e Jorge Gonçalves –, desta vez oriundos do Serviço de Farmacologia da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, realizaram um estudo, no qual desvendaram as razões subjacentes à susceptibilidade que algumas regiões cerebrais demonstram para a neurodegenerescência.

Centrado no córtex e no estriado, o estudo concluiu que quer os neurónios, quer os astrócitos têm níveis distintos de resistência às patologias neurológicas. Os cientistas acreditam que a sua descoberta irá permitir uma melhor compreensão das patologias neurodegenerativas e potenciar o desenvolvimento de novos fármacos neuroprotectores. Ao longo da investigação, os estudiosos desenvolveram "um modelo experimental inovador de observação das alterações na funcionalidade das mitocôndrias (indispensáveis ao bom funcionamento celular) nas células nervosas, quando submetidas a estímulos neurotóxicos".

Segundo eles, este modelo "é metodologicamente inovador porque, em traços gerais, permite avaliar em células vivas parâmetros que anteriormente exigiam a ruptura das células cerebrais e a extracção das mitocôndrias". Como preserva a identidade e a integridade celular, possibilita a análise das mitocôndrias no seu habitat natural, constituindo "uma maior aproximação ao real funcionamento do cérebro".

Ainda na área da excelência, a dupla de jovens investigadores portugueses, António Salgado, do Instituto de Investigação em Ciências da Vida, e Filipe Monteiro, do Laboratório de Biologia Molecular na Universidade do Porto, foi distinguida pela Fundação Gulbenkian no ano transacto, pelo seu trabalho realizado no âmbito do programa "Na fronteira das Ciências da Vida".

O projecto, de António Salgado, intitulado Identification of Key Neuroregulatory Molecules Expressed by Human Umbilical Cord Stem Cells, está a ser desenvolvido em parceria com o 3B’s Research Group da Universidade do Minho e a Universidade de Toronto. Os estudos preliminares provaram que as células estaminais da matriz do cordão umbilical têm a capacidade de produzir moléculas neuroreguladoras que, quando secretadas para o meio extracelular, promovem a sobrevivência de neurónios e induzem a proliferação das suas células precursoras.

Esta descoberta, para além de fornecer um maior conhecimento neurológico, irá permitir modelar a actividade destas células com uma maior eficácia, do ponto de vista da medicina regenerativa.

A nível de meios tecnológicos, de laboratórios e infra-estruturas para investigação neurocientífica, Portugal está também no topo.

Recentemente foi inaugurado o nó de Coimbra da Rede Nacional de Imagiologia Funcional Cerebral, no mesmo edifício do Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde (ICNAS). Este investimento, que rondou os 3,5 milhões de euros, irá permitir aos investigadores portugueses ter acesso a tecnologia de ponta e possibilitar o aprofundamento de conhecimentos sobre as doenças de Parkinson e de Alzheimer.

No nó Central de Coimbra, que lidera esta Rede, poderão ser igualmente experimentadas algumas das mais recentes e inovadoras técnicas na área das neurociências, nomeadamente a de imagiologia multimodal funcional.

Um pouco mais acima, em Cantanhede, funciona o Biocant Park, o primeiro parque biotecnológico em Portugal, que "promove o desenvolvimento de I&D em consórcio com empresas nacionais e estrangeiras para a criação de novos produtos e serviços e apoia o bioempreendedorismo em Portugal". Em breve este edifício vai alojar mais uma instituição, o pólo de investigação do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra (CNC).

Este pólo de investigação biotecnológica irá deter "as valências de investigação fundamental em biotecnologia e o seu programa de formação avançada em ambiente empresarial".

O objectivo do município de Cantanhede é que até 2010 existam 20 empresas biotecnológicas a funcionar – irá ser construído mais um edifício, o Biocant II – as quais, em conjunto com o Biocant e este novo pólo do CNC, contarão com o trabalho de 200 cientistas e investigadores.

Ainda no âmbito da construção de novos centros tecnológicos, a Fundação Champalimaud iniciou, no passado dia 5 de Outubro, a construção do seu "centro de investigação científica multidisciplinar translacional de referência no campo da biomedicina – localizado na doca de Pedrouços –, que irá garantir as condições ideais para que investigadores e académicos nacionais e estrangeiros desenvolvam projectos de excelência com aplicação clínica (prevenção, diagnóstico e tratamento) nas áreas das neurociências e da oncologia". No centro, que deverá abrir as portas no último trimeste de 2010, os investigadores terão acesso a tecnologia de ponta para a investigação biomédica e às infra-estruturas necessárias para a realização de trabalhos de pós-graduação, mestrados e doutoramentos na área da biomedicina.

Durante a construção do novo edifício, o programa de neurociência, uma das suas áreas centrais, irá decorrer no Instituto Gulbenkian da Ciência, segundo o acordo entre a Fundação Champalimaud e a Fundação Gulbenkian, esta última uma das grandes impulsionadoras da investigação científica, promovendo, "directamente ou em parceria com outras entidades, programas e projectos nas suas quatro áreas estatutárias: arte, saúde e desenvolvimento humano (Beneficência), educação e ciência". É através das suas bolsas, bem como de outras entidades – faculdades de medicina, laboratórios farmacêuticos, como a Novartis, a Wyeth, a Pfizer, entre outros, à Yamanouchi European Foundation, – que muitos investigadores portugueses e estrangeiros têm vindo a desenvolver os seus estudos.

Mais uma vez os portugueses mostram a sua capacidade inata para novos desafios, de embarcar em novas aventuras, descobrir caminhos marítimos e fazer História. A época dos argonautas já findou, mas deu lugar a um conjunto de mentes brilhantes, uma espécie de "labonautas", que desenvolvem as suas investigações com a mesma sagacidade, entusiasmo e paciência com que os nossos antecessores navegavam os sete mares. Do not follow where the path may lead. Go instead where there is no path, and leave a trail. (Waldo Emerson).

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
09 de Abril de 2024

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