CÉLULAS ESTAMINAIS, ONTEM A DOLLY, AMANHÃ O PASTOR!

CÉLULAS ESTAMINAIS, ONTEM A DOLLY, AMANHÃ O PASTOR!

MEDICINA E MEDICAMENTOS

  Tupam Editores

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O falecido actor Christopher Reeve, mais conhecido por super-homem, assim como Michael J. Fox, doente de Parkinson, têm em comum uma batalha dura e controversa: ambos são defensores do uso terapêutico de células estaminais embrionárias. O primeiro criou, inclusive, uma fundação de apoio à investigação nessa área.

Em todo o mundo, mais de 130 mil pessoas por ano são vítimas de traumatismos na coluna vertebral, incapacitando-as permanentemente. Só na Europa são cerca de 330 mil as que convivem com lesão irreversível na espinal-medula, surgindo mais de 10 mil novos casos em cada ano.

Num esforço para recuperar os movimentos motores destes pacientes surgiu o RESCUE, um projecto europeu financiado pela UE. O seu objectivo é estudar novos métodos de restaurar a espinal-medula lesionada através de células estaminais humanas provenientes do sistema nervoso central ou da medula óssea. Os resultados, até ao momento, já se mostraram promissores em ratinhos que recuperaram algumas das suas funções motoras. Segundo os cientistas, a longo prazo, poder-se-á prever a sua aplicação em humanos.

Mas a terapia celular pode abranger outras áreas, como o implante de medula óssea, no tratamento da leucemia, ou na regeneração de tecidos cardíacos, nos casos de miocárdio danificado. Para muitos que sofrem de doença cardiovascular - a primeira causa de morte nos países desenvolvidos -, é a esperança!

Para além da potencial utilização em ortopedia ou cardiologia, a utilização de células estaminais alarga-se da endocrinologia à neurologia ou sempre que seja necessário a obtenção de tecidos, como o osso, pele e cartilagens. Estes são cultivados, podendo ser posteriormente reimplantados para reparação das lesões. Esta nova técnica é denominada medicina regenerativa ou terapia celular, uma das áreas mais fascinantes da biologia, cuja investigação no campo das células estaminais se generalizou desde os anos sessenta.

Entre avanços e recuos, os cientistas prevêem inúmeras aplicações terapêuticas no âmbito das células estaminais, tendo criado expectativas em muitos doentes, sobretudo diabéticos e paraplégicos. Contudo, à sua volta gerou-se também um aceso debate ético sobre a extracção de células estaminais provenientes de embriões humanos. A controvérsia ainda persiste e divide a igreja, grupos denominados de defesa "pró-vida", governos, comunidade médico-científica, empresas de biotecnologia e a sociedade em geral.

Células estaminais: o que são

As células estaminais, também conhecidas por células-mãe ou células-tronco, são células que possuem a capacidade de se dividir, dando origem a células semelhantes às suas precursoras.

Durante o desenvolvimento embrionário estas células especializam-se, resultando em vários tipos de células do corpo, como as musculares, cardíacas, nervosas, ósseas e glóbulos vermelhos. No adulto as células estaminais limitam-se a reparar tecidos danificados ou a substituir células que vão morrendo. O processo mais conhecido é o de renovação permanente dos glóbulos vermelhos a partir de células estaminais provenientes da medula óssea.

As células estaminais encontram-se em várias partes do corpo, designadamente cordão umbilical, medula óssea, sangue, fígado, placenta e líquido amniótico. Todas estas potenciais opções poderão revestir-se de interesse, no sentido de apaziguar os ânimos dos que se opõem à pesquisa de células embrionárias, uma vez que aqueles métodos não implicam a eliminação do embrião.

Quanto à sua origem e segundo o tipo de células que podem gerar, as células estaminais classificam-se em três categorias.

Totipotentes: existem no embrião pré-implantado com três dias de vida e possuem um potencial de diferenciação ilimitado para produzir qualquer tipo de célula ou tecido; são as primeiras células embrionárias e as únicas com capacidade para dar origem a um ser completo.

Pluripotentes: têm um potencial de diferenciação mais restrito, embora possam gerar qualquer tipo de tecido, exceptuando a placenta e anexos; existem no embrião pré-implantado de 6 dias de vida, o blastócito, e na massa celular interna embrionária após a implantação.

