CÃO PASTOR DA SERRA DA ESTRELA

CÃO PASTOR DA SERRA DA ESTRELA

CANÍDEOS

  Tupam Editores

4

Altas penedias, solo granítico, vegetação arbustiva, vida dura e difícil, foram os grandes moldadores da bela raça denominada "Cão Serra da Estrela".

A origem do cão Serra da Estrela perde-se na memória dos tempos, sendo considerada uma das raças mais antigas da Península Ibérica. O seu passado não é bem conhecido, mas presume-se que, tal como os seus parentes, Castro Laboreiro e Rafeiro Alentejano, seja descendente do Mastin do Tibete que, dos Himalaias, irradiou para todo o mundo, acompanhando as migrações humanas que ocorreram ao longo dos tempos e teria dado origem aos molossos e cães tipo montanha.

Em Portugal, o seu local de origem, como o próprio nome indica, é a Serra da Estrela, região a partir da qual a raça se expandiu. Contudo, a data do seu aparecimento, nos então denominados "Montes Hermínios", não é possível de determinar. Sabe-se, no entanto, que a sedentarização do homem nessa região se inicia na Época Medieval mas a sua utilização como guarda de rebanhos dos pastores nómadas da época é muitíssimo mais remota. Crê-se que seja mesmo anterior à Era Cristã, pois, aquando da invasão da Península Ibérica pelos Romanos (século II a.C.) já ali havia pastores (os Lusitanos) que a essa invasão deram luta, refugiando-se nas penedias.

No Verão, os pastores tinham necessidade de conduzir os seus rebanhos de gado para a serra pois aí os pastos verdejavam, enquanto nas zonas de menor altitude já haviam secado. Esta deslocação dos rebanhos para a montanha era uma situação difícil para os animais porque, devido à sua corpulência e menor agressividade – fruto da domesticação – eram potencialmente presas fáceis para os predadores, abundantes nessa época.

As dificuldades que os pastores enfrentavam para defender os seus rebanhos eram certamente imensas. Valia-lhes então, a ajuda de um animal que parece ter sido criado para complementar o homem – o cão (Canis Familiaris).

Elemento da família dos Canídeos, o cão é um animal de grupo (de matilha). Em estado selvagem, os cães estabelecem dentro do grupo a que pertencem, fortes e bem determinadas relações sociais. Nas matilhas, há um líder e um forte espírito de entreajuda e cooperação entre os seus elementos.

Devido à grande facilidade com que transfere essas ligações, o cão doméstico, passa a cooperar com o homem, como se de outro cão do grupo se tratasse. Assim, uma vez reconhecida a sua liderança, está pronto a obedecer-lhe e a ajudá-lo, formando-se um binómio homem-cão.

O Cão Serra da Estrela acompanha o seu chefe, o seu dono, na guarda dos seus haveres, neste caso o rebanho de gado bovino e caprino, não o abandonando jamais – sendo mesmo reconhecido como cão de gado.

Não se sabe, ao certo, quais os animais silvestres que estes valorosos e valentes cães tiveram de enfrentar naquela época, mas tendo em consideração o que se passava na Serra da Estrela, por exemplo, na última metade do século XIX e na primeira do século XX, compreende-se com facilidade o papel fundamental que o lobo teve no desenvolvimento e aperfeiçoamento desta raça canina autóctone.

O lobo é, tal como o cão, um animal de grupo (alcateia). Esses grupos podem ser maiores ou menores, dependendo da área territorial à sua disposição e da quantidade de alimentos que nela podem encontrar. Quando a alimentação escasseava, o gado ovino e caprino tornava-se alvo da sua cobiça, pela facilidade com que o podiam capturar e abundância de carne que lhes fornecia.

Foi precisamente contra este animal, excelente caçador e tão bem preparado fisicamente, que os exemplares da raça Serra da Estrela tiveram de se defrontar. Para bem exerceram a vigilância que lhes era confiada, os cães tiveram de desenvolver certas características e comportamentos de forma a poderem pressentir a presença próxima dos lobos.

Por sua iniciativa, procuravam sítios altos a partir dos quais tentavam captar as feromonas (mensageiros químicos odoríferos transportados pelo ar) dos lobos. Quando detetados nas imediações, os cães tentavam imediatamente proteger os rebanhos, de forma a impedir que os predadores se aproximassem. Para esta forma de atuação, necessitavam de liberdade de ação, não podendo cumprir as ordens estritas do pastor. Este seu comportamento faz com que alguns treinadores considerem o Cão Serra da Estrela difícil de adestrar, pois parece ignorar as ordens e instruções que pretendem ministrar-lhe. Mas será essa a realidade?

