O pacemaker veio para ficar. Graças ao extraordinário avanço tecnológico, as cirurgias complexas, envolvendo grande risco para os pacientes, deram lugar a cirurgias simples, rápidas e seguras. Adequados às necessidades específicas do indivíduo, os pacemakers fazem hoje parte do quotidiano de milhões de pessoas, possibilitando-lhes uma vida normal, praticamente sem limitações.
O coração é a fonte da vida. É por isso o órgão essencial ao bom funcionamento de todo o organismo humano. Dependemos tanto da sua força e perfeito funcionamento, que raras vezes nos quedamos a pensar que afinal não passa de um músculo cavernoso formado por duas câmaras superiores, denominadas aurículas, e duas inferiores chamados ventrículos.
Órgão que trabalha incessantemente durante toda uma vida, sem nos apercebermos, o coração é responsável por bombear sangue contendo oxigénio e outros nutrientes para todo o organismo, de modo a chegar a todos os órgãos vitais. Um coração saudável bate de forma regular à volta de 50 a 100 pulsações por minuto, bombeando cerca de 5 litros de sangue a cada minuto. Uma obra espantosa e perfeita mas que, por vezes, falha.
Quando o coração falha na capacidade de gerar o número de batimentos necessários à sua função, torna-se necessário proceder à implantação de um pacemaker. Este não é mais do que um pequeno aparelho que regula eletronicamente os batimentos cardíacos, monitoriza o ritmo cardíaco e, quando necessário, gera um impulso eléctrico indolor que desencadeia o batimento cardíaco. É composto por uma bateria ou fonte de energia, um gerador que emite impulsos elétricos a determinada frequência, e um cabo (eletrocateter) ligado ao gerador, que conduz os impulsos eléctricos para o músculo cardíaco.
Os primeiros pacemakers eram implantados para tratar a bradicardia, um batimento cardíaco anormalmente lento mas, atualmente, podem ser programados para tratar diversos problemas cardíacos, incluindo a insuficiência.
Na Europa as taxas de implantação de pacemakers variam de 2,5 a 354 por milhão de habitantes, sendo implantados em Portugal cerca de 7 000 por ano e, estimando-se que possam existir 250 mil portadores destes aparelhos no país.
A introdução deste dispositivo, em meados do século XX, não foi um evento discreto. Foi antes produto da contribuição de uma série de descobertas de vários investigadores, ao longo do tempo, pois tudo começou bem mais cedo...
A origem do pacemaker
Já nos séculos XVII e XVIII, nomeadamente durante a revolução francesa, muitos investigadores estudavam a ação da eletricidade sobre o coração de cadáveres de executados na guilhotina, pois já se sabia que a eletricidade induzia contrações musculares. E apesar de nem sempre os estudos apresentarem resultados positivos, pois dependiam do intervalo de tempo entre a execução e a chegada do cadáver ao local de estudo, os investigadores demonstraram que uma corrente elétrica podia induzir contração cardíaca.
No século XIX a eletricidade era considerada uma força misteriosa e por isso recebida com ceticismo pela comunidade científica. No entanto era por vezes aplicada como princípio terapêutico para várias doenças cardíacas estimulando externamente a zona do coração.
Pioneiros como Adam, Stokes, Gaskell, Wilhelm His e outros, descreveram vários tipos de síndrome cardíaca com episódios de bloqueio, convulsões e ausência de sincronismo entre as regiões ventriculares e supraventriculares.
No entanto, o pai do conceito e do termo pacemaker viria a ser o cardiologista Albert Hyman, que construiu um modelo e o utilizou pela primeira vez em 1930.
A partir deste foram construídos vários protótipos que pesavam cerca de 7 kg e o seu criador desenhou-o a pensar na sua portabilidade a fim de que o doente o pudesse transportar para onde quer que fosse.
Este coração artificial era estimulado por um elétrodo em forma de agulha que atravessava o tórax até à aurícula direita. Apesar de revolucionário pelos benefícios que trazia, a desconfiança por parte da comunidade científica da época e até por grupos religiosos fundamentalistas, fizeram com que Hyman nunca tivesse publicado os resultados do seu trabalho.
A 2ª Guerra Mundial veio interromper os trabalhos, mas com o seu término e o início incipiente da cirurgia ao coração renovou-se o interesse pela estimulação cardíaca. Recorreu-se à colocação de placas metálicas no tórax para fazer chegar a corrente elétrica ao coração, método entretanto abandonado devido à dor e às queimaduras que provocava ao paciente.