Multipotentes: podem originar vários tipos de células, mas de forma limitada; trata-se de células indiferenciadas existentes nos tecidos adultos e funcionam como reservatório celular para a renovação e reparação permanente dos tecidos, sempre que ocorra uma lesão; a mais conhecida é a hematopoiética, célula-mãe do sangue que se pode trasnformar em diversos tipos de células sanguíneas, mas não em estruturas mais complexas – as do cérebro, por exemplo.

Este tipo de células não se consegue isolar de forma eficaz. Por isso os investigadores estudam a possibilidade destas poderem possuir maior plasticidade que a inicialmente prevista. Poderão dar origem a várias linhagens celulares desde que se proporcionem as circunstâncias ambientais convenientes.

As células multipotentes podem também encontrar-se nos fetos tardios, na placenta e no sangue do cordão umbilical (SCU). As células do SCU, para além de produzirem células de linhagem sanguínea, caracterizam-se por serem pluripotentes, e como tal, possuírem células estaminais mesenquimatosas. Estas podem originar células do sistema nervoso, fígado, ossos, cartilagem, gordura e músculo. Possuem ainda células endoteliais, responsáveis pela formação dos vasos sanguíneos nos tecidos.

Medicina regenerativa pode tornar-se na medicina milagrosa

À medida que a investigação da medicina regenerativa progride, desafios que eram inconcebíveis há só alguns anos, por exemplo gerar um coração completo, poderão passar da ficção à realidade. A investigação sobre células estaminais pode vir a revolucionar as terapias associadas a muitas doenças consideradas mortais, nomeadamente cardíacas, acidentes vasculares cerebrais (AVCs), diabetes ou diversas paralisias. A sua área de aplicação também abrange qualquer tipo de doença degenerativa como a esclerose múltipla, Alzheimer ou a Parkinson.

Os países desenvolvidos, devido ao aumento da esperança de vida, serão os mais afectados por aquelas doenças, associadas ao envelhecimento populacional. Por isso os cientistas esperam que procedimentos actualmente complexos, como é o caso do transplante de células embrionárias para regiões do cérebro lesionadas, substituindo o tecido cerebral perdido, sejam práticas comuns num futuro próximo.

Uma das iniciativas mais importantes na investigação das células embrionárias e no seu potencial uso terapêutico foi o estabelecimento de linhas de células estaminais embrionárias, isto é, a possibilidade de cultivo em laboratório. Isto correu em 1981, quando a primeira linha de células estaminais germinativas foi obtida em embriões de ratos. Foram, porém, necessários mais 17 anos para se conseguir a primeira linha humana.

Durante esse período já tinha ocorrido, em 1988, o primeiro transplante de sangue do cordão umbilical de uma criança afectada com anemia de Fanconi, sem possibilidade de cura. Este transplante representou um marco histórico. Pela primeira vez tentou direccionar-se o campo de aplicação das células estaminais embrionárias para as umbilicais, sem problemas éticos e igualmente seguras. Desde então, inúmeros transplantes deste tipo foram realizados a nível mundial. O recurso ao cordão umbilical já se tornou rotina no tratamento de doenças associadas ao sangue, ao sistema imunitário e a alguns tipos de cancro.

A extracção de células do cordão umbilical poderá vir a tornar-se útil para curar casos de diabetes, distrofia muscular ou AVCs. A sua grande vantagem é não afectar nem a mãe nem o bebé, sendo cem por cento compatível com este, caso venha a desenvolver alguma doença ao longo da vida. É já um procedimento frequente, não obstante se verificar que as células obtidas através do SCU são em menor número que as conseguidas, por exemplo através da medula óssea, e existirem alguns riscos associados à transmissão de doenças genéticas nos transplantes.

Hoje muitas empresas proporcionam serviços de recolha e armazenamento de sangue do cordão umbilical, como forma de tratar problemas de leucemia ou deficiências genéticas e imunitárias no futuro.

Um outro método usado para obtenção de células estaminais é a partir da medula óssea de um adulto. Estudos recentes mostram que a sua aplicação pode ser muito semelhante à embrionária, com grande potencial de servir como ponto de partida na produção de vários tipos de células para posterior tratamento de inúmeras doenças. A grande vantagem, para além de ultrapassar os problemas de natureza ética, é que os transplantes seriam mais eficazes em virtude de utilizarem células do próprio indivíduo, diminuindo assim os riscos de rejeição. Porém, nem sempre se proporciona esta situação ideal. O número de células obtido é muitas vezes insuficiente, havendo mesmo dificuldades na sua reprodução, o que obriga ao recurso frequente a dadores externos, tornando o transplante impuro.

