MEDICAMENTOS CONTRAFEITOS, FRAUDE E CRIME
MEDICINA E MEDICAMENTOS
Tupam Editores
São produzidos de forma fraudulenta, à margem da lei e fora de qualquer controlo das entidades reguladoras e de critérios laboratoriais para certificação de qualidade, e adquiridos pelos consumidores, que são levados a acreditar, através de propaganda enganosa, que se trata de tratamentos eficazes e legítimos.
Estes medicamentos podem causar uma série de problemas de saúde graves. Os falsos fármacos podem parecer em tudo idênticos aos originais, porém podem ser formulados de forma incorreta podendo a sua formulação adulterada conter quantidades erradas do ingrediente ativo ou mesmo nenhum, podem apresentar rotulagem com instruções incorretas, conter substâncias não aprovadas ou perigosas, ou serem produzidos em precárias condições de salubridade.
Estima-se que cerca de 80 por cento dos medicamentos falsificados venham do exterior, adquiridos através da internet, e muitos deles são fabricados na Índia, México, China e outros países com regulamentação inadequada ou permissiva.
Segundo dados de 2015 da Organização Mundial de Saúde (OMS) estima-se que nos países desenvolvidos a contrafação de medicamentos atinja 1 por cento do valor global do mercado. Porém, esse valor atinge cerca de 30 por cento quando falamos de países em vias de desenvolvimento dos continentes africano, asiático e sul-americano onde a venda de antimaláricos, tuberculostáticos e antirretrovirais contrafeitos é prática comum, muitas vezes em mercados informais.
A contrafação é parte de um fenómeno maior de produção de medicamentos de qualidade inferior, perigosos para a saúde e ineficazes para tratar as doenças. Os medicamentos contrafeitos são prejudicais para a saúde e embalados fraudulentamente de forma deliberada, e a sua identificação e origem são completamente adulteradas.
São falsificados quer medicamentos de marca quer genéricos e surgem no mercado sob diversas formas: substância ativa em proporções e dosagens erradas, substância ativa diferente da indicada ou mesmo sem a substância.
Se, por um lado, alguns podem ser produzidos com elementos inofensivos à saúde, como o açucar, outros podem ter na sua composição elementos nocivos, como pó de tijolo, gesso e outros materiais perigosos. A contrafação pode igualmente ocorrer através de operações de reembalagem, alteração do prazo de validade ou transporte em más condições, deteriorando a sua qualidade.
Apesar de o problema ser mais grave nos países subdesenvolvidos, qualquer pessoa em qualquer parte do mundo pode encontrar medicamentos falsificados que ostentem uma embalagem aparentemente autêntica, cujo conteúdo parece bem acondicionado, mas cuja fórmula farmacêutica é uma fraude.
Qualquer medicamento é passível de ser ou já foi contrafeito, desde os designados lifestyle, aos antineoplásicos, antibióticos, hipertensivos, ou antidislipidémicos, esteroides, genéricos, analgésicos e anti-histamínicos.
Ocasionalmente, pode encontrar-se um medicamento falsificado de "alta qualidade", ou seja, que contenha, de facto, o ingrediente ativo declarado, na quantidade certa.
Qualquer que seja o caso, este tipo de fármaco nunca será de confiança, dado se desconhecer a sua origem e não ter sido sujeito ao controlo de qualidade, sendo por isso ilegal.
As estimativas indicam que, nos países desenvolvidos, um por cento do total de medicamentos disponíveis no mercado são contrafeitos. Já nos países africanos, asiáticos ou da América Latina o número oscila entre os 10 a 30 por cento.
Nos países em vias de desenvolvimento é intolerável que exista fácil acessibilidade da população aos medicamentos contrafeitos indicados para tratar doenças mortais, como a malária, a tuberculose e a sida.
Devido à ausência de regulação ou à sua deficiente aplicação, a qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos nos países em vias de desenvolvimento não podem ser garantidas porque o contrabando e a importação são práticas comuns.
Em Angola, por exemplo, ocorreu em finais de 2013 uma gigantesca operação de controle de medicamentos contrafeitos de que resultou uma das maiores apreensões de sempre de medicamentos falsificados com origem em Guangzhou, China. Foram apreendidas na operação cerca de 1,4 milhões de embalagens de comprimidos do antimalárico Coartem da farmacêutica Novartis, escondidos em contentores de material de eletrónica.
