Com o progresso da medicina todos os dias surgem novos fármacos, cada vez mais potentes, tanto em relação à eficácia como ao seu potencial efeito tóxico. O conhecimento das propriedades básicas dos medicamentos e da sua acção farmacológica torna-se fundamental para a realização de uma terapêutica adequada, considerando que o corpo humano é um sistema complexo formado por uma infinidade de substâncias que, fatalmente, entrarão em reacção com os fármacos ingeridos.
A introdução de uma nova substância na prescrição poderá provocar interacções com a terapia seguida. Se o médico não conhecer a farmacodinâmica, as interacções e possíveis efeitos colaterais das substâncias entre si, e até a dieta habitual do paciente, poderá incorrer na possibilidade de tornar os riscos para o doente mais elevados que os benefícios que se propunha atingir.
Pode assim definir-se interacção medicamentosa como a influência recíproca de um medicamento sobre o outro. Quando um medicamento é administrado isoladamente produz um determinado efeito. Porém, quando associado a outros com alimentos, ou mesmo a outras substâncias como o tabaco, álcool, café, entre outros, ocorre um efeito diferente do esperado, caracterizando uma interacção.
Um fenómeno frequentemente descurado, mas que merece uma atenção especial, é a interacção alimento – medicamento (IAM). Apesar da sua relevância, as informações existentes ainda são escassas. O interesse na área, porém, tem vindo a crescer uma vez que, durante os tratamentos, conhecer e avaliar essas associações no dia-a-dia pode ser decisivo para que tanto o tratamento farmacológico como a alimentação sejam os mais eficientes, sem prejuízo dos efeitos esperados.
A alimentação, independentemente da cultura do indivíduo ou da época em que vive, é um factor essencial e indispensável para a manutenção de um estado saudável. É a partir dela que o organismo humano retira os nutrientes necessários para a sua sustentação e equilíbrio.
Para que haja harmonia é necessário uma ingestão equilibrada (quantidade e qualidade) dos nutrientes. Só desta forma é que é possível manter as funções energética, reguladora e plástica num estado saudável.
As IAM não se detectam tão facilmente como as interacções dos medicamentos entre si. No entanto, a sua potencial frequência é muito mais elevada já que os alimentos são essenciais à sobrevivência e os medicamentos fundamentais na terapêutica e restabelecimento da saúde. Apesar disso, na prática, são muitas vezes esquecidas e, em alguns casos, não são detectadas até ocorrerem efeitos adversos graves.
Factores que influenciam as IAM
Consideram-se as IAM como o resultado das interferências possíveis entre os três agentes presentes cada vez que se utilizam os medicamentos: o doente, o medicamento e o alimento/nutriente.
No que respeita aos alimentos, tanto a composição da dieta, expressa na proporção relativa de gorduras, proteínas e hidratos de carbono, como o volume de líquido ingerido, são os factores decisivos na interacção entre alimentos e medicamentos. Existem componentes na dieta com grande importância na indução das interacções com os medicamentos, como é o caso dos alimentos com elevado conteúdo de tiramina (amina do queijo), com alto conteúdo de sódio e potássio, alimentos ricos em fibra, com o leite e derivados lácteos, com sumos de fruta, café e similares.
Quanto aos fármacos, podem considerar-se dependentes das suas características farmacológicas, por exemplo, um índice terapêutico estreito ou uma curva dose-resposta dependente pronunciada. Em fármacos como a digoxina, anticoagulantes e antidiabéticos orais ou na teofilina, pequenas variações das suas concentrações plasmáticas são acompanhadas por grandes modificações na resposta terapêutica. No doente, a resposta farmacológica pode variar em função dos factores genéticos, da idade, sexo, estados fisiológicos (ex. gravidez), patológicos ou carenciais.
Interacções relevantes entre alimentos e medicamentos
Existe uma interacção entre alimentos e medicamentos quando a actividade terapêutica ou a toxicidade de um fármaco se modifica de forma a que seja necessário um reajuste na posologia do medicamento ou obrigue a intervenção médica em consequência de reacções adversas ou uma perda importante de eficácia. Estas interacções podem ser de natureza farmacocinética e farmacodinâmica.
Os alimentos podem modificar a farmacocinética dos medicamento através de diferentes mecanismos. Podem alterar os níveis de absorção, distribuição, o seu metabolismo e excreção.
Nas terapias anti-retrovirais, destacam-se duas interacções alimentares com significado clínico. A primeira diz respeito a uma dieta com elevado conteúdo em gordura que reduz a absorção de indinavir e de zidovudina.