Características físicas e comportamentais da raça

Grande molossoide de tipo mastim, com aspeto atento, calmo e expressivo. Rústico e com muita substância; com andamentos vivos e atitude imponente. É bem proporcionado, bem construído, e com uma aparência harmoniosa, característica conseguida ao longo dos tempos.

O pêlo – unicolor ou malhado (fulvo, lobeiro e amarelo) – é forte, muito abundante, ligeiramente grosseiro, sem demasiada aspereza, fazendo lembrar o pêlo de cabra; o subpêlo é constituído por pêlos finos, curtos, abundantes e emaranhados, normalmente mais claros do que a pelagem.

Em 1934, aquando da elaboração do estalão da raça, pelo Professor Dr. Manuel Fernandes Marques, estabeleceram-se duas variedades de pelagem – pêlo curto e pêlo comprido – que se crê deverem-se a variações regionais. Curiosamente, era na região mais quente, a zona Sul da Serra, na região de Manteigas, onde se podia encontrar mais cães de pêlo comprido, enquanto que a variedade de pêlo curto era mais frequente no Norte, em Seia e Gouveia.

Ao contrário do que se poderia imaginar pelo seu tamanho, o Cão Serra da Estrela nada tem de pachorrento, é, antes, possuidor de uma acentuada harmonia morfológica, e de grande agilidade. Outra característica muito acentuada no temperamento desta raça é o seu instinto de guarda e proteção. Cão possuidor de uma infinita sabedoria e inteligência, o Serra da Estrela é um cão de guarda por excelência, seguro do seu trabalho e das suas responsabilidades. É um cão bastante independente e com ideias próprias, que era por vezes deixado sozinho com o rebanho, tendo de ser capaz de tomar as suas decisões, sem a ajuda do dono.

Vigoroso e robusto, é também territorial e dominante. Necessita de uma boa socialização e de um dono capaz de impor a sua liderança de forma consistente e recorrendo ao reforço positivo. O Cão Serra da Estrela não é um pastor, ou seja, não é responsável pela condução do gado. Está, antes, encarregue de o proteger e de o acompanhar. Sempre alerta, o Cão Serra da Estrela está igualmente apto para defender casas e propriedades. Com os donos, esta raça é extremamente meiga e afetuosa. Por trás do aspeto imponente, está um cão muito dócil, amigo e companheiro de brincadeiras das crianças da família, de quem aceita muitos abusos.

É um cão que adora os passeios com a família, mas há que ter atenção a pormenores em relação ao seu temperamento, pois sendo bastante protetor pode não aceitar de bom grado a aproximação de pessoas estranhas. Como cão de guarda incorruptível, o Cão Serra da Estrela é desconfiado em relação aos humanos que não são da casa. Com os estranhos é reservado e seguro de si. Todas as visitas lhe devem ser apresentadas, não devendo ser deixadas sozinhas junto dele.

Para além do seu uso como cão de companhia, e de guarda, na proteção do pastor e rebanhos contra ladrões, devido à sua força, o Cão Serra da Estrela era, por vezes, utilizado na caça grossa (javali, lobo) e como cão de tração (no transporte de pequenas mercadorias, como queijos e leite, para os mercados). Devido às suas qualidades é utilizado pelos fuzileiros nas mais diversas tarefas mas, hoje em dia é principalmente utilizado para a guarda de habitações, tarefa que desempenha com grande eficiência, e que faz com que a raça esteja presente por todo o país.

Paralelismos com outras raças pastores portuguesas

Esta não é, contudo, a única raça reconhecida como "cão de gado". Por toda a Europa mediterrânica e Ásia, existem cerca de 30 raças reconhecidas de cães de gado. No nosso país, para além do Cão Serra da Estrela, estão reconhecidas, pelo Clube Português de Canicultura, mais três raças de cães de gado: o Cão Castro Laboreiro, Cão Transmontano e o Rafeiro Alentejano, que apresentam alguns paralelismos entre si.

O Cão de Castro Laboreiro é originário da região de Castro Laboreiro, que lhe dá o nome, entre as serras da Peneda e do Soajo. É uma raça considerada rara, confinada à àrea, e por isso ser relativamente pouco conhecida e cada vez menos utlilizada dada a escassez de rebanhos. Devido ao seu menor porte, é um cão ativo que demonstra grande agilidade, continuando a ser utilizado para proteger pequenas manadas de gado bovino.

Mostra-se frequentemente hostil sem contudo ser brigão, podendo no entanto tornar-se agressivo com estranhos e tolerar apenas as ordens dos seus donos, o que se deve à sua proximidade com a espécie lupina.

Outra raça ainda muito utilizada para a proteção do gado, principalmente o ovino, é o Cão de Gado Transmontano. Originária do nordeste transmontano, é uma raça muito recente, cujos primeiros registos foram admitidos em 2004. Entre todas as raças portuguesas, é a que atinge maior tamanho e também a mais rústica. É a raça que ainda conserva a sua funcionalidade e que até a data teve menos interferência humana na sua seleção.