Se fossem autênticos, estes comprimidos teriam permitido tratar mais de metade dos casos de paludismo registados anualmente em Angola.
Após esta ocorrência foram implementados alguns programas alargados de ajuda ocidental que financiaram a compra de milhões de doses de Coartem, em paralelo com a distribuição de mosquiteiros tratados com repelentes de insetos e inseticidas para pulverização, como forma de prevenir a malária em todo o continente.
Segundo especialista da OMS, em grande parte financiados pela Wellcome Trust, esta conjugação de esforços contribuiu para reduzir em mais de 30 por cento o número de mortes provocadas pela malária nos últimos dez anos em África, situando-se atualmente em cerca de 584 mil entre 198 milhões de infetados, dos quais 90 por cento são crianças.
Milhares de pessoas por todo o mundo já morreram devido à ingestão de fármacos contrafeitos. Na opinião de alguns especialistas, este problema é muitas vezes desvalorizado e interpretado como sendo apenas dos países em vias de desenvolvimento, associado a campanhas contra medicamentos genéricos, entre outros.
Nos anos noventa, durante uma epidemia de meningite no Níger, mais de 50 mil pessoas receberam vacinas falsificadas, resultando na morte de 2500 pessoas.
No Haiti e na Índia, também na década de noventa, morreram 89 e 30 crianças, respetivamente, vítimas da ingestão de um alegado xarope para a tosse com paracetamol, que continha dietilenoglicol na sua composição, um químico tóxico usado habitualmente como anticongelante. O mesmo xarope causou a morte a centenas de crianças no Bangladesh.
Um estudo realizado posteriormente pelo Wellcome Trust concluiu que 38 por cento dos 104 antimaláricos vendidos em farmácias do Sudeste asiático, eram contrafeitos.
No decurso do mês de maio de 2014, o Ministério das Finanças de Portugal, revelava que em resultado de ações levadas a cabo pela Interpol no espaço europeu, em colaboração com as autoridades nacionais dos vários estados-membros, em mais uma operação contra a contrafação de medicamentos no nosso país, tinha sido impedida a entrada no mercado nacional de 5 000 remédios potencialmente perigosos. No mesmo período foram apreendidos em todo o mundo 9,4 milhões de embalagens de medicamentos.
Foi então revelado que das 6 364 encomendas inspecionadas, a Autoridade Tributária e o Infarmed, tinham apreendido 53 contendo 4 972 medicamentos contrafeitos potencialmente perigosos, sobretudo medicamentos para o tratamento da disfunção erétil, para emagrecimento e esteroides anabolizantes, num total estimado de 19 912 euros, e que foram assim impedidos de entrar no País.
Mais recentemente, na 2ª semana de fevereiro de 2016, foi anunciado pela Polícia Judiciária o desmantelamento de seis redes de tráfico de substâncias esteroides anabolizantes como resultado da operação Underground Pharma, que decorria desde 2012 em todo o território nacional e em colaboração com a Polícia espanhola, de que resultou a constituição de 20 arguidos e a apreensão do mais variado material contrafeito. No âmbito desta investigação conjunta, as autoridades espanholas efetuaram também 55 detenções.
Desta vasta operação resultou a apreensão de 750.000 comprimidos e de 50.000 ampolas injetáveis prontas a entrar no mercado, para além de equipamento de produção, etiquetagem e de embalar.
Foi igualmente aprendida matéria-prima para a produção de medicamentos, testosterona, óleos e excipientes, além de frascos de vidro e plástico, cartonagens, bulas, hologramas, fórmulas de fabricação, bem como medicamentos contrafeitos adquiridos em mercado paralelo.
A nível mundial, a Interpol revelou que foram abertos 1 235 inquéritos, eliminados 19 mil anúncios e encerrados mais de 10 600 sítios da internet. A operação permitiu ainda deter 237 pessoas, confiscar medicamentos ilegais com um valor superior a 26,3 milhões de euros e desmantelar laboratórios ilegais em países da américa Latina.
Entre os 9,4 milhões de remédios contrafeitos apreendidos encontram-se comprimidos para emagrecer, para tratamento do cancro, disfunção erétil, constipação e tosse, malária, bem como para redução do colesterol.
Entre nós, apesar dos alertas do Infarmed e de outras entidades reguladoras e de fiscalização e controlo, conlui-se que os portugueses continuam a comprometer gravemente a sua saúde ao adquirirem medicamentos pela internet em websites não autorizados.