Dado que todas as células do corpo humano possuem moléculas que contêm antigénios e histocompatibilidade próprias, basta que um paciente receba um transplante com aquelas características diferentes para que ocorra a denominada doença enxerto-hospedeiro, que pode resultar na morte do doente.

Por outro lado, as células estaminais adultas cultivadas in vitro são de manutenção muito difícil, tendo um tempo de vida muito curto. O inconveniente maior associado à utilização destas células é darem origem a um número restrito de tecidos, quando comparadas com as embrionárias que se podem diferenciar em qualquer dos 216 tecidos que constituem o corpo humano.

Apesar da sua eficácia relativa, as células da medula óssea são utilizadas actualmente na recuperação do sistema imunológico e hematopoiético, tanto em doentes submetidos à quimioterapia e com diminuição das suas defesas, como nas que apresentam neoplasias hematológicas, como a leucemia.

Recentemente, cientistas anunciaram ter desenvolvido uma técnica inovadora que permite a criação de células estaminais sem destruir o embrião. Este novo procedimento poderá, eventualmente, colocar um ponto final no debate sobre a questão moral da utilização de embriões humanos, mas a sua eficácia ainda está por comprovar. Num outro estudo demonstrou-se o potencial da pele humana como fonte de extracção de células estaminais. Contudo, ainda não é segura a sua aplicação clínica porque o processo de transformação introduz alterações genéticas e vírus potencialmente perigosos.

Uma outra alternativa poderá ser a criação de embriões híbridos humano-animal. Foram já realizadas algumas experiências em laboratório utilizando embriões híbridos humano-vaca, humano-rato e humano-coelho. Os investigadores utilizaram uma técnica denominada transferência nuclear somática, que se tornou conhecida após a sua utilização na clonagem da ovelha Dolly. Trata-se de substituir o núcleo de óvulos de humanos, vaca, rato e coelho por núcleos humanos somáticos.

Este procedimento não teve até ao momento o sucesso esperado. Os embriões híbridos tiveram curta duração, não expressando adequadamente os genes que se pensa serem críticos para a pluripotência e para dar origem aos vários tipos de células.

Clonagem terapêutica vs clonagem reprodutiva

A clonagem é uma outra forma de utilizar as células estaminais para tratamento de uma doença. Apesar de controversa, muitos investigadores preferem este processo, pois um embrião clonado é uma cópia genética de um outro ser que está vivo e que deu o seu consentimento para essa prática. Pelo contrário, recorrer a embriões de clínicas de fertilização envolve um conjunto particular de genes, fruto de uma mistura exclusiva de esperma e ovo, que pode originar um ser único.

A clonagem terapêutica consiste na transferência de núcleos de uma célula para um óvulo sem núcleo. Posteriormente, aquele óvulo irá dar origem a um embrião do qual se retiram as células estaminais. Difere da clonagem reprodutiva, na qual o embrião clonado é implantando no útero com o objectivo de reproduzir pessoas. A maior parte da comunidade médica e científica opõe-se à clonagem reprodutiva, devido aos receios da sua inadequada utilização. Estes receios aumentaram quando alguns cientistas anunciaram a sua intenção de clonar uma criança.

Os riscos associados são muito elevados, desde malformações e anomalias genéticas até envelhecimento precoce. Por outro lado, as probabilidades de uma criança nascer, de acordo com aquele procedimento, reveste-se de muitas dificuldades.

Exemplo disso é a ovelha Dolly, que somente após 277 tentativas conseguiu ver a luz do dia. Se a técnica fosse linearmente transposta para o ser humano, a escassez de óvulos poderia ser um sério obstáculo, tendo em conta que, ao longo da sua vida fértil, cada mulher produz apenas 450 óvulos maduros. Os incómodos e complexos métodos para a obtenção de óvulos, como o tratamento hormonal de estimulação ovárica, que também não está isento de riscos, seria outro factor a considerar.

Os investigadores continuam empenhados na pesquisa de outras fontes menos susceptíveis de controversas que a clonagem ou o recurso a embriões. Contudo esta última opção representa ainda a perspectiva mais eficaz, tanto na terapia directa, como na produção de cultivos de tecido in vitro para posterior substituição em lesões. Muitos cientistas defendem que a pesquisa envolvendo estas células deve continuar, pois foi com elas que aprenderam a programar as células adultas para as transformar nos tecidos pretendidos.