Recentemente surgiram casos de interacções de dietas ricas em alho (allium sativum L.) com tratamentos de anti-retrovirais como saquinavir, um inibidor da protease do VIH. O alho actua reduzindo os níveis plasmáticos de saquinavir por um mecanismo ainda desconhecido. Possivelmente este efeito é extensivo a outros inibidores da protease (indinavir, nelfinavir, ritonavir).
Uma das IAM resulta da interacção química directa com os nutrientes, conhecida como reacção de quelação ou de formação de complexos, inactivos. Tal como acontece com as tetraciclinas (excepto a doxiciclina e a minociclina), e com as penicilinas orais (derivados de ampicilina, excepto a amoxicilina), os sais de cálcio e o leite podem alterar a absorção das fluoroquinolonas, como a ciprofloxacina, ofloxacina, enoxacina ou norfloxacina. É importante que os pacientes sejam advertidos para que evitem a ingestão simultânea de quinolonas com alimentos ricos em cálcio.
Também o sucralfato, um antiulceroso, pode unir-se aos componentes proteicos da dieta. Por essa razão deve administrar-se com o estômago vazio, pelo menos 1-2 horas antes das refeições.
Os anticoagulantes orais, varfarina e acenocumarol são fármacos com um índice terapêutico muito estreito. Há relatos médicos de interacções do tipo farmacocinético com alimentos ricos em gorduras. O efeito terapêutico dos anticoagulantes ficou reduzido em doentes com uma dieta rica em abacates, registando-se uma diminuição na biodisponibilidade, na absorção e um aumento do metabolismo.
Resultados semelhantes foram notificados em dietas ricas em vegetais como as couves de bruxelas, couve-flor, brócolos, beterraba e repolho, que contêm compostos indólicos. Deve por isso evitar-se a ingestão excessiva destes alimentos simultaneamente com anticoagulantes orais.
Por outro lado, também se pode induzir o aumento da biodisponibilidade de um fármaco quando os alimentos reduzem o seu metabolismo. É o caso das interacções induzidas pelo sumo de toranja, que contém um flavonóide denominado naringina de sabor amargo e que, no organismo, se transforma em naringenina.
Nos antagonistas dos canais do cálcio, como a felodipina, nifedipina, nimodipina, nisoldipina, nitrendipina, amlodipina e verapamilo, verifica-se uma elevação das concentrações plasmáticas com o sumo de toranja. No diltiazem, o sumo de toranja não tem efeito nas concentrações plasmáticas, apenas aumentando ligeiramente a sua semivida. O mesmo sucede na relação entre sumo de toranja e ciclosporina, aumentando a sua biodisponibilidade ao reduzir o metabolismo, mediante uma inibição do CYP3A4.
A interacção com terfenadina, astemizol ou cisaprida pode ser nociva porque o sumo de toranja aumenta as concentrações plasmáticas e, consequentemente, a incidência de possíveis efeitos cardiotóxicos (prolongamento do intervalo QT, torsades de pointes) que os medicamentos podem originar. Efeitos semelhantes verificaram-se com a carbamazepina, saquinavir, triazolam, alprazolam e midazolam através do efeito inibidor do CYP3A4, que aumenta as suas concentrações plasmáticas.
O segundo grupo de interacções adversas entre alimentos e medicamentos diz respeito às modificações da sua farmacodinâmia. Apesar de o número de interacções com significado clínico ser inferior, é maior a gravidade para o doente.
Os alimentos com elevado teor de vitamina K podem provocar modificações na resposta à terapia anticoagulante com varfarina e acenocumarol. Neste grupo de alimentos encontramos as crucíferas e vegetais de folha verde como a beterraba, alface, brócolos, ervilhas, repolho, couve de bruxelas, couve-flor e outros como o fígado de porco ou vaca e chá verde.
Um suplemento de vitamina K em dietas ricas neste tipo de alimentos aumenta a síntese de factores de coagulação dependentes da vitamina, que induz um antagonismo dos anticoagulantes orais e provoca uma redução da eficácia terapêutica anticoagulante.
O alcaçuz que possui propriedades emulsionantes, expectorantes e laxantes é utilizado para mascarar o sabor amargo de algumas substâncias medicinais de origem vegetal (por ex. aloé) ou química (por ex. quinina). Contém ácido glicirrízico, de estrutura idêntica à aldosterona, com efeitos semelhantes aos mineralocorticóides, com retenção de água e sódio e hipopotasemia. Data de 1968 um caso de hipertensão arterial grave provocada por ingestão de 100 g diários de alcaçuz.
As IAM mais conhecidas são as que se enquadram nos alimentos ricos em aminas como a tiramina, a dopamina e a histamina. Desde 1964 registaram-se 38 casos de hemorragia cerebral, 21 dos quais foram fatais.