É um cão forte, de perfil lateral quadrado, molossoide, do tipo mastim. O seu caráter é marcado pela necessidade de ser independente e auto-suficiente, e o seu temperamento dominante e condescendente em relação aos outros animais domésticos com quem convive, e que considera inferiores. Esta raça apresenta algumas semelhanças morfológicas com o Rafeiro Alentejano.

Igualmente de grande porte, o Rafeiro do Alentejo é um molosso, forte e com aspeto rústico, com origem nas vastas planícies alentejanas. Tradicionalmente acompanhava e protegia os rebanhos de ovinos nas longas rotas da transumância mas, com o fim desta e o desaparecimento do lobo na região, começou a ser cada vez mais utilizado na guarda das grandes herdades e quintas. É um cão corpulento, também utilizado em matilhas de caça grossa. É um animal calmo, seguro de si, com um caráter nobre e digno, extremamente leal, que gosta da atenção da família, sendo especialmente paciente com as crianças. Sendo um cão de guarda é bastante agressivo para com estranhos que entrem no seu território. Não é um cão de cidade ou apartamento, pois não aprecia as rotinas citadinas, preferindo antes um território para guardar.

Além da semelhança de características comportamentais, as quatro raças têm em comum a necessidade de cuidados para preservar a saúde e o bom desempenho da função.

Cuidados de saúde e manutenção do Cão Serra da Estrela

A posse responsável é, sem dúvida, o item mais importante no que respeita ao melhor amigo do Homem. Deve-se, antes de mais, pensar nas necessidades físicas do animal e ter consciência de que ele é um ser vivo, e não uma coisa, que deseja ser compreendido e precisa de afeto e respeito. O cão Serra da Estrela necessita de espaço suficiente para se movimentar à vontade, devendo o seu dono dedicar-lhe algum do seu tempo.

A boa saúde do cão está diretamente relacionada com uma boa alimentação. Esta deve ser especialmente cuidada na fase de crescimento, pois uma má alimentação, nesta fase, compromete o resto da vida do cachorro. Em relação à saúde, é um cão bastante resistente às doenças mas, como todas as raças de grande porte, está sujeito a diversos problemas associados ao seu tamanho, e não necessariamente à raça, tais como a displasia da anca e a torção gástrica. É importante não descurar o esquema de vacinação recomendado pelo médico veterinário, de modo a evitar outras doenças infecciosas.

A partir dos anos 60, o desaparecimento progressivo dos lobos, as alterações sociais e económicas tais como a forte emigração que afetou aquela região, a melhoria das vias de comunicação, que originaram a entrada de novas raças como o Pastor Alemão, foram alguns dos fatores que levaram à diminuição do efetivo da raça que ficou à beira de extinção.

Hoje o cão Serra da Estrela está distribuído por todo o país, sendo uma das raças mais populares. Esta popularidade, embora possa ser positiva, tem o seu lado negativo, visto que promove o aparecimento de criadores pouco escrupulosos que apenas se preocupam com o rendimento das ninhadas, o que resulta em cães de origem duvidosa.

Basta um passeio à Serra da Estrela, para encontrar à beira da estrada cães denominados "Serra da Estrela" por 30 ou 40 euros, mas que de cães Serra da Estrela nada têm. A título de curiosidade, o preço de um raça-pura com dois meses ronda os 500 euros, mas quando já se lhe percebe um caráter extraordinário o valor sobe sem limites.

Fora de Portugal, encontram-se populações estáveis da raça em alguns países europeus, especialmente no Reino Unido, Suécia, Holanda e França, sendo recente a sua introdução nos Estados Unidos da América.

Não restam dúvidas de que o Cão Serra da Estrela é um animal fora de série e um verdadeiro tesouro vivo da nossa herança. Assim, é nosso dever promover a raça no seu estado original e genuíno, de modo a podermos continuar a gozar da sua companhia.

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
09 de Abril de 2024

Referências Externas:

GRIPE CANINA - Esclareça todas as dúvidas!

CANÍDEOS

GRIPE CANINA - Esclareça todas as dúvidas!

A gripe não é uma exclusividade humana. Nos nossos melhores amigos a doença é até muito comum – já ouviu falar de gripe canina, sabe cuidar de um cão engripado?
CEGONHA PRETA - Tímida e de futuro incerto

AVES

CEGONHA PRETA - Tímida e de futuro incerto

De nome científico Ciconia nigra, a cegonha-preta é uma ave distinta, de médio a grande porte que apresenta plumagem negra na cabeça, pescoço, dorso e asas, possuindo um brilho metálico verde-dourado,...
0 Comentários