Foram também utilizados elétrodos agulha como os usados por Hyman, que atravessavam o tórax até ao coração. Ultrapassadas os obstáculos iniciais daqueles processos, evoluiu-se para um sistema em que os elétrodos, criados especificamente para o efeito, eram introduzidos através das artérias até ao coração. Manteve-se no entanto o inconveniente dos geradores, que continuavam enormes, limitando a liberdade de movimentos.
Por esta altura o mundo, e sobretudo a comunidade médica, já estava preparado para aceitar e desenvolver o pacemaker implantável, o que veio a suceder em 1958. Em ambiente de aceitação tácita, Elmquist e Senning desenvolveram e implantaram um pacemaker com baterias miniatura para os padrões da época, recarregáveis desde o exterior, técnica que requeria uma certa complexidade de circuitos elétricos.
O desenvolvimento dos pacemakers desde 1958 até aos nossos dias tem sido vertiginoso, tendo proporcionado aparelhos cada vez mais pequenos, duráveis e eficazes. Os materiais utilizados são cada vez mais compatíveis com o corpo humano e as técnicas cirúrgicas de implantação desenvolveram-se de tal modo que hoje se faz com uma pequena incisão e anestesia local.
Por último, os avanços da eletrónica e da informática permitiram colocar no interior de unidades cada vez mais miniaturizadas uma enorme quantidade de circuitos complexos que transformaram os pacemakers de hoje em aparelhos inteligentes, capazes de executar uma grande variedade de funções desde a deteção ao tratamento de arritmias, passando pela comunicação com sistemas de registo situados externamente ao doente que permitem avaliar o seu perfil disrítmico, o funcionamento do dispositivo e a sua adaptação às diversas ocorrências que podem surgir.
Indicações para implantação
Cada caso é um caso, e o pacemaker é programado para responder às necessidades de cada indivíduo. A sua utilização pode ser temporária (utilização profilática ou de suporte) até que o fator que originou a perturbação da frequência ou que a ela conduziu tenha sido resolvido, ou poderá ser permanente, se a situação do paciente persistir para além dos tratamentos.
São várias as indicações clínicas para a colocação de um pacemaker temporário, entre as quais se destacam as bradicardias ou paragens sinusais, os bloqueios cardíacos, as taquidisritmias ventriculares e supraventriculares, suporte ao débito cardíaco após cirurgia cardíaca, estudos eletrofisiológicos, entre outros. As disritmias que não respondem à terapêutica farmacológica e comprometem o equilíbrio hemodinâmico constituem indicação definitiva para tratamento com pacemaker.
A seleção de um pacing permanente deverá ter em conta o estado da condução auriculoventricular, a atividade auricular, a doença cardíaca inerente e a resposta cronotrópica ao exercício.
Podem requerer um pacemaker permanente: perturbações da condução auriculoventricular (responsáveis por cerca de 50 por cento das implantações de pacemaker em Portugal); perturbações da condução intraventricular; disfunção sinoauricular; hipersensibilidade ao seio carotídeo; fibrilhação e flutter auricular com resposta ventricular lenta; miocardia hipertrófica; insuficiência cardíaca congestiva no contexto de miocardiopatia dilatada; síncope neurogénica (anteriormente designada por síncope vasovagal ou vasopressora é causa frequente de síncope, sobretudo na população jovem); prevenção da fibrilhação auricular; prevenção das taquiarritmias ventriculares por pacing.
Não existem contraindicações conhecidas para a utilização da estimulação como uma modalidade terapêutica de controlo da frequência cardíaca. No entanto, a idade e o estado do doente podem condicionar o sistema de estimulação, o modo de funcionamento e o procedimento de implantação utilizados pelo clínico.
Pacemaker inovador dá início a nova era da saúde cardiovascular
Do elevado número de portadores de pacemakers (cerca de dois milhões de pessoas só na Europa), estima-se que 50 a 75 por cento venham a necessitar de realizar uma ressonância magnética ao longo da vida. Até há poucos anos estes pacientes não podiam submeter-se a este tipo de exame devido à possível ocorrência de arritmias, eventual danificação do aparelho e poder ocorrer queimadura interna dos tecidos no local do implante e inclusive risco de morte.
Em janeiro de 2009 realizou-se, no Hospital de Santa Maria, Lisboa, a primeira cirurgia de implantação de um novo e sofisticado pacemaker que em muito tem contribuído para melhorar a saúde dos pacientes implantados com o moderno sistema.
Este pacemaker de segunda geração, considerado já um marco na história dos dispositivos cardíacos implantáveis, é compatível com a ressonância magnética o exame com maior capacidade de diagnóstico de lesões que é importante para o diagnóstico precoce de doenças mortais como o cancro, o AVC ou outras doenças neurológicas. O dispositivo é construído com componentes não magnetizáveis, evitando assim que as ondas eletromagnéticas da ressonância não afetem o seu funcionamento, podendo assim ser utilizado durante o exame sem riscos para o doente, possibilitando o diagnóstico precoce de doenças oncológicas e neurológicas.