Fármacos como a tranilcipromina, que é um IMAO irreversível e não selectivo, e mesmo a selegilina, um inibidor irreversível da MAO-B, utilizado na doença de Parkinson, podem interagir com alimentos ricos em tiramina (queijo e produtos lácteos, salsichas, caviar, frutas como a banana, abacate, figos, uvas e ananás, algumas bebidas como vinho tinto, cerveja, café e chocolate), ao inibir a enzima que metaboliza este tipo de aminas.
Como resultado, verificam-se níveis tóxicos de tiramina na circulação sistémica, que podem ocasionar hipertensão arterial com cefaleias, insuficiência cardíaca e hemorragia cerebral. Os alimentos nocivos são os que contêm elevados valores proteicos e sofreram um processo de envelhecimento, maturação ou fermentação, fumados ou com contaminação bacteriana. Alguns vinhos, tipo chianti, alguns tipos de cerveja (sem álcool), leveduras ou favas e feijão verde, também se incluem neste grupo.
Ainda que com algumas precauções, os alimentos com baixo teor em tiramina são seguros, desde que ingeridos frescos e em quantidade moderada.
As mesmas recomendações repetem-se para os fármacos com actividade inibidora sobre a MAO, como o antituberculoso isoniazida e o citotóxico alquilante procarbazina. Já o antidepressivo moclobemida, que inibe a MAO-A de forma reversível e selectiva em relação à noradrenalina e à serotonina, representa um risco menor de interacção com estes alimentos ricos em tiramina.
É fundamental que todos os pacientes em tratamento com algum dos fármacos que inibem a MAO sejam informados sobre o tipo de alimentos a evitar na sua dieta. A responsabilidade de prevenir a potencial ocorrência de interacções entre alimentos e medicamentos cabe aos vários profissionais de saúde que acompanham o doente.
Medidas de Prevenção
Está provado que a administração concomitante de medicamentos e alimentos pode dar lugar a interacções que modifiquem os seus efeitos com uma intensidade que pode ser grave ou, mesmo, ter um desenlace fatal.
Estas interacções podem ser prevenidas. Para isso é necessário um esforço conjunto por parte da equipa de saúde, como sejam, o médico, enfermeiro, dietista e o farmacêutico.
O médico deve conhecer o risco e prever os efeitos adversos do fármaco e da sua combinação com os alimentos. Deve igualmente realizar uma avaliação do estado nutricional e monitorizar o emprego de fármacos por parte do doente. Deve procurar inteirar-se do seu historial clínico, incluindo toda a informação sobre a toma de medicamentos não sujeitos a receita médica, alimentos, álcool e plantas medicinais (dietas com toranja, alcaçuz, adelgaçantes...) – não incluída habitualmente na prática clínica, nem mencionada espontaneamente pelos pacientes.
A população com risco mais elevado de interacções deve receber uma atenção especial, como é o caso dos idosos, pessoas com um baixo peso corporal, insuficientes renais, grávidas, entre outros.
O enfermeiro deve saber quando administrar os fármacos em relação à ingestão dos alimentos; ao dietista cabe a responsabilidade específica de entregar à restante equipa de saúde as informações dietéticas recomendáveis.
Os doentes devem ser informados sobre a conveniência de não tomar determinados medicamentos juntamente com alguns alimentos específicos, de modo a evitar interacções. Não o fazer pode aumentar o risco de fracasso terapêutico ou alteração séria do quadro clínico.
Um dos aspectos mais importantes para a segurança do doente é aconselhar-se sobre a altura mais conveniente para a ingestão dos medicamentos em relação às refeições, de forma a que o horário e o tipo de alimentação favoreça ao máximo o efeito terapêutico que se pretende alcançar com o tratamento farmacológico prescrito.
O farmacêutico, enquanto técnico do medicamento, tem como missão aconselhar o doente a fazer uso racional dos fármacos. A facilidade de acesso aos suportes informáticos torna possível prestar todos os esclarecimentos sobre as interacções medicamentosas, contra-indicações e reacções adversas dos medicamentos e até seleccionar o fármaco mais adequado para o doente.
O farmacêutico é o último profissional de saúde a estar em contacto com o doente antes que este tome o medicamento prescrito. A sua intervenção torna-se, por isso, fulcral para sensibilizar para os perigos de práticas inadequadas e para assegurar a eficácia e a segurança do medicamento.
A vacinação continua a ser o melhor meio de proteção contra o vírus, com uma proteção mais eficaz contra doenças mais graves, embora o seu efeito protetor diminua com o passar do tempo.
Segundo a OMS, a obesidade consiste numa acumulação excessiva de gordura que surge quando há um desequilíbrio entre o volume de calorias consumidas e as calorias gastas.
A perda muscular nos seres humanos, mais conhecida entre os profissionais de saúde por sarcopenia, é considerada uma condição associada ao envelhecimento e à inatividade.
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