Christian, uma criança norte-americana de 4 meses, entra de urgência no hospital pediátrico da sua cidade com fracturas múltiplas no crânio. Os primeiros exames de raios-x detectam mais de 14 ossos quebrados em diferentes fases de consolidação. Imediatamente, os Serviços de Protecção do Menor são contactados, os pais de Christian detidos e posteriormente julgados. O pai é acusado de maus tratos e sentenciado a uma pena de 7 a 15 anos de prisão. Porém, a verdadeira causa dos ossos partidos de Christian é um transtorno genético de que sofre desde o nascimento e que médicos e assistentes sociais desconhecem.
Trata-se da Osteogénese Imperfeita (OI), também conhecida por Doença de Lobstein, dos Ossos Frágeis ou de Vidro, uma doença genética caracterizada pela elevada fragilidade óssea, que leva a fracturas frequentes, que tanto podem surgir espontaneamente como devido a pequenos traumatismos.
Tal como ocorreu com a família de Christian muitos outros casais são falsamente acusados de agressão física aos filhos com consequências trágicas para a família, incluindo a retirada da custódia das crianças.
A doença resulta de deficiência dos genes responsáveis pela produção de colagénio, proteína importante para a formação dos ossos, pele e tendões. Embora a absorção do cálcio se mantenha durante a fase de maior vulnerabilidade na infância, devido ao crescimento, o tecido ósseo das pessoas atingidas pela OI é muito frágil. Na puberdade as fracturas tendem a diminuir e na vida adulta por vezes desaparecem, reaparecendo depois dos 40 anos como resultado da osteoporose.
Apesar de ser considerada uma doença genética rara que atinge apenas 0,005 por cento da população mundial, cerca de meio milhão de pessoas, há sinais e relatos da sua existência desde há mais de três mil anos. Não obstante, só em 1849 a doença foi identificada pela primeira vez em recém-nascidos e denominada de Osteogenesis Imperfecta, pelo anatomista alemão Willem Vrolik. Dez anos depois foi o médico inglês Edward Ormedod a detectar a patologia numa pessoa adulta, uma mulher de 68 anos com apenas um metro de altura, que transmitiu a doença aos seus descendentes – uma filha e um filho. Pela notoriedade, o seu esqueleto encontra-se preservado no Real Colégio de Cirurgiões de Londres.
Contudo, só recentemente, em 1979, o médico australiano David Silence classificou a doença nas quatro categorias que até hoje se mantêm como referência na literatura médica, apesar de algumas adaptações.
Causas e sintomas
A OI é uma doença autossómica dominante, ou seja, cada doente possui uma cópia do gene. Na maioria dos casos é herdado de um dos progenitores, embora, em algumas situações, a doença possa surgir como resultado de novas mutações genéticas. Cada pessoa com OI tem 50 por cento de probabilidades de poder transmitir o gene e a doença aos seus descendentes. Em causa estão dois genes, denominados COL1A1 e COL1A2, localizados nos cromossomas 17 e 7 respectivamente, embora investigações recentes tenham detectado a presença de um terceiro gene na manifestação da patologia.
Quando um gene com uma mutação genética dominante se combina com um gene normal, pode ocorrer uma das seguintes situações: o gene dominante dá instruções às células para produzir proteína de colagénio defeituosa enquanto o gene normal transmite instruções contrárias; o colagénio defeituoso prevalece, dando origem aos casos mais moderados e graves da doença, que correspondem ao tipo II, III e IV. A outra situação acontece quando o gene normal consegue produzir algum colagénio e o gene mutado dominante não consegue dar instruções em sentido contrário, ocorrendo o tipo I da doença, ou seja, na sua forma mais ligeira e que se traduz pela presença de colagénio bom, embora em quantidades insuficientes.
Cerca de 25 por cento das crianças com OI nascem em famílias sem antecedentes da doença. Estes casos correspondem a mutações genéticas novas ou espontâneas que ocorrem no espermatozóide ou no óvulo, antes da concepção. A possibilidade de um dos progenitores transmitir a doença aos filhos é real. Por isso, é conveniente uma orientação genética antes da gravidez, que implique um correcto diagnóstico pré-natal com exames de ultra-som, amniocentese e análise do tecido coriónico para detectar proteínas anormais de colagénio ou uma mutação genética que indicie a presença de OI no feto.
