Estudo revela obstáculos ao trabalho de quem lida com jovens LGBTI+
A falta de confiança nos serviços e a ausência de formação específica são os principais obstáculos sentidos pela maioria dos profissionais que trabalham na área da autodeterminação de género de crianças e jovens em Portugal, indicam os primeiros resultados de um estudo conduzido por uma equipa do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (UC).
MATURIDADE E REFORMA
GERONTOLOGIA, MORRER JOVEM O MAIS TARDE POSSÍVEL
A gerontologia é a ciência que estuda o envelhecimento, sendo caracterizada pela sua multidisciplinaridade, pois nela convergem várias areas do saber como a psicologia, a medicina ou a sociologia. LER MAIS
O estudo insere-se no projeto “Diversity and Childhood (DaC): transformar atitudes face à diversidade de género na infância no contexto europeu”, que junta em consórcio 30 cientistas de nove países europeus, refere a instituição de ensino no seu portal de notícias.
Este projeto visa diagnosticar e intervir para combater a discriminação que afeta crianças e jovens LGBTI+ (sigla que representa lésbicas, gays, bissexuais, transgénero, intersexo e outras orientações) em cinco áreas: escola, saúde, media, espaços públicos e instituições de apoio à criança e famílias.
“É evidente a falta de recursos, sobretudo de formação e informação, por parte de profissionais envolvidos na implementação da Lei de Autodeterminação [Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, regulamentada em 2019], o que gera obstáculos à igualdade de tratamento desta população em áreas como a educação, saúde, intervenção familiar, media e espaço público e comunitário”, afirma Ana Cristina Santos, coordenadora da equipa portuguesa.
Segundo os resultados preliminares do estudo realizado através de inquérito – o primeiro inquérito europeu focado na diversidade de género na infância –, um dado “que nos deve fazer refletir é a total ausência de questões LGBTI+ na formação académica e curricular de grande parte destes profissionais, com mais de metade a admitir nunca ter feito, posteriormente, uma atualização de conhecimentos ou uma formação específica para o trabalho com crianças e jovens LGBTI+”, destaca a investigadora principal do CES.
Destes resultados, detalha, “torna-se clara a necessidade de formação em diversidade sexual e de género direcionada a profissionais de todas as áreas. Com efeito, entre os fatores que mais dificultam a intervenção, surgem destacados a falta de formação para trabalhar especificamente com crianças e jovens LGBTI+ (81,2 por cento), a falta de conhecimento sobre práticas afirmativas/recursos LGBTI+ (78,3 por cento), a falta de conhecimento por parte das/os técnicos/as acerca dos serviços disponíveis (69,8 por cento) e de questões LGBTI+ em geral (66,7 por cento), e a falta de serviços para crianças LGBTI+ (60,9 por cento). E, de facto, 40 por cento dos profissionais que responderam ao Inquérito desconhece a existência de qualquer serviço local, regional ou nacional dirigido a crianças e jovens LGBTI+”.
Observando o setor da educação, o estudo indica que 73 por cento dos profissionais inquiridos referem nunca ter recebido qualquer formação que lhes permita apoiar um/a estudante LGBTI+ em meio escolar.
“Igualmente alarmante será o facto de mais da metade destes profissionais revelar não ter acesso a recursos ou políticas específicas para crianças LGBTI+ na instituição onde trabalha, a fim de garantir uma intervenção abrangente e adequada”, sublinha a investigadora.
Na área da saúde, a conclusão mais preocupante, de acordo com Ana Cristina Santos, prende-se com a falta de confiança nos serviços: três quartos dos profissionais de saúde que participaram no estudo “consideram que a maior dificuldade que as crianças e jovens LGBTI+ enfrentam no acesso aos cuidados de saúde é a falta de confiança nos serviços. Urge, portanto, implementar medidas centradas na pessoa paciente, que permitam trabalhar a proximidade e a relação de confiança, para que crianças e jovens LGBTI+ entendam o consultório médico enquanto espaço seguro, inclusivo e livre de violência”.
Perante os resultados obtidos nesta investigação, a especialista do CES adverte que existe ainda um caminho por fazer no que diz respeito “à criação e promoção de espaços seguros para as crianças LGBTI+, daí que o sucesso da Lei da Autodeterminação de Género dependa da implementação de planos de ação LGBTI+ nas instituições, de modo a apoiar uma intervenção eficaz junto destas crianças e jovens”.
Iniciado em 2019, o projeto “Diversity and Childhood” é financiado pela Comissão Europeia até 2021. Em Portugal a equipa de investigação é composta por Ana Cristina Santos (coordenadora), Mafalda Esteves (cocoordenadora) e Alexandra Santos, e conta com o apoio do Ministério da Educação e da Associação de Jovens LGBTI e apoiantes da rede exaequo.