Em julho de 2010 procedeu-se em Portugal ao maior implante multicêntrico de pacemakers, com a participação de sete hospitais de norte a sul do país. Os três principais Centros Hospitalares do País, foram os primeiros a colocar este novo sistema de pacing de segunda geração com tecnologia digital onde foi incluído um algoritmo capaz de fazer a monitorização contínua de insuficiência cardíaca.
Mas a medicina está em constante evolução. Investigação recente, liderada pelo Dr. M. Amin Karami revela a possibilidade de o batimento cardíaco poder vir a alimentar os pacemakers no futuro. Um protótipo que recolhe energia dos batimentos cardíacos promete substituir a utilização de baterias nos implantes de dispositivos médicos, como os pacemakers. Em testes preliminares, o batimento natural do coração produziu movimento suficiente para gerar 10 vezes mais a quantidade de energia necessária ao funcionamento de um pacemaker.
Utilizando componentes piezoeléctricos e ímanes, o aparelho converte a energia do movimento em energia elétrica. A cada batimento cardíaco, a energia que seria perdida essencialmente sob a forma de calor, seria usada para alimentar o pacemaker.
De acordo com o Dr. Karami o equipamento utiliza os magnetos para incrementar a produção de energia, a fim de compensar as variações na taxa do coração, de modo que seja executado continuamente em 20 batimentos por minuto, ou mesmo 600.
O ajuste deste dispositivo irá ser realizado em estudos em animais e através da medição da energia de vibração de um coração humano durante cirurgias regulares de coração aberto. O dispositivo deverá, então, ser incorporado em pacemakers comerciais e passar por diversos testes de segurança e fiabilidade, seguido de ensaios clínicos para demonstrar que funciona como pretendido quando implantado em pessoas no seu dia-a-dia.
Apesar de o percurso a percorrer ainda ser longo, esta investigação é certamente um avanço importante para a medicina no futuro.
Os mitos em torno do pacemaker
Associada ao uso de pacemaker, circula na cultura popular da nossa sociedade muita informação deturpada. De acordo com os especialistas, tal como a própria cirurgia está repleta de mitos, também a utilização do aparelho não escapa à proliferação de ideias erradas.
Há quem receie usar a torradeira ou o secador do cabelo e fuja de aviões. Há quem abandone a prática desportiva e até há quem acabe de vez com as idas ao médico… e tudo porque são ainda muitos os mitos ligados ao pacemaker. A sua maioria está relacionada com a compatibilidade do dispositivo com outros aparelhos eletrónicos, como o telemóvel, e com a prática de desporto.
No que respeita ao telemóvel, o seu uso é seguro, desde que seja mantido a mais de dez centímetros de distância do aparelho, e os microondas, comandos à distância e outros eletrodomésticos são aparelhos que geram campos magnéticos tão insignificantes que não interferem com o funcionamento do pacemaker.
No desporto, não havendo outros problemas que o contraindiquem, não só é seguro como aconselhado, à exceção dos desportos de contacto como o Kung-fu ou o Karaté pois um pontapé poderia afetar a zona à volta do aparelho e interferir com o seu desempenho.
As portas de controlo nos aeroportos também são temidas. No entanto, os alarmes dos aeroportos não diferem dos existentes nos centros comerciais, sendo apenas mais sensíveis e, por estarem colocados em zonas de passagem, também não representam perigo.
No local de trabalho, poucas são as profissões que oferecem perigo, mas ainda assim existem. Trabalhar na indústria metalúrgica mormente em fornos de fundição; soldadura de arco voltaico; técnicas de eletrólise e deteção de fissuras em peças metálicas, pode oferecer perigo, assim como trabalhar em centrais elétricas com linhas de alta tensão próximas. Trabalhar com antenas TV/rádio de grande potência também pode causar problemas, mas contornáveis com alguns cuidados como ajustar a programação do dispositivo. Este é o tipo de situação que deve ser discutida com o médico.
Apesar de todos os mitos e receios que rodeiam o uso de pacemaker, este é um dispositivo eletrónico extremamente sofisticado e um dos mais seguros do mundo. Está protegido contra a interferência de campos eletromagnéticos externos e é sujeito a inúmeros testes de controlo de qualidade, de modo a eliminar praticamente qualquer possibilidade de falha e, sendo revestido a titânio, é praticamente indestrutível.
O portador de pacemaker não poderá nunca esquecer as visitas de rotina ao seu médico assistente e seguir as suas recomendações para que possa ter uma vida completamente normal e despreocupada do ponto de vista do seu funcionamento.
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