As características da doença variam de indivíduo para indivíduo, inclusive no seio do mesmo grupo com determinado tipo de OI. Os sintomas podem surgir ou não, com vários níveis de gravidade. O principal é a debilidade óssea, que origina fracturas e deformidades, além de estar na origem da baixa estatura do paciente.
Outros sintomas associados à doença incluem escoliose (desvio da coluna vertebral), defeitos na formação dentária, coloração ou fragilidade dos dentes (dentinogenesis imperfecta), esclerótica (parte branca dos olhos) azulada, músculos debilitados, articulações frouxas, pele frágil, perda progressiva de audição, voz aguda, face com forma triangular e anomalias na caixa torácica.
A longo prazo, as sucessivas fracturas levam a deformações nos ossos longos (pernas, coxas, antebraços e braços) com encurtamentos, desvios e limitação de movimentos. Os ossos mais curtos, como os da coluna e bacia, cedem ao peso dos órgãos e tecidos, ficando achatados, o que origina a baixa estatura no doente além de anomalias cardíacas e pulmonares.
Habitualmente, as crianças com um crescimento mais rápido, apresentam maior número de fracturas. Quando o crescimento é interrompido com a maturidade sexual, as células do osso, os osteoblastos, podem concentrar-se na produção da massa óssea em quantidade suficiente, sem necessidade de formar osso novo para o crescimento, diminuindo assim a frequência de fracturas. Por isso é que, em muitos casos, se assiste a uma notável melhoria durante a adolescência, podendo mesmo acontecer que pacientes em cadeira de rodas adquiram capacidade de andar. Contudo, a autonomia do doente nesta fase é directamente proporcional à gravidade dos danos que se foram acumulando ao longo dos anos.
De destacar que as capacidades intelectuais nestes indivíduos não ficam comprometidas pela doença, havendo casos com uma inteligência superior à média. A esperança de vida também não é afectada. Uma pessoa com OI poderá ter aproximadamente a mesma expectativa de vida que outra sem a deficiência e fazer uma vida normal, apesar das limitações da doença.
Em relação ao diagnóstico, podem realizar-se exames bioquímicos no sentido de analisar o colagénio ou testes de ADN para confirmar as suspeitas, embora os sinais clínicos, a nível físico, sejam evidentes. Também se pode fazer exames de densitometria para avaliação da massa óssea da coluna vertebral, ancas e braços – as zonas onde mais frequentemente ocorrem as fracturas devido à reduzida massa óssea naquelas zonas.
Tratamento e perspectivas de futuro
À semelhança de outras doenças genéticas raras, também não há cura para a OI. Ainda não se descobriu até agora nenhum método para obrigar as células a incrementar a produção de colagénio ou melhorar a sua qualidade. Por isso, os tratamentos são essencialmente direccionados para o controlo dos sintomas, em função das necessidades específicas de cada paciente. São tratamentos paliativos e correctivos da doença, que incidem sobretudo na fisioterapia e no correcto tratamento das fracturas, em que se inclui a inserção de agulhas telescópicas Bayley nos ossos largos, com o objectivo de prevenir curvaturas anormais e futuras lesões ósseas.
No que se refere ao tratamento farmacológico, após várias exeriências falhadas, nomeadamente através de hormonoterapia, a única terapêutica que tem mostrado resultados muito promissores é através da administração de alguns tipos de bifosfonatos, nomeadamente o pamidronato dissódico. Investigações recentes têm vindo a ser realizadas no Canadá, em particular no Hospital Shriners, que se destacou a nível mundial como centro de referência no tratamento da OI.
Os resultados ali obtidos superaram as expectativas dos investigadores, levando a que o pamidronato se tornasse medicamento obrigatório para muitos portadores de OI em todo o mundo. A substância, embora não elimine a doença, é eficaz no combate à dor e incidência de fracturas, incrementando a densidade e mobilidade ósseas, o que se repercute na melhoria da qualidade de vida para estes pacientes.
Para além disso, é considerado um tratamento bastante simples, envolvendo apenas algumas transfusões diárias da substância, diluída em soro fisiológico, na proporção de um miligrama por kg durante três dias consecutivos, em cada quatro meses. Para complementar a terapêutica, é necessário a ingestão diária de, pelo menos, 1000 mg de cálcio, pois o pamidronato vai funcionar como veículo para fixação do mineral no osso.
