CÃES-GUIA, ANIMAIS COM MISSÃO

CÃES-GUIA, ANIMAIS COM MISSÃO

CANÍDEOS

  Tupam Editores

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Um cão-guia é um cão de assistência, adestrado para conduzir pessoas cegas ou com deficiência visual grave, ou auxiliá-lo nas sua tarefas de rotina. Na condução do deficiente, o cão-guia deve possuir a capacidade de discernir eventuais perigos devidos a barreiras, pelo que é requerida elevada inteligência e treino intenso, por forma a desempenhar cabalmente a sua função.

Os cães-guia são um companheiro imprescindível para o seu dono invisual, que sem a sua base de apoio não poderiam ter a liberdade de movimentos quer nas suas atividades diárias quer nas saídas de casa.

A primeira relação privilegiada entre um cão e uma pessoa invisual perde-se no tempo, mas talvez a prova mais longínqua tenha ficado gravada num mural do século I presente nas ruínas romanas da cidade de Herculaneum.

O treino sistemático de cães para guiarem invisuais surge bem mais tarde, por volta do ano 1780, no hospital para cegos Les Quinze-Vingts em Paris. Algum tempo depois, em 1788, Josef Riesinger, um fabricante de peneiras austríaco de Viena, treinou tão eficazmente um Spitz Alemão, que as pessoas frequentemente duvidavam de que ele fosse realmente invisual.

Mais tarde, em 1819, Johann Wilhelm Klein, fundador do Instituto para a Educação dos Cegos (Blinden-Erziehungs-Institut) em Viena, mencionou o conceito do cão-guia para deficientes visuais no seu livro sobre educação de pessoas cegas (Lehrbuch zum Unterricht der Blinden).

Porém, a história moderna dos cães-guia para deficientes visuais, começou durante a 1ª Guerra Mundial, quando milhares de soldados regressavam das frentes de batalha cegos devido ao gás venenoso. Um médico alemão, o Dr. Gerhard Stalling, teve a ideia de treinar um elevado número de cães para ajudar esses soldados. A ideia surgiu-lhe quando passeava com um paciente pelos jardins do hospital, na companhia do seu cão. Deixou-os por alguns momentos e, quando voltou, teve a certeza de que o seu cão estava a tomar conta do paciente cego diligentemente.

Começou, então, a estudar várias técnicas para treinar cães, de modo que se tornassem guias fiáveis e, em Agosto de 1916, abriu em Oldenburg a primeira escola do mundo de cães-guia para cegos. A escola cresceu tendo aberto novas filiais em Bona, Breslau, Dresden, Essen, Freiburg, Hamburgo, Magdeburgo, Münster e Hannover, onde eram educados e treinados cerca de 600 cães por ano. De acordo com alguns relatos, estas escolas forneciam cães não apenas para ex-soldados, mas também para invisuais civis no Reino Unido, França, Espanha, Itália, Estados Unidos, Canadá e União Soviética.

Até 1996, quando abriu a primeira escola portuguesa de cães-guia, Portugal era o único país da União Europeia que não dispunha desta ajuda técnica para os deficientes visuais. Atualmente os educadores de cães-guia, Sabina Teixeira, Vítor Costa e Marta Ferreira, da Associação Beira Aguieira de Apoio ao Deficiente Visual (ABAADV), sedeada em Mortágua, são pioneiros no exercício desta profissão a tempo inteiro no país, sendo hoje responsáveis pela formação de cerca de catorze duplas de cego/cão guia por ano.

Esta associação sem fins lucrativos, que cresceu e se formou a partir de um projeto comunitário tendo por objetivo a formação de cães-guia para cegos, é desde o ano 2000 uma Instituição Particular de Solidariedade Social de âmbito nacional, que tem por objetivo promover por todos os meios a cooperação com entidades públicas e privadas, no apoio à integração social, cultural e profissional do deficiente visual.

Segundo o relatório de atividades de 2015, a Instituição consolidou a sua estrutura e funcionamento tendo reforçado o protocolo de cooperação com a Escola Guiding Eyes de Nova Iorque com a entrega de mais dois cães pré-selecionados e estabelecido um entendimento para que os educadores usufruam de formação evolutiva em Nova York, além de manter o protocolo estabelecido com a Federação Francesa para fornecimento de cachorros do CESECAH.

