A NOVA FARMÁCIA

A NOVA FARMÁCIA

SOCIEDADE E SAÚDE

  Tupam Editores

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Em sentido restrito, o termo farmácia é hoje usado para designar o local onde se podem adquirir medicamentos, produtos e materiais ou serviços necessários para os cuidados da saúde e onde podem ser manipulados medicamentos constantes da Farmacopeia Portuguesa IX, ou mediante prescrição médica. Como ciência, é o ramo que se ocupa do estudo das propriedades químicas das substâncias a usar na preparação de medicamentos e produtos de saúde.

Através de profissionais com conhecimentos especializados na área da informação sobre a segurança e eficácia dos medicamentos e promoção do seu uso racional quando dispensados ao utente, a farmácia tem por função essencial desenvolver as actividades que contribuem para a salvaguarda da saúde pública da comunidade no âmbito da promoção da saúde.

Além de aconselhamento e apoio, o utente encontra hoje disponível, na farmácia, programas que visam melhorar a acessibilidade ao medicamento como, controlo da diabetes mellitus, administração de vacinas não incluídas no PNV, dispensa de medicamentos ao domicílio ou através da internet, sistema de recolha de embalagens e medicamentos fora de uso, pesquisa de farmácias ou locais de venda de MNSRM que dispensem medicamentos ao domicílio ou via internet, livro de reclamações electrónico e envio de reclamações sobre serviços prestados, para além de uma multiplicidade de serviços de controlo, produtos de saúde e bem estar.

A actividade farmacêutica em Portugal

Para além das inovações que se fizeram sentir nos planos científico e tecnológico nos últimos anos, as alterações operadas em Portugal nas últimas duas décadas no sector da farmácia e do medicamento foram muito profundas e, em grande medida, são reflexo da adesão do país à União Europeia. Contudo, a influência das modificações introduzidas não se esgotam nestes factores.

Diversas áreas de actuação profissional se congregam na actividade farmacêutica. No seu núcleo encontram-se a farmácia comunitária ou de oficina, a farmácia hospitalar, industrial e a distribuição grossista. A cada um destes sectores correspondem áreas de actuação profissional com as suas especificidades científica, técnica e tecnológica, económica e social.

O farmacêutico é um especialista do medicamento e um agente de saúde pública. Para além destes sectores nucleares da actividade farmacêutica, existem outras áreas para as quais o farmacêutico possui formação para o seu cabal desempenho, seja no ensino, na investigação científica, em diferentes áreas da saúde pública.

No "acto farmacêutico" do Estatuto da Ordem dos Farmacêuticos, o medicamento é considerado o pilar essencial. Mas também encontramos um conjunto de actividades de interesse sanitário público ligados à análise clínica, microbiológica, hidrológica, toxicológica, alimentar e outras com componente químico-biológica.

Estas componentes do exercício profissional indicam que o farmacêutico não é alguém preocupado unicamente com o medicamento, mas também um especialista de saúde pública. O seu papel como agente de saúde pública, tão característico de países do sul da Europa, constitui uma velha tradição. Sublinhe-se que o alargamento das funções do farmacêutico e da farmácia, para além do medicamento, terá sido um dos pontos essenciais de suporte para a consolidação do seu estatuto profissional na hierarquia das profissões de saúde.

Alterações mais marcantes na actividade farmacêutica nas últimas décadas

Nos anos oitenta dá-se uma profunda alteração do regime de abertura de novas farmácias comunitárias. O tradicional regime de iniciativa própria dá lugar à abertura por concurso público, sendo estabelecido um conjunto de critérios para a classificação dos candidatos.

Na prática profissional, os reflexos desta alteração legislativa fizeram-se sentir de imediato. Por exemplo, a direcção técnica das farmácias saiu fortalecida com o emergir da figura do farmacêutico adjunto, embora a regulamentação do seu número por farmácia nunca tenha sido promulgada e esta tenha desaparecido na legislação de 2007.

Para exercer a sua actividade todas têm de manter um director técnico que, de "forma efectiva e permanente", assuma a direcção técnica do estabelecimento. Caso se trate de uma empresa produtora, o director técnico seria obrigatoriamente um farmacêutico com o título de especialista em indústria farmacêutica emitido pela Ordem dos Farmacêuticos.

A promulgação, em 2004, de um conjunto variado de diplomas relativos à preparação de medicamentos manipulados veio aumentar o sentimento da segurança, eficácia e qualidade destes fármacos, revalorizando-os e tendo-lhes atribuído um papel relevante na terapêutica.

A legislação referente ao regime de propriedade e direcção técnica de farmácias para farmacêuticos foi revogada em 2007, sem que as directivas comunitárias tenham sido adaptadas para o direito português. Esta alteração veio permitir o acesso de não farmacêuticos à propriedade da farmácia, o que provocou algum desconforto no sector. Desde logo os designados "serviços farmacêuticos", que constituíram um enorme desafio às farmácias e aos farmacêuticos, bem como os diplomas da venda de medicamentos à distância e a transferência de farmácias.