Vozes discordantes, porém, se levantam contra o recurso a embriões, particularmente devido ao seu comportamento após o transplante. Os investigadores suspeitam que este tipo de células possam ter elevado potencial para gerar teratomas, tanto benignos como malignos. No entanto, a reprogramação das células adultas poderá implicar idêntico risco. Por isso, torna-se necessário aprofundar os estudos sobre o comportamento destes dois tipos.

O argumento esgrimido pelos opositores às células-mãe de origem embrionária é sobretudo moral e religioso. Em causa está a utilização de embriões humanos com fins experimentais, ainda que terapêuticos, implicando a sua morte. A grande questão que opõe as duas correntes de sentidos opostos tem a ver com o estatuto ético atribuído ao embrião humano.

No fundo, trata-se de determinar quando é que o embrião pode ser considerado um ser humano e, como tal, sujeito aos mesmos direitos. Uns defendem que seria a partir da fecundação, enquanto outros esgrimem que o embrião só pode ser considerado um ser humano após o nascimento. Perante a utilização do embrião como uma "fábrica" de células estaminais, há quem argumente ainda que os direitos de um adulto ou de uma criança com uma doença incurável deveriam prevalecer sobre os direitos de um embrião congelado.

A forma como muitos governos tentaram contornar a situação foi autorizando o recurso a embriões excedentários das clínicas de fertilização in vitro. Enquanto se resolve o dilema ético, as outras opções, desde as células-mãe adultas até às células da primeira dentição, são consideradas moralmente aceitáveis. O sucesso de algumas destas alternativas tem sido silenciado pela maior parte dos meios de comunicação social ou mal interpretado, por ainda se confundirem células estaminais embrionárias com células-mãe extraídas do próprio corpo. Esta atitude e desconhecimento poderão fazer pender o fiel da balança da opinião pública para um dos lados, desequilibrando-a.

A Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos Humanos e Dignidade do Ser Humano proíbe expressamente "a criação de embriões humanos para fins de investigação". No entanto, chegar a consenso na União Europeia também se tornou inviável, visto ser uma matéria que assenta em convicções morais e religiosas, tendo em conta a diversidade cultural e histórica de cada país.

Alguns países optam pela investigação prioritária em células embrionárias, enquanto outros preferem investir nas células estaminais adultas. Entre os países europeus, o que possui legislação mais liberal é o Reino Unido, onde até a clonagem é permitida, desde que não se destine a fins reprodutivos. Mas, na sua maior parte, todos os países europeus possuem legislação mais restritiva nesta matéria.

Do outro lado do Atlântico a Food and Drug Administration (FDA) autorizou uma empresa norte-americana a realizar o primeiro ensaio clínico com células embrionárias em doentes com lesões recentes da medula espinal. Uma iniciativa que já chega tarde para activistas como Christopher Reeve mas que, com certeza, vai ter a plena aprovação de milhares de outros paraplégicos.

A utilização das células embrionárias vai continuar a suscitar a contestação ou a aprovação de alguns, com argumentos contra e a favor. Actualmente os ensaios clínicos mais avançados decorrem com células estaminais somáticas de origem medular ou umbilical. Dois exemplos notáveis, ocorridos nos últimos anos, animam os investigadores a prosseguir na pesquisa daquelas células. O primeiro caso ocorreu na Catalunha, onde um grupo de especialistas conseguiu regenerar ossos a partir de células estaminais da medula óssea; o segundo teve lugar na Coreia do Sul, onde os investigadores lograram a implantação de células umbilicais numa mulher paralítica que voltou a andar após 20 anos de sofrimento.

Mas, na mira dos investigadores, o santo graal continua a ser encontrar a ‘técnica perfeita’ de retirar as células estaminais sem destruir o embrião. Só assim seria possível ultrapassar o dilema ético e criar novas perspectivas de cura para muitas outras doenças, como a paralisia cerebral, a esclerose múltipla ou até a sida.

Para já, a única unanimidade alcançada entre a maior parte dos investigadores, líderes políticos, religiosos e especialistas em bioética é a rejeição da clonagem para fins reprodutivos. As implicações éticas que origina disparam os sinais de alarme entre a comunidade científica, porque se ontem foi a ovelha, amanhã poderá ser o pastor!

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