A Instituição conta com o apoio da Segurança Social através de protocolo atípico, Câmara Municipal de Mortágua e outros municípios, empresas patrocinadoras e de cerca de 600 sócios individuais e coletivos, além de outros proveitos de eventos e donativos.

Desde 1999 já foram atribuídos mais de 100 cães-guia a invisuais de todo o território nacional, mostrando à sociedade a importância desta ajuda, que para a maioria dos portugueses ainda permanece desconhecida.

Foi precisamente nessa data que entrou em vigor o Decreto-Lei Nº 118/99 de 14 de abril que introduziu no ordenamento jurídico português regras destinadas a facilitar a missão de meio auxiliar de locomoção que os cães-guia acompanhantes de deficientes visuais desempenham, colmatando-se, assim, uma lacuna legislativa.

Posteriormente, este diploma foi substituído pelo Decreto-Lei Nº 74/2007 de 27 de março, que alargou o âmbito da lei aos cães de assistência, introduziu o processo contraordenacional e, mais importante ainda, veio impor a credenciação e acreditação para o exercício das atividades da educação de cães-guia para cegos em Portugal.

Atualmente os cães-guia constituem o principal tipo de cão de assistência no mundo. A sua atuação tem-se destacado por transformar a vida das pessoas que os utilizam. Mas cada um dos protagonistas, utilizador e cão-guia, tem um papel particular a desempenhar.

Raças de eleição e papel do cão-guia

Nem todos os cães se podem tornar cães-guia. Estes têm de possuir características muito próprias e específicas. Na verdade, mesmo entre as raças mais indicadas para a função, somente um em quatro pode servir para desempenhar as tarefas necessárias com eficiência.

Em primeiro lugar é necessário que tenha boa capacidade de aprendizagem, no que respeita à quantidade de informação que consegue processar mas sobretudo no que se refere à capacidade de registo, ou seja, é necessário que não esqueça o que aprendeu.

O cão-guia deve ser especialmente calmo, dócil, e suficientemente inteligente e maduro para tomar decisões autónomas, quando necessário.

Não pode mostrar qualquer sinal de agressividade, como ladrar e muito menos morder ou tentar morder as pessoas que circunstancialmente o possam rodear. Deve ter uma boa fluência motora e andar certo; não pode ter, por exemplo, displasias da anca, doença muito comum entre os cães de médio e grande porte.

Tem de revelar bons índices de obediência e ser um cão mais submisso que autoritário, para que o seu único critério para desobedecer ao dono seja evitar que ele ponha em perigo a sua segurança – a chamada desobediência "inteligente".

É também importante que tenha uma boa capacidade de adaptação a novas circunstâncias e ambientes, pois no que diz respeito ao número de pessoas a quem se subordinará, irá conhecer uma família de acolhimento, que o socializará nos seus primeiros meses de vida, um educador, que lhe ministrará o treino específico e, finalmente, o utilizador cego.

Quanto a ambientes, depois de ter sido educado e treinado em determinado lugar, o cão tem de abandonar o espaço que conhece, mudando-se para a residência do utilizador que, habitualmente, é em local completamente diferente e até distante.

A escolha das raças caninas para serem utilizadas como cão-guia é bastante diversificada e varia de país para país. A raça mais utilizada atualmente é o Labrador. Contudo são igualmente usadas outras, como o Golden Retriever, o Pastor Alemão e o Boxer. Tal procedimento fica a dever-se ao facto de ter de atender-se a condicionalismos como, por exemplo, o clima onde os animais vão atuar, a morfologia do utilizador e à sociedade onde este está inserido.

Em Portugal a raça escolhida para ser utilizada como cão-guia foi o Labrador. Esta raça apresenta uma natural tendência para servir o ser humano, tarefa que desempenha com alegria, o que o torna um companheiro fácil de gratificar, desinteressado, dedicado e digno de confiança.

A principal função do cão-guia é conduzir o utilizador em segurança através dos espaços onde precisa de circular, seja nos passeios ou nas plataformas das estações ferroviárias, mantendo a pessoa afastada da estrada ou de bermas perigosas, como os cais.

O cão aprendeu a evitar todos os obstáculos com que o dono possa colidir, quer os que se encontram à altura do solo – como carros mal estacionados, buracos no pavimento, postes, pessoas, excrementos animais e até a escolher o piso menos acidentado ou mesmo a evitar as poças de água –, quer os que ameaçam a cabeça, como os ramos de árvores por exemplo.