O diploma que disciplina a transferência de farmácias comunitárias veio permitir a sua deslocação dentro do mesmo município e eventualmente para concelho limítrofe, em condições estabelecidas pela Portaria 1430/2007. O número de farmácias no país cresceu acentuadamente.

Segundo a Ordem dos Farmacêuticos, em 1976 eram cerca de 1989 e em 2006 havia 2775 em funcionamento.

Outra alteração profunda ocorreu com a possibilidade de medicamentos não sujeitos a receita médica poderem ser comercializados fora das farmácias. Os estabelecimentos autorizados pelo Infarmed podem ser propriedade de pessoa singular ou colectiva e a responsabilidade pelo seu funcionamento é de um farmacêutico ou técnico de farmácia, que pode ter à sua guarda até cinco estabelecimentos desde que a distância entre os mais afastados não ultrapasse cinquenta quilómetros.

A farmácia hospitalar é definida como sendo "o conjunto de actividades farmacêuticas exercidas em organismos hospitalares ou serviços a eles ligados para colaborar nas funções de assistência a esses organismos e serviços e promover a acção de investigação científica e de ensino que lhes couber". Aos serviços farmacêuticos foi atribuída uma certa autonomia técnica. Com o desenvolvimento do sector deu-se o alargamento da área de actividade do farmacêutico hospitalar para o domínio da radiofarmácia.

Os serviços farmacêuticos dos hospitais e as farmácias comunitárias não devem ser confundidos com as farmácias de dispensa de medicamentos ao público nos hospitais do SNS, cuja instalação foi autorizada em 2006.

No preâmbulo da legislação justificava-se a existência daquele tipo de farmácia devido ao "interesse manifestado por diversos hospitais com serviços de urgência na abertura deste serviço público concessionado". Tinha por objectivo, de acordo com novo diploma de 2009, "a necessidade de assegurar a continuidade no fornecimento ininterrupto de medicamentos, bem como o estabelecimento de regras mais eficazes na defesa do interesse público". O impacto destas e outras alterações no sector, nos últimos anos, por certo irão ser objecto de reflexão no decurso do próximo Congresso Nacional dos Farmacêuticos 2012, agendado para a primeira semana de Novembro, no centro de Congressos de Lisboa.

A rede de distribuição grossista em Portugal é constituída por diversos armazéns de medicamentos em diferentes regimes de propriedade. Cerca de 40 por cento em regime de cooperativas, 29 por cento sob controlo de empresas multinacionais, 9,5 por cento detidos por empresas nacionais, existindo ainda 21,5 por cento com outros tipos de enquadramento. Trata-se de um sector que passou por uma modernização profunda nos planos institucional, técnico e científico.

O medicamento

O primeiro diploma legal a regular o "Estatuto do Medicamento", publicado em 1991, veio alterar a legislação até aí dispersa, tendo introduzido tópicos inovadores em diversas áreas do medicamento, designadamente nos processos de autorização de introdução no mercado (AIM), que passaram a ser sujeitos a regras de muito maior rigor científico.

Em 1985 estavam disponíveis no mercado nacional 3597 marcas de medicamentos, tendo esse número subido para 6424 em 2002. Em 1996 foi autorizada a introdução de 306 medicamentos no mercado português e 416 em 2002. Assim, o diploma de 2006, ao transpor para o direito português directivas comunitárias, uniformizou também um conjunto de legislação dispersa, tendo alterado de forma profunda a renovação das autorizações de introdução no mercado.

Também na publicidade ao medicamento foram alterados e regulamentados alguns aspectos específicos, assim como na prescrição de medicamentos por via electrónica.

A implementação do programa dos medicamentos genéricos em 2001/2002 – hoje com uma quota de mercado superior a 25 por cento –, a obrigatoriedade de prescrição por princípio activo e, mais recentemente, a receita electrónica constituem marcos importantes na área da saúde no país, tendo colocado à farmácia e seus profissionais novos desafios.

Na sua esmagadora maioria, as empresas farmacêuticas estabelecidas em Portugal são de capital estrangeiro, sendo muito reduzida a participação nacional. Dedicam-se sobretudo à produção e entrada de medicamentos no mercado e são em número reduzido as que investem em actividades de I&D.

Depois da entrada do país na Comunidade Europeia, questões como as boas práticas de fabrico, qualidade e segurança dos fármacos, sua eficácia, informação, publicidade, autorização e introdução no mercado, passaram a ser temas de primeira importância com legislação e regulamentação apropriadas.

As entidades reguladoras

Também no domínio da regulação se observaram alterações muito relevantes. A antiga Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos (CRPQF) deu lugar, em 1984, à Direcção Geral de Assuntos Farmacêuticos (DGAF), que em 1993 se converteu no Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (Infarmed), tendo por sua vez dado origem à actual Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed, IP).