Fora da EU, as últimas estatísticas indicam que já morreram centenas de milhar de pessoas na China, na Argentina e no Canadá.
Apesar de a contrafação de fármacos resultar de uma variedade de fatores, a venda pela internet é o canal mais vulnerável à falsificação. A distribuição de fármacos através de canais não licenciados contribui para o aumento da circulação de fármacos fraudulentos nos países desenvolvidos. Nesta área, os números são igualmente assustadores: mais de metade dos fármacos vendidos na internet fora dos circuitos legais são contrafeitos.
A compra em sites não certificados não garante o acesso a fármacos de qualidade, segurança ou eficácia. Alguns podem nunca chegar a ser embalados para envio ou ficar retidos na alfândega, além de poderem pôr em risco a saúde do utente.
Nestes sites não existe um profissional de saúde que conheça a história clínica ou a existência de outras doenças e muitos não conseguem garantir a confidencialidade dos dados pessoais.
O facto de um site estar sediado em Portugal ou ser português não garante que esteja licenciado para vender fármacos ou a dispensá-los ao domicílio. É necessário consultar o Infarmed para saber quais os locais ou entidades habilitados a realizar estas encomendas, o que pode ser feito através do seu portal.
Existem igualmente informações de caráter obrigatório que devem constar nos sites autorizados, quer sejam farmácias ou locais de venda de medicamentos licenciados para o efeito: preço dos serviços prestados relacionados com a dispensa e respetiva entrega ao domicílio, formas de pagamento aceites, área geográfica em que a farmácia assegura a dispensa ao domicílio, tempo provável para entrega e, por último, o nome do diretor técnico da farmácia ou do responsável técnico do local de venda.
A produção e comercialização de medicamentos fraudulentos é bastante lucrativa. Não são necessárias grandes infraestrutras. A maioria dos meliantes capturados produzia os "fármacos" em casa ou apartamentos.
A pobreza, a ausência de uma cadeia de distribuição oficial, legislação inadequada ou inexistente e fiscalização branda, propiciam terreno fértil para o desenvolvimento de mercados de produtos falsificados, encorajando de certa forma os criminosos, que não receiam as consequências.
O Centre for Medicines in the Public Interest, sediado nos Estados Unidos, prevê que as vendas de medicamentos contrafeitos atinjam atualmente a nível mundial valores superiores a 75 mil milhões de dólares, um aumento na ordem dos 90 por cento desde 2010.
A OMS, líder no combate à contrafação de medicamentos, já declarou que os medicamentos contrafeitos são um enorme desafio para a saúde pública. Em 2006 criou o programa IMPACT – International Medicinal Products Anti-Counterfeiting Taskforce –, um documento de princípios e recomendações, que se mantém em vigor, com quatro pontos fortes: legislar e regular, implementar, acesso à tecnologia e informar. O objetivo deste documento é servir de instrumento-base ao estabelecimento de uma política efetiva de combate à falsificação.
Segundo este documento, os governos de cada país devem tomar as medidas necessárias para sancionar severamente a contrafação, independentemente da ocorrência de danos à integridade física ou morte. A OMS recomenda que as sanções devem ser, no mínimo, equivalentes às existentes para produção ou comércio de substâncias nefastas para a saúde ou tráfico de droga e a inclusão de penas de prisão, nos casos em que a lei institucional assim o permita. Também se podem ler no documento recomendações relacionadas com a definição de responsabilidades dos vários intervenientes.
Devido ao risco do aumento da contrafação, a Comissão Europeia anunciou a criação de propostas de reforço da legislação nesta área, "fortalecendo o rigoroso e complexo sistema de avaliação e controlo que a União Europeia implementou nos últimos 40 anos".
Estas medidas estão associadas à proibição de acondicionamento e pela introdução de sistemas que garantam a integridade e autenticidade de cada fármaco.
Há algum tempo atrás foi publicado nos Estados Unidos, pela CERAM Surface and Materials Analysis – uma empresa europeia líder nas técnicas de análise de superfície e no estudo de medicamentos falsificados –, um livro branco salientando a importância das técnicas de análise de superfície para detetar fármacos contrafeitos.