Mas se estas funções já são de extrema importância e requerem inteligência e destreza, os cães-guia são também treinados para procurar um lugar vago no autocarro ou café, conduzir o dono até ao balcão de atendimento em estabelecimentos comerciais, encontrar-lhe a máquina multibanco ou o telefone público mais próximos, localizar as passadeiras para peões, e impedir o atravessamento das ruas com carros em movimento.

Entre o cão-guia e o seu dono estabelece-se uma relação de amizade e confiança. Um entendimento perfeito que se constrói ao longo de toda a vida, mas que se inicia com o treino intensivo do cão, criado especialmente para essa função.

O treino e a formação da dupla

A instrução de um cão-guia tem início com um rigoroso processo de seleção genética e comportamental. Depois de selecionado, próximo dos três meses de idade, o cão inicia a fase de socialização, que se prolonga até o animal completar cerca de um ano de idade.

Esta fase pode ser conduzida pelo treinador ou por uma família voluntária, que cuida do animal no seu primeiro ano de vida. Durante este processo o cão aprende a conviver em ambiente social, urinar e defecar apenas em locais apropriados e alguns comandos básicos para o convívio.

Terminada esta fase, inicia-se a formação específica com uma duração aproximada de sete meses, podendo, se necessário, prolongar-se. Nos primeiros seis meses, o cão aprende a desviar-se de obstáculos, perceber o movimento do trânsito, identificar objetos, encontrar a entrada e saída de diferentes locais, entre muitas outras atividades.

Quando começa a formação específica o cão vai aprender a trabalhar ao arnês, sendo este o instrumento necessário à realização do trabalho de um cão-guia, e que consta de um colete no qual se encaixa uma alça metálica que o une à pessoa, permitindo-lhe perceber com exatidão os movimentos que o cão executa.

O utilizador de um cão-guia não deve exercer nenhuma influência sobre a pega do arnês. Apenas tem de segurá-la e interpretar os sinais que o cão lhe dá através do seu corpo. É assim que pode calcular, por exemplo, a altura de um degrau, mediante a inclinação do corpo do Labrador quando o desce ou sobe. O objetivo principal é conseguir que o animal aceite a pessoa como um prolongamento de si próprio.

O tempo total de treino é de aproximadamente 16 meses, podendo estender-se até aos 21 meses. No último mês é realizado o treino para transformar a dupla cão-guia e utilizador numa equipa que interagirá na mais perfeita harmonia. Cada etapa da entrega de um cão-guia tem grande importância pois, em conjunto, são o pilar de um futuro relacionamento.

A constituição da dupla é realizada em função do temperamento, das capacidades e necessidades da pessoa cega. Uma vez selecionado o cão em função do perfil do futuro utilizador o candidato efetua um estágio de formação com a duração de 15 dias.

A primeira fase de aprendizagem, que permite a progressiva e efetiva adaptação entre cego e cão-guia, é feita na escola, onde existe uma área residencial com tudo o que é necessário para garantir a segurança e bem-estar do candidato durante este período.

Nesta fase, o educador elabora um programa de trabalho que vai permitir ao utilizador conhecer o comportamento e caráter do seu cão-guia bem como tomar conhecimento das ordens e técnicas necessárias para virem a ser uma dupla de sucesso.

A segunda fase é passada na área de residência do futuro utilizador, onde o educador vai proceder à correta adaptação da dupla ao meio envolvente (casa, trabalho, lazer, etc.). Terminada esta fase, é assinado entre ambas as partes um contrato – acordo de entrega do cão-guia – mediante o qual o candidato recebe o cão gratuitamente, comprometendo-se a cuidar dele ao longo da sua vida.

É importante relembrar que o cão-guia é apenas um animal e, como tal, não decide o que fazer. Trabalha sempre às ordens do seu utilizador exceto em situações de perigo, em que pode eventualmente contrariar a ordem que recebe.

É um cão de trabalho, e não uma mascote. O seu comportamento e forma de estar é completamente diferente de outros cães e a dupla função de guia e de companheiro deve ser respeitada.

Acresce que, para além de todo o trabalho que realiza, o cão-guia é também uma excelente companhia, que contribui para alterar a postura cabisbaixa do cego, caminhando com a bengala pela rua.

É um fator de incremento de autoestima e representa uma extraordinária melhoria na qualidade de vida da pessoa cega, a nível da sua autonomia e independência. O deficiente visual ganha uma nova liberdade!

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
09 de Abril de 2024

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