Tendo-se autonomizado após a adesão à Comunidade Europeia, o Infarmed tem por objectivo "regular e tutelar todos os sectores respeitantes aos medicamentos, dispositivos médicos, cosméticos e produtos de higiene corporal", funções similares das que eram tuteladas pela DGAF.

Compete, também, contribuir para uma adequada política do medicamento, autorizar a entrada de novos medicamentos, proceder à sua suspensão, abrir concurso para atribuição de novas farmácias, encerrar farmácias e indústrias farmacêuticas, regulamentar, avaliar, autorizar, fiscalizar, controlar a distribuição, comercialização, utilização de medicamentos e de dispositivos médicos e cosméticos.

O ensino e a profissão farmacêutica

A profissão farmacêutica passou por alterações profundas nos últimos anos, tanto no plano técnico-científico como profissional e económico.

Em 2010 não existiam em Portugal farmacêuticos desempregados, situação que se tem mantido com pequenas variações, não obstante o agravamento da conjuntura sócio-económica. Todos os recém-licenciados são habitualmente absorvidos pelo mercado de trabalho, em particular pela farmácia comunitária, muito embora a profissão tenha vindo a sofrer alguma degradação económica.

A industrialização do medicamento na primeira metade do século XX ocasionou uma forte crise das farmácias em Portugal e, consequentemente, do exercício da profissão farmacêutica, com destaque para as décadas de 30 a 60, época em que o ensino farmacêutico em Portugal tinha baixa frequência.

A institucionalização do Serviço Nacional de Saúde, o regime de comparticipação de medicamentos, a valorização da profissão incentivada por instituições de classe como a Associação Nacional das Farmácias e, mais tarde, a entrada de Portugal na CEE foram decisivas para a revalorização da farmácia e do farmacêutico.

As Faculdades de Farmácia das Universidades de Lisboa, Porto e Coimbra perderam o exclusivo do ensino das Ciências Farmacêuticas, que se estendeu para a Beira Interior e Algarve, no que refere ao ensino público, e a outras instituições particulares do Porto e de Lisboa.

Segundo dados de 2009 da Ordem dos Farmacêuticos, estão inscritos na instituição 12306 farmacêuticos. Em 1970 o seu número em Portugal não chegava a 1800. Dez anos depois eram 3378 e em 1993 encontravam-se em exercício 5257.

Na área profissional, 60 por cento exercem a sua actividade em farmácia comunitária, um pouco menos de 8 por cento em análises clínicas, 6 por cento na indústria farmacêutica e valores semelhantes em farmácia hospitalar. A distribuição grossista e investigação ocupam cerca de 3 por cento e 1 por cento respectivamente. Contudo, mais de 10 por cento dos farmacêuticos exercem a sua actividade noutras áreas que não as referidas.

Com a aprovação, em 2001, do Estatuto da Ordem dos Farmacêuticos, surge o também o Código Deontológico dos Farmacêuticos Portugueses. No novo estatuto, primeiro aborda-se o designado "acto farmacêutico", não se definindo o acto em si mesmo, mas referindo-se o seu conteúdo. O farmacêutico actual, em sintonia com o que é plasmado na grande maioria dos países da Europa Comunitária, é consagrado como "especialista do medicamento e um agente de saúde pública".

Conclusão

Ser farmacêutico é ter uma profissão ao serviço da vida. O novo conceito da farmácia na Europa Comunitária, sem fronteiras, não modificou em nada as bases da actividade profissional farmacêutica de há muito definidas. Apenas introduz alterações relativas ao reconhecimento mútuo dos diplomas, às condições de acesso e ao exercício da profissão.

Segundo um estudo realizado nos EUA em 2010, os farmacêuticos são os profissionais em que a população mais confia. Entre nós, no inquérito "marcas de confiança 2010", realizado pelo Reader' Digest, os portugueses elegem a profissão farmacêutica como a terceira que mais merece a sua confiança e, entre os profissionais de saúde, o farmacêutico fica à frente de todas as outras profissões.

Tendencialmente, no futuro a farmácia irá vender mais serviços que produtos. A qualidade dos serviços será um dos factores determinantes para o sucesso comercial de qualquer farmácia, já que em relação aos produtos, num sector fortemente regulado, as diferenças são quase nulas.

No mercado farmacêutico actual, a oferta de um serviço diferenciado como mais-valia na fidelização e preferência do utente (cliente) é por isso um factor incontornável.

A nível do medicamento, é possível estabelecer um "antes e depois" da adesão de Portugal à Europa Comunitária. No domínio dos medicamentos manipulados as alterações foram muito significativas, tendo-se aumentando o rigor da sua preparação e beneficiado a qualidade e segurança.

"Há sempre lugar no topo", Daniel Webster.

Ver mais:
FARMACÊUTICO, O AGENTE DA SAÚDE


Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
09 de Abril de 2024

Referências Externas:

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