Esta publicação descreve como algumas tecnologias, nomeadamente a espectroscopia de fotoeletrão de raio-X ou espectrometria de Massa de iões secundários por tempo de voo, estão a ser usadas para analisar a composição dos vários fármacos e determinar as diferenças que ocorrem durante o processo de produção.
O autor desta publicação, Justine Bentley, explica como este tipo de tecnologia está a contribuir para a redução do volume de fármacos contrafeitos.
No nosso país a situação é controlada pelo Infarmed que, em colaboração com a Agência de Segurança Alimentar e Atividades Económicas (ASAE), inspecciona regularmente os locais fora do circuito normal de distribuição e dispensa de fármacos que possam estar a comercializá-los de forma irregular.
Apesar dos esforços e aumento da vigilância das autoridades, a situação tem vindo a agravar-se. O Infarmed, através do Centro de Informação do Medicamento e dos Produtos de Saúde (CIMI), tem vindo a acompanhar a situação, tendo anunciado a deteção de tentativas de introdução de medicamentos falsificados no mercado português.
A oferta de medicamentos para venda através da página eletrónica na internet, de acordo com a Lei n.º 46/2012, de 29 de agosto, deve conter, pelo menos:
– os dados de contacto do Infarmed, I.P;
– uma hiperligação para a página eletrónica do Infarmed;
– logótipo comum concebido e definido pela Comissão Europeia, claramente visível em cada vista da página eletrónica na Internet que oferece medicamentos para venda à distância ao público, que inclua uma hiperligação que permita o acesso à entidade responsável pela oferta de venda.
Como a venda de produtos através da internet é um dos pontos mais problemáticos, aquela instituição criou, no seu site, um portal onde as farmácias e outras entidades autorizadas que pretendam dispensar fármacos ao domicílio e vendê-los na internet se podem registar, criando, assim, as condições estabelecidas pela legislação (Dec-Lei 307/2007), alterado pelo Dec-Lei 171/2012 de 1 de Agosto, com a redação dada pelo Dec-Lei 128/2013, de 5 de Setembro e implementada desde 15 de Abril, para a acessibilidade através daqueles meios.
Deve além disso disponibilizar na sua página eletrónica na Internet, pelo menos, o seguinte:
– informações sobre a legislação nacional aplicável à oferta de medicamentos para venda à distância ao público através de serviços da sociedade da informação, incluindo informações sobre a possibilidade de se verificarem diferenças entre os Estados membros no que se refere à classificação de medicamentos e às condições para o seu fornecimento;
– informações sobre a finalidade do logótipo comum;
– a lista das farmácias de oficina e locais de venda de medicamentos não sujeitos a receita médica que oferecem medicamentos para venda à distância ao público através de serviços da sociedade da informação e os endereços das suas páginas eletrónicas na internet;
– informações sobre os riscos associados aos medicamentos vendidos ilegalmente ao público através de serviços da sociedade da informação;
– uma hiperligação para a página eletrónica da agência na internet.
É ainda disponibilizado um "Livro de Reclamações Eletrónico", onde o utente poderá registar a sua insatisfação com a prestação de serviços prestados, e promoveu, no Verão passado, ações de sensibilização junto dos utilizadores dos seviços de internet para os riscos de comprar fármacos em sites não autorizados.
Também a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), tem vindo a estabelecer protocolos de colaboração com várias entidades com o objetivo de combater a contrafação e garantir a qualidade no "circuito do medicamento", nomeadamente com a ValorMed, alertando e sensibilizando a opinião pública para os riscos de uso dos medicamentos contrafeitos e propondo o reforço da legislação em vigor.
A contrafação de fármacos é um problema global, que apenas se poderá combater de forma global, ou seja, através do envolvimento de todos os agentes: desde as autoridades reguladoras, aos fabricantes, passando pelos profissionais de saúde, polícia e alfândega, até aos magistrados e consumidores.
Segundo alguns especialistas, o combate à contrafação só pode ser minimizado de duas maneiras, para além dos aspetos legais e das inspeções das autoridades competentes: é necessário criar alternativas seguras para a dispensa de fármacos online e ao domicílio e, sobretudo, informar o público para a perigosidade de os comprar em sites não autorizados.
A desinformação é a chave para a ignorância. Neste caso, comprar gato por lebre pode conduzir ao sofrimento e à morte. A informação adequada é a chave para uma compra segura.
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Autor:
Tupam Editores
Última revisão:
09 de Abril de 2024
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