Os especialistas daquela instituição médica canadiana recomendam ainda a realização de uma cirurgia para colocação de hastes telescópicas de titânio nos fémures, que acompanham o crescimento ósseo. As hastes, fortalecem os ossos, evitando futuras fracturas, e corrigem deformidades, funcionando como apoio para aumentar a mobilidade do doente.
Para além do pamidronato, está também na mira dos especialistas canadianos uma outra substância que promete revolucionar ainda mais os tratamentos para a OI. Trata-se do zoledronato, um derivado do pamidronato, que pode ser até 850 vezes mais potente que o seu precursor, com a vantagem de ser aplicado apenas numa única injecção, ao invés das três infusões intravenosas actuais.
A utilização do alendronato oral nos doentes com OI também é uma possibilidade, já investigada por aqueles especialistas. Mas as maiores expectativas radicam na terapia genética: quanto melhor se entenderem as causas e os mecanismos da doença, mais dirigido e eficaz poderá ser o tratamento destes doentes e maiores as possibilidades de prevenção.
Nesse sentido, já em 2008, através de uma avançada técnica de selecção genética, foi concebida a primeira criança na qual se conseguiu evitar a transmissão da doença. Esta criança, nascida em Espanha, tinha 50 por cento de probabilidades de vir a manifestar a doença, mas actualmente pode levar uma vida normal, sem a preocupação de poder transmitir a doença a seus descendentes.
Consequências colaterais e desafios
Outras consequências da doença, como a surdez progressiva ou a dentinogénese imperfeita, devem também ser seguidas e tratadas, sendo necessário neste último caso a assistência continuada de um dentista pediátrico. Contudo, a perda de audição implica um procedimento mais cuidadoso, na medida em que pode obrigar a intervenção cirúrgica que inclua o implante de prótese para permitir a transmissão dos sinais sonoros ao ouvido interno. Devido à fragilidade do tecido e dos ossos, este género de operação não pode ser considerado de rotina, por envolver muitos riscos, apesar da utilização do laser ter vindo a melhorar os resultados.
O acompanhamento do doente com OI deve ser precoce e envolver uma equipa multidisciplinar, constituída por ortopedistas, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e outros técnicos que possam contribuir para melhorar a qualidade de vida do doente.
O médico de família deve ter pleno conhecimento de toda a história clínica do paciente, desde vacinas, fracturas, cirurgias ou alergias, sendo indispensável a participação constante e empenhada dos pais em todo o processo. Mas é ao doente que compete um papel activo na sua reabilitação, porque, apesar dos ossos terem propensão para quebrar, a sua força de vontade deverá manter-se inquebrantável.
O desafio é reduzir ao mínimo a perda óssea. Para isso, o paciente deve seguir uma prática de exercícios físicos intensiva, através da natação, caminhadas ou até levantamento de pesos, que contribua para o fortalecimento dos ossos e do tónus muscular. O recurso a ajudas técnicas específicas é uma alternativa para os doentes conseguirem exercitar determinado membro do seu corpo. Por outro lado, uma alimentação equilibrada, que inclua doses adequadas de cálcio, fósforo, zinco, magnésio, vitaminas D e C, torna-se obrigatória para estes doentes, já que contribui para o crescimento das células ósseas e formação de colagénio. Em contrapartida, o doente deve evitar o consumo de álcool, tabaco, cafeína e medicamentos que contenham esteróides, por poderem aumentar a fragilidade óssea.
O doente com OI deve tentar levar uma vida o mais normal e satisfatória possível, apesar das suas limitações ósseas. A deficiência não pode ser um impedimento para a sua participação activa na sociedade, seja a nível pessoal ou profissional.
A confirmá-lo está o exempo da mãe mais pequena do mundo, Stacey Herald, que também sofre de OI. Apesar do risco que envolve uma gravidez na sua situação, esta mulher vai tentar a sua sorte como mãe uma terceira vez, mostrando como a força de vontade pode prevalecer sobre as dificuldades. Stacey é mais uma prova de como o ser humano não se mede aos palmos, mesmo quando a sua estatura não vai além dos 73 centímetros!
A vacinação continua a ser o melhor meio de proteção contra o vírus, com uma proteção mais eficaz contra doenças mais graves, embora o seu efeito protetor diminua com o passar